segunda-feira, 16 de abril de 2007




Nordeste brasileiro: periferia do país?

Ao se falar em nordeste do Brasil é natural a associação da região com uma área pobre, rural, cuja população é semi-analfabeta, carente e totalmente dependente de programas assistenciais do governo. Existe no imaginário do brasileiro uma concepção estereotipada do nordestino, muitas vezes tido como um povo à parte, nascido em uma região onde desenvolvimento, industrialização, globalização são conceitos novos, pouco conhecidos e seus efeitos menos ainda. Uma região estagnada no tempo, refém da miséria e do abandono.Mas até onde isso tudo é verdade? Em número de população e extensão territorial o Nordeste brasileiro mostra-se imponente: são 1.558.196 km2 de área, 49.833.207 habitantes, de acordo com o IBGE, distribuídos em nove estados: Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Piauí, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe.


Em termos de riqueza cultural o nordeste também não tem do que se envergonhar, pelo contrário, é um pólo de representação da diversidade cultural brasileira. Cada estado da região possui sua manifestação popular marcada pela criatividade, originalidade e engajamento em preservar tradições e costumes criados no decorrer da história desse povo. De Pernambuco, por exemplo, vem o centenário frevo, um ritmo acelerado e contagiante, protagonista do carnaval pernambucano e reconhecido por exigir um acessório um tanto inusitado, uma sombrinha colorida, com a qual são feitas inúmeras peripécias durante a dança, refletindo outra característica muito presente na cultura nordestina, a simplicidade. A região é também a terra do samba de roda e do axé, ambos surgidos na Bahia, do baião, do xote. Mas no campo dos ritmos musicais o que melhor representa o nordeste é o forró. O local da região onde foi criado é incerto, o que todos sabem, porém, é que o forró faz sucesso pela sua frenética musicalidade, por estimular a dança e a sensualidade, por fazer o nordestino se liberar por completo. Antes restrito ao nordeste, hoje está difundido por todo o Brasil. Chegou a ganhar adaptações na região sudeste, onde surgiu o forró universitário. É o São João o período quando o forró é mais executado, sua dança se espalha pelos quatro cantos e é, inclusive, motivo de disputa em muitos concursos de danças juninas. Tradições passadas de pai para filhos, encarregados em manter viva a legítima arte nordestina.


Para agüentar a maratona de festas do nordeste só mesmo estando bem alimentado e ai que entra outro ponto forte da região, a culinária. Pratos sempre carregados no tempero e com grande variedade e concentração de ingredientes são reconhecidos pelo forte sabor e alto valor nutricional, no linguajar nordestino são comidas que dão “sustança”. O vatapá, o caruru e o acarajé são preparados com muito azeite de dendê, iguarias tipicamente baianas. A carne do sol, a canjica (curau), o cozido, o sururu, o mingau de milho, o feijão verde, o mungunzá e muitos outros pratos completam o cardápio variado do Nordeste.


Se na cozinha do brasileiro não faltam receitas provenientes do Nordeste, na sua biblioteca provavelmente também não faltam obras cujos autores são nordestinos. Grandes nomes da literatura brasileira nasceram na região. Numa breve lista podem ser incluídos ao menos vinte e três grandes nomes entre eles Clarice Lispector, que embora nascida na Ucrânia foi criada a partir dos 5 anos no Recife, Ariano Suassuna, Gilberto Freyre, Nelson Rodrigues, Rachel de Queiroz, Patativa do Assaré, Graciliano Ramos, João Ubaldo Ribeiro, Castro Alves e Jorge Amado.


Escritores que dedicaram grande parte de suas obras à exaltação da efervescência cultural da região e à retratação de um outro lado da vida do nordestino, o do sofrimento, da angústia presentes no cotidiano de parte desse povo. Rico em cultura e história, mas detentor de índices pouco animadores no âmbito do desenvolvimento social. Apesar do expressivo crescimento industrial obtido nos últimos anos, o nordeste continua sendo a região mais pobre e desigual do país. A culpa tanto pode ser atribuída ao clima hostil de grande parte do território, pouco propícia à prática da agricultura e da pecuária, quanto à inoperância e desleixo do poder público, incapaz de solucionar ou até mesmo amenizar os problemas da região, inclusive, o maior deles, a seca. Ainda hoje, todos os anos, animais, crianças e idosos morrem por falta de comida e água no sertão. Vítimas não somente de um fenômeno natural, como também da usura desenfreada de latifundiários e políticos. Por mais escandaloso e hediondo que possa parecer, é reconhecida por todos a existência de uma indústria da seca. O processo pelo qual se dá o funcionamento desse sistema é cruel: a criação e a execução de projetos do governo como concessão de créditos aos agricultores e outros investimentos visando a solução do problema sofrem a interferência de políticos locais e grandes empresários, que se beneficiam indevida e inescrupulosamente dessas ações, aplicando os recursos obtidos em proveito próprio, perdurando o secular problema da seca.


Nos grandes centros urbanos os problemas são outros, mas nem por isso menos graves. Eles existem assim como em qualquer outra grande cidade brasileira. A violência provocada pela desigualdade, a pobreza, o desemprego, a falta de saúde e moradia, a precarização da educação são questões recorrentes que tornam caótico o cenário social das metrópoles nordestinas. No entanto, os moradores do nordeste, sobretudo das cidades, têm o de comemorar. A renda per capita, por exemplo, saltou de 397 dólares em 1960 para 2.689,96 em 1998. O PIB da região em 2003 superava o de países como Chile, Singapura, Venezuela, Colômbia e Peru. Nas três maiores cidades da região: Salvador, Recife e Fortaleza, podem ser encontrados pólos industriais importantes. Porém, o grande destaque econômico do Nordeste sem dúvida é o turismo. Conhecidas pelas suas belas praias e riqueza natural e histórica as cidades nordestinas estão entre as mais visitadas do país. Salvador é a terceira cidade brasileira na preferência dos turistas só perdendo para o Rio de Janeiro e São Paulo, esta última beneficiada pelo turismo de negócios. Esta atividade econômica vem trazendo importantes recursos para a região e gerando um desenvolvimento lento, mas contínuo. O setor de serviços impulsionado pelo turismo é o responsável pela absorção da maior parcela de mão de obra, não fosse ele os índices de desemprego seriam ainda mais alarmantes.


É esse nordeste dividido entre o atraso e o progresso, miseráveis e milionários, pobreza econômica e riqueza histórica e cultural, que tem seus problemas sociais esquecidos, mas é lembrado nos roteiros turísticos, palco do descobrimento do Brasil, palco de contrastes, palco onde quem brilha é o povo, que a partir de agora eu estarei encarregado de desbravar e apresentar, mesmo que de maneira um pouco limitada, para você leitor do JE Informa. O objetivo é tirar a região da condição de periferia esquecida do Brasil e mostrá-la tão qual ela é, com as suas peculiaridades e semelhanças sócio-culturais, nem sempre positivas, com o resto do Brasil. A partir de maio o JE Informa inicia uma série de reportagens especiais que mostrará uma região cheia de histórias que merecem, precisam e vão ser contadas.