quinta-feira, 13 de março de 2008



Darfur, Kosovo, Chechênia. Essas três regiões do planeta vivem hoje conflitos em comum. Talvez, conflitos não tão comuns quanto entre nações rivais, movidos principalmente por interesses políticos e econômicos. Os ataques nessas três regiões não vêm de fora. O inimigo, literalmente, dorme ao lado.


Por Fernando Galacine, do JE em São Paulo


Com exceção do continente europeu e de raros países da Ásia, todo o resto do mundo já sofreu algum tipo de colonização desde a Idade Moderna. O desejo de formar novos e grandiosos impérios era o ideal das expedições marítimas do Velho Mundo e também dos líderes de diversas potências mundiais. Visando enormes áreas de recursos, principalmente minerais, as nações colonizadoras sufocavam dentro de fronteiras artificiais, diversas minorias étnicas, quase todas com extrema rivalidade entre si. Ignoradas pelo governo, e oprimidas por outros povos no mesmo território, essas minorias se rebelaram. E aí, na maior parte dos casos, houve dois caminhos. Ou essas minorias acabaram aliando-se a grupos terroristas, como no caso dos chechenos, e até criando outros como o ETA, ou então essas minorias desapareceram, dizimadas por outros grupos radicais, muitas vezes apoiados por quem estava no poder do país.



Hoje, em qualquer lugar do mundo, um conflito pode ter as mais diversas razões. À medida que um país ou uma região apresentem fatores que possam desencadear um processo bélico, mais perigoso ele é. Se o país é rico em petróleo ou em diamantes, se tem uma população predominantemente jovem, grupos étnicos que dominam sumariamente outras minorias e um governo inerte em relação a todos os confrontos, muitos especialistas serão unânimes em afirmar que para acontecer uma grande catástrofe humanitária no país não faltará mais nada.

O Sudão, o maior país da África, apresenta todos esses fatores. O resultado é segundo maior genocídio da história africana, perdendo apenas para o do Congo, com mais de 300 mil mortos e 2 milhões de refugiados. A província de Darfur se transformou em um verdadeiro campo de guerra quando o próprio governo sudanês resolveu criar e incentivar uma milícia para dar fim aos protestos por melhores condições de vida na região. Juntamente com as forças armadas do governo, as milícias atacaram diversos vilarejos, saqueando moradores, os expulsando de suas casas e incendiando tudo, para que os moradores não pudessem voltar. O genocídio, que acontece desde 2003, só virou destaque agora, quando o mundo, ou parte dele, se mobilizou para deter os crimes em Darfur. Mas muito pouco foi feito na prática até agora. Soldados da União Africana já foram enviados ao local, mas não fazem nada senão observar as atrocidades.

A idéia é que na presença de estrangeiros houvesse uma inibição por parte das milícias em praticar os crimes. Não funcionou. A ONU também já enviou cerca de 20 mil homens à zona de conflito, mas graças à China, elas também não poderão reagir armadamente. Com poder de veto no Conselho de Segurança da ONU, Pequim se opôs aos embargos propostos para o Sudão. O maior projeto petrolífero da China no exterior fica justamente no país africano. E para não perder os investimentos já feitos, a China matem relações muito próximas com o Governo de Cartum, inclusive vendendo armas a ele. Todas usadas para o genocídio. Genocídio gerado por questões étnicas, sustentado pelo petróleo.



