Por Fernando Galacine,
editor do JE, em São Paulo com
Rosangela Brito, em Kawasaki, Japão
Clair Busse, em Breitenbach, Áustria
e Aline Schuh, em Londres
Oriente Médio. África. Holanda.
O que veio à sua cabeça ao ler essas três palavras? Guerras? Gente em cima de camelo à procura de água? Um bando de pessoas que fuma maconha e permite a união de gays?
Se a resposta foi sim, ou quase isso, que tal se nós acrescentássemos “Brasil” a esta lista? O que viria à sua cabeça ao ler o nome da nossa pátria? Talvez a melhor pergunta fosse: será que ao ler Brazil, nas capas do The New York Times, Le Monde, El País, o mundo inteiro só pensa no Futebol, no Carnaval e na caipirinha? Será que para os gringos, ainda vamos de cipó para o trabalho e, aos berros, paramos e ficamos nus, a admirar as lindas paisagens tropicais? O JE quis adentrar neste assunto que nesta época do ano com certeza você deve se perguntar: que identidade temos lá fora? Antes de dar início a tentativa de responder esta pergunta vamos começar a responder outra e mais importante:
De onde surgiu a fama que temos?
Se você é pleno defensor que o Brasil foi uma “descoberta” dos índios, talvez você fique ainda mais feliz ao saber que a fama que temos, também não foi invenção de nenhuma tribo daqui. “Se somos considerados preguiçosos, vagabundos e um povo extremamente sexualizado, essa foi a maneira que os portugueses encontraram como uma válvula de escape para justificar tudo que dava errado na sua frustrante idéia de encontrar um Eldorado em terras desconhecidas” É o que afirma o professor de história e coordenador do Núcleo de Memória e Pesquisa da PUC em São Paulo, Adilson Gonçalves. Presente até mesmo na Bíblia o tal Eldorado é o paraíso que é prometido desde os primórdios da humanidade, e com as navegações européias no século XV, ganhou mais força entre os desbravadores. Essa era a meta de espanhóis, ingleses e claro, portugueses, que imaginavam encontrar um Eldorado muito mais interessante do que encontraram.
“Ao chegarem por aqui, os portugueses se depararam com uma natureza angustiante e um clima despudorado para a época. Para os índios de então tudo era uma novidade, e nem mesmo eles sabiam que procedimento deveriam tomar diante daquilo, o que foi encarado como uma afronta pelos portugueses” diz Adilson. Após os fracassos em tentativas de escravizar os índios os portugueses se vingaram, descrevendo todos os acontecimentos de forma distorcida em obras literárias que se espalharam pela Europa nos séculos XVI e XVII. A partir daí, os “brasileiros” eram considerados filhos de portugueses com criaturas de caráter extremamente duvidoso. “Como os portugueses não conseguiam dominar os índios, que eram os donos das terras, eles justificavam a escravidão espalhando que as índias eram vagabundas e promiscuas, já que eles se interessavam mais pelos brancos porque, para eles, os índios eram indolentes.” completa o professor. Logo depois, a vez se voltava contra os escravos africanos, que segundo os portugueses só viviam de sexo, justificando assim a escravidão.
Daqui para lá...
Como não só bastasse saber que a nossa fama obviamente foi criada por gringos, é quase tão fundamental entender como ela se mantêm até hoje. É claro que diferente do século 19, a idéia de Terra Do Nunca que o Brasil sempre teve, não cola, ou pelo menos em parte: mesmo na era da velocidade a jato não estranhe ler notícias sobre nós, tão ou mais fabulosas que historinha em quadrinhos: como por exemplo a interessante idéia que o chefