No início dos anos 90, antes da privatização da telefonia no país, ter uma linha telefônica era algo tão raro, que a posse se transformava em algo digno de se pôr em testamento. Mesmo assim, todas as quintas à noite, Tony Ramos entrava com o “Você Decide” mostrando casos que tinham seus finais decididos pelo telespectador. Era o ápice, e também limite, do que a TV até então considerava interatividade. O que mudou nesse período de quase 20 anos? O que fez a sua simpática colega plantada no meio da sua sala mudar de opinião sobre até que ponto você passa a decidir realmente o que quer ver? Você ainda vai ganhar aquela cadeira charmosa de diretor?
Por Fernando Galacine, do JE em São Paulo, Rosangela Brito, do JE em Kawasaki e Aline Schuh, do JE em Londres.
Se quem não chorava não mamava, quem não anotasse o código postal do bendito programa também não ia escolher entre o He-man ou o ThunderCats para assistir na outra semana. A comunicação TV- Telespectador, até um pouco depois do “Você Decide” era quase totalizada por cartas e mais cartas. Quem não tinha paciência de colar toneladas de selo toda vez que almejava opinar sobre algum assunto para as Tv´s, simplesmente não era ouvido. Mas Bill Gates revolucionou, o mundo se globalizou e os notáveis computadores chegavam ao país. Não que tenham se popularizado rápido, mas já surgia a possibilidade de se comunicar sem quilos de cola no meio. Da caixa postal se transformar em @ foi um pulo e a TV foi uma grande influenciadora de processos cada vez mais velozes para a sociedade, como um todo, ter que se conectar à rede, a fim de se conectar também a ela. Cada vez mais páginas reproduziam o universo que estávamos acostumados a ver só em casa, mas gradativamente trazendo complementos que ao longo do tempo foram ganhando dimensões maiores se diferindo do conteúdo original: a TV já não servia mais de cópia e o mundo passou a ter acesso a tecnologias cada vez mais semelhantes as usadas num outro mundo, do qual todo o mundo só tinha acesso pela caixa postal.
Radinho de pilha
Quando o rádio surgiu, no início do século passado, ele ocupou um lugar que não era especificamente de ninguém na época, afinal não era todo mundo que tinha um músico particular em casa a fim de cantar quando era desejável. Mas com a TV foi diferente: o rádio já tinha todas as funções que a TV planejava fornecer, exceto uma: não necessitava com que pessoas ficassem paradas em frente a ele, para entender o que estava acontecendo... Mas foi essa exceção que fez a TV roubar o lugar do rádio: a possibilidade de ver a cara dos locutores, até porque no começo da TV brasileira quase todos os artistas vieram das rádios e isso foi um atrativo, visualizar, ou até mesmo concretizar imagens que até então só ficavam na imaginação de cada um. Em resumo, a TV dava a chance de tornar real situações que antes eram apenas imaginadas quando narradas. Mas, então por que o rádio não sumiu? Para o crítico de TV José Armando Vannucci, radialista da Jovem Pan AM de São Paulo, um veículo não mata outro: “Quando a TV veio todos achavam que o rádio ia acabar. E não: ele foi para a prestação de serviços, para a informação mais perto de quem precisa ir para o trabalho, para quem está em casa e trabalhando.” Completa. Ou seja, o rádio conseguiu se manter porque driblou a lei de Darwin e foi mais esperto do que forte...
Não é nenhum pouco insignificante o sucesso que grandes conteúdos de vídeo fazem no mundo todo. O You Tube é um exemplo de como o desejo do ser humano de também ser destaque em alguma atração é enorme, e o site criado a menos de três anos e vendido por mais de US$ 1,3 bilhão, conseguiu realizar mais do que 15 minutos de fama: mostrou pessoas comuns para pessoas comuns por pessoas comuns. O fato é que cada vez mais a interação vai tomar conta de nossa vida e você deve estar se perguntando se a TV também vai fugir à lei de Darwin. E essa é uma ótima pergunta se pudermos voltar e dar a resposta através do exemplo do rádio: se a TV unira tudo que o rádio já possuía com a novidade da imagem, o que é de se esperar que a TV faça em relação à internet e pessoas loucas para opinarem em tudo?