Muitos especialistas falam que é preciso reduzir cada vez mais a dependência de petróleo, principalmente das grandes nações do planeta. Mas a verdade é que daqui a pouco mais de uma década e meia o mundo precisará ainda mais desse recurso natural. Entre as grandes nações está a China, que praticamente dobrará a demão de petróleo em quinze anos. Para não frear o crescimento, Pequim investe, assim como no Sudão, em outra reserva importante de petróleo no planeta: a região do Cáucaso. Entre a Europa e a Ásia, a região sempre foi marcada por inúmeros conflitos, passando desde o Império Russo, os czares, até Stalin. Em comum a perseguição ao povo checheno. Em 1991, com o fim da União Soviética, diversos estados surgiram no Leste Europeu. Na região do Cáucaso, mais precisamente de dentro do território russo, surgiram a Armênia, o Azerbaijão e a Geórgia. Meses mais tarde, quando a Chechênia também declarou sua independência, o Governo russo atacou. Ao contrário dos vizinhos, os chechenos foram considerados rebeldes.



Moscou invadiu a região da Chechênia com todo o seu exército, mas saiu derrotada de lá. Na entanto, a Rússia não iria deixar por isso mesmo e segundo acusações, montou um plano monstruoso. Em 1999, atentados a bomba aconteceram na capital russa, matando centenas de civis. O então Presidente Vladmir Putin responsabilizou os grupos terroristas chechenos como autores. Como sempre foram oprimidos pela Rússia, os chechenos se uniram a radicais islâmicos, adotando formas de treinamentos terroristas como as usadas no Oriente Médio. Por essa razão, alegada pelo Kremlin, a Chechênia foi atacada, desta vez com muito mais potência: cidades inteiras foram dizimadas, incluindo a capital, Grozny. O que sobrou do país foi forçadamente anexado de volta à Rússia.

O mundo talvez não desse mais tanto destaque à situação no Cáucaso após a guerra, senão fosse um acontecimento assustador em Londres, em dois anos atrás. O ex-espião do serviço secreto russo, Alexander Litvinenko morrera envenenado misteriosamente por uma substância altamente radioativa, o Polônio-210. A substância fora servida a Litvinenko disfarçadamente numa xícara de chá, num café da capital inglesa. Meses antes, o ex-espião dissera que o Governo russo havia sido o responsável direto pelos atentados a bomba em Moscou, em 99, utilizando-se disso como pretexto ideal para invadir a Chechênia, sob a alegação de combate ao terrorismo. Litvinenko deu nome a todos os acusados e disse que se algo acontecesse a ele a culpa seria do então Presidente Vladmir Putin.

As investigações da polícia britânica apontaram o próprio serviço secreto russo como o principal suspeito pelo envenenamento do ex-espião. Hoje a Chechênia é uma bomba que pode voltar a explodir a qualquer momento. A Rússia sabe que se isso acontecer, a explosão levará junto a enorme quantidade de petróleo e gás natural da qual os russos tanto precisam, diante de uma crise energética que já está acontecendo. Situação pior só existiria se outro país vizinho conseguisse, quase aos moldes unilaterais chechenos, uma independência. E para o desespero do Kremlin, Kosovo conseguiu isso.



Desde a Segunda Guerra Mundial, o número de países no mundo mais que dobrou: dos 70 países, mais 130 foram criados após o término dos conflitos. A grande responsável por isso foi a Carta das Nações Unidas, assinadas pelas potências da época e que dava direito a cada povo, que constituía uma nacionalidade, de determinar um novo governo e claro, um novo território. Mas nem todos conseguiram fazer plenamente essa divisão. Hoje no mundo inteiro, há cerca de 30 conflitos com fundo separatista espalhados pelas mais diversas regiões, mas, sobretudo, no Ásia e Leste Europeu. Neste último, como você acabou de ler, a Chechênia luta para se tornar independente, apesar de já ser virtualmente autônoma.

Caso semelhante aconteceu no Kosovo, uma província da Sérvia que hoje se declara independente. A Sérvia, que você já deve ter ouvido falar principalmente nos jogos de vôlei, quando ainda era ligada a Montenegro, fazia parte da Iugoslávia, que ruiu após o fim da União Soviética. Da Iugoslávia, foram criadas a Croácia, a Macedônia, Montenegro que pacificamente através de um referendo se separou da Sérvia em 2006, e Kosovo.

Não é de hoje que a província tenta a sua independência. Vivendo no Sul da Sérvia, a minoria de albaneses sempre sonharam com sua liberdade. Na Guerra do Kosovo, também em 1999, a OTAN (Tratado das Forças da América do Norte) teve que intervir e estava lá até agora. A Sérvia não aceita de jeito algum a independência de Kosovo, porque afirma que a província é o berço da cultura sérvia, de fé católica ortodoxa. Porém no território kosovar, 90% da população é de origem albanesa, apenas 100 mil habitantes são sérvios e estes vivem ao norte da província, na fronteira com a continuação do território sérvio, por medo dos extremistas albaneses.

Para um território ser considerado um país, além de se analisar toda uma estrutura, como uma identidade nacional em comum e um território, por exemplo, é necessário que a ONU o reconheça como tal. Para isso, é necessário que o Conselho de Segurança da ONU, peça que seja realizada uma votação na Assembléia Geral, formada por todos os países membros, incluindo o Brasil, para que seja aceito ou não, como mais um membro e, portanto, como mais um país.



Com veto dessas nações, Kosovo não pode ir de imediato para a votação na Assembléia Geral, apesar da sua independência ter sido indicada e assistida pela própria ONU. A Rússia, por motivos óbvios, não quer que Kosovo seja declarado um país, com a Chechênia no seu próprio calcanhar. “As criações dos Estados-nações, foram apagamentos dessas pequenas nacionalidades. A Espanha, por exemplo, não apoiou a independência do Kosovo, justamente porque também lida com um grupo separatista. Não faria sentido essas nações apoiarem Kosovo, elas perderiam o controle dentro das próprias fronteiras” diz o Professor do Departamento de Geografia da USP, Manoel Fernandes.



Como vários outros países igualmente importantes, como França, Reino Unido e Estados Unidos apoiando a independência, Kosovo segue aparentemente imune aos protestos sérvios e russos. Tanto que já planeja várias ações dignas de qualquer outra nação do mundo. Recentemente o governo kosovar, requereu a participação nas Olimpíadas de 2008 em Pequim, ironicamente com a China sendo contra a independência. Mas é muito provável que a participação não aconteça, pelo menos não como um país. Kosovo até mandaria atletas, mas eles participariam como independentes. Fora tudo isso, a Sérvia não deve entrar em confronto num curto espaço de tempo, afinal os albaneses são a maioria no território e os russos esbarram nas forças da ONU, no local.

Sem fronteiras

No final das contas é interessante pensar como o mesmo sistema que defende um mundo cada vez mais globalizado, e, portanto, sem fronteiras, seja o mesmo que apóie divisões de territórios em lugares conhecidamente estratégicos e desaprove em lugares igualmente rentáveis. Afinal, Kosovo apesar sempre ter tido certa autonomia, fazia parte oficialmente da Sérvia e esta ligada diplomaticamente com a Rússia. No caso de futuras extrações de petróleo e outros recursos minerais na região, os kosovares ficariam em débito com quem? Com quem apoiou a independência ou com quem não apoiou? “Na verdade, o Imperialismo vê com interesse esses conflitos. Para ele é vantajoso vender a idéia de que, num bando de selvagens, é ele quem pode pacificar tudo.” Diz o Professor Manoel Fernandes. “Se há conflitos por causa da produção de petróleo, diamante ou até drogas, é porque existe em grande mercado que os consome, e que movimenta muito dinheiro. Quem é o maior consumidor de petróleo e de drogas no mundo?” Questiona o professor. As fronteiras do mundo ainda serão modificadas e não se tratará de questões internacionais como aconteceu aqui ao lado, entre Equador e Colômbia. O adversário de cada nação vive dentro das fronteiras que cada uma traçou a seu modo, visando o poder e não vendo a rebelião ao lado, com chances de explodir mais facilmente do que o tão cobiçado petróleo.