Replay
Quem navega hoje pelo You Tube pode notar que mais da metade do conteúdo, apesar de ser postado por terceiros, vem quase sempre de um mesmo lugar: da TV. É comum encontrar no site de compartilhamento de vídeos, trechos, ou até mesmo produções inteiras, dos mais variados gêneros e países, deixando claro que, apesar da outra metade dos vídeos ter sido gerada independentemente, o que mais atrai a atenção dos internautas, mesmo num mundo de conteúdo livre, é a possibilidade de navegar por momentos históricos daquele programa de entrevistas, ou daquele seriado que você não vê faz tempo. Ou seja, a primeira parte de uma TV mais aberta já começou em vários países: A TV digital na Europa, parte da Ásia e Estados Unidos já possibilita conteúdo interativo com as emissoras de Televisão, por lá é cada vez mais comum acessar diferentes canais de uma mesma rede, com conteúdos diferentes, mas num mesmo padrão. É como se você pudesse acessar sua novela às 10 da manhã ou então um jornal no meio da tarde. A correspondente do JE Informa, Rosangela Brito, mostrou, há um ano, como a tecnologia da qual o Brasil utilizará a partir de Dezembro, em São Paulo, foi lançada no Japão.
Por Rosangela Brito, do JE em Kawasaki
Na terra do sol nascente, onde tecnologia em excesso nunca foi demais, os japoneses agora parecem empolgados com a TV digital que para eles também é uma novidade. Inaugurada há pouco mais de quatro meses, muitas lojas já fazem grandes liquidações de televisores que recebem o sinal digital. Ao contrário do que ocorre no Brasil, onde há mais TVs do que geladeiras, aqui no Japão as famílias têm em média uma só TV, isso porque se paga uma taxa ao governo para cada TV que se tem, mesmo assim uma TV digital custa caro: cerca de ұ 1.500.000, 00 (um milhão e meio de ienes) ou R$ 28.000,00. As emissoras japonesas ainda transmitem nos dois sinais, a maior delas a estatal NHK já tem uma programação semi interativa, com previsão do tempo e guia de programação. O Japão espera ter cerca de mais de 70% de seu território coberto com o sinal digital até o final do ano. Os Japoneses gostaram da idéia de uma TV mais interativa e com uma resolução de imagem até quatro vezes maior, mas apaixonados por velocidade como são, eles ainda preferem a poltrona de um carro à poltrona da sala...
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Mesmo utilizando a tecnologia japonesa para o modelo de transmissões digitais no país, o Brasil não contará com a interatividade na estréia dos novos canais. O software Ginga , desenvolvido por universidades brasileiras e que possibilita o conteúdo interativo, ainda não está em fase de comercialização, algo que deverá chegar ano que vem. Decepção para quem esperava isso do novo serviço, alívio para as emissoras que apesar de serem obrigadas a transmitirem a programação também pelo sistema digital no final do ano, ainda não produzem seus conteúdos na nova tecnologia. “Não basta transmitir digitalmente, tem que produzir e por enquanto nem software de edição digital nós temos em toda a programação” é o que diz o Dan La Laina Sene, responsável pelo departamento audiovisual da TV Cultura. Dan diz ainda que a prioridade da emissora é implementar internamente sua estrutura: “A nossa prioridade é montarmos nossas estações digitais. Só temos dois programas que são feitos inteiramente com a nova tecnologia”. Ou seja, em tempos que o Governo coloca com status de prioridade uma nova TV Pública, justamente para uma participação maior da sociedade na gestão dos programas, não há muita certeza se as TV’s que já existem darão suporte suficiente para uma nova tecnologia que o Governo tanto quer.
De todo mundo?
Pense em um banheiro público. Provavelmente a imagem que veio à mente foi de um lugar não muito bem cuidado, não é mesmo? Agora pense numa TV pública. Provavelmente o primeiro adjetivo que pode ter vindo foi qualidade. E não à toa você pensou nisso. A maioria dos brasileiros, ao contrário do que se espera, não associa a TV pública com qualquer outro tipo de serviço oferecido pelo Estado, geralmente precários. A imagem da TV pública no Brasil é de uma emissora educativa, independente e de qualidade. Apesar de não concorrer pela audiência direta com as emissoras comerciais, ainda é de se perguntar o porquê das TV´s públicas em todo o país terem um Ibope tão baixo. A concorrência das emissoras comercias é forte ou a tal qualidade de seus programas não passam de um eufemismo para ‘sem graça’? É possível uma TV pública se tornar tão ou mais atraente do que TV´s comercias? A correspondente do JE Informa em Londres mostra como a BBC, que é estatal, consegue ser uma das emissoras mais admiradas e vistas do mundo inteiro.
Por Aline Schuh, do JE em Londres
A BBC, maior corporação de telecomunicações em termos de audiência, é uma empresa bem vista mundialmente, pois não só informa como também presta serviços aos cidadãos. Com programas educativos na TV, uma vasta quantidade de tópicos sobre saúde, educação, estilo de vida, comunidade, política e noticias, a BBC representa a tradição inglesa. Qual é o segredo do sucesso dessa gigante? O mais curioso sobre a BBC é que ela é um canal público, mantido com o dinheiro da população. Mensalmente cada residência que possui uma ou mais televisões paga uma taxa chamada Licença TV, que custa aproximadamente R$ 40,00 e que é usada para fundar os serviços públicos que a BBC oferece. Estes incluem 8 canais de TV interativos, 10 estações de radio, e mais de 50 canais de TV e radio locais.Vale lembrar que a taxa paga pelos cidadãos ingleses mensalmente não é usada para manter os serviços mundiais que a BBC oferece, e os lucros feitos por outros serviços comerciais que a BBC presta ajudam a manter a Licença TV baixa. É assim que a BBC consegue prestar serviços livres de propagandas e influências políticas, o que a deixa com a imagem séria, honesta e não sensacionalista. Acredito que essa seja uma das qualidades mais admiradas pela população sobre a BBC, pois ela, na maioria das vezes, não toma lados e sempre apresenta os fatos como eles realmente são.
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É claro que não adianta importar um modelo como o da BBC para fazer com que as TV´s públicas possam realmente tomar seu lugar na vanguarda da mídia brasileira. Apesar de pagarmos impostos altíssimos, uma verba a mais, seria muito mal recebida pela população. Mas a falta de recursos não é o maior problema que a TV pública enfrenta. “A TV pública deveria ser vista de outra maneira pelos políticos. Enquanto eles não enxergarem a TV pública com boas intenções, será muito difícil termos uma estrutura competitiva e uma TV pública mais presente.” Diz José Armando.A Rede Brasil, idealizada pelo Governo e que também conta com coordenação do jornalista Franklin Martins, deve estrear em Dezembro, junto com a TV digital e deverá unir partes das programações das principais TV´s públicas do país. A emissora tem nome semelhante da TV Brasil, esta também pública, mas direcionada para a América Latina. Inaugurado no ano passado, o canal leva a imagem do Brasil para a maioria dos países do continente cobrindo principalmente fóruns de questões sociais, mas quase ninguém por aqui sequer sabe disso. Cineastas ou documentaristas que poderiam ter seus trabalhos exibidos numa emissora de alcance internacional nem sequer sabem da existência da tal TV, que é pública, mas não tem público
Eu faço, tu faz, todo mundo faz
Diante disso as TV´s comerciais já abrem espaço para que definitivamente o telespectador se veja na TV e não só quando as emissoras o quiserem. O FIZ TV, novo canal do Grupo Abril, laçou a menos de dois meses a idéia de receber conteúdos totalmente independentes, jogá-los na internet e a partir daí realizar eleições para a escolha dos melhores materiais a fim de exibi-los na TV. Tudo isso dividido em inúmeras categorias, passando de documentários até o jornalismo, que promete ser realizado a partir das notícias enviadas pelo público. Disponível apenas na TVA, O FIZ TV está no canal 20 da operadora e promete se estender mais, já que por enquanto o canal é único no segmento, por isso mesmo não tem concorrência direta para disputar em outras operadoras. Também inovando, o canal MultiShow, lançou na semana passada um reality show produzido pelos próprios participantes. “Retrato Celular”, projeto do diretor Andrucha Washington, mostra o cotidiano das pessoas pela câmera do celular que cada participante recebe a fim de mostrar, em detalhes, o dia-a-dia na vida deles. Como cada um tem direito de mostrar aquilo que quer, o resultado final é bacana, pois não revela muito mais do que uma pessoa mostraria para um amigo mais íntimo, ou seja, nada apelativo.
Num mundo onde cada vez mais surgem novas tecnologias, o então restrito mundo da TV daqui para frente tende cada vez mais juntar-se com outras mídias e novidades. Desde do e-mail que você manda para um programa de debates, até o vídeo que você produziu e que irá passar em pleno horário nobre, dependem da TV para se concretizarem, mas principalmente e cada vez mais dependem da sua interação com o outro lado da tela, e desta vez não só para escolher o final do episódio no “Você decide”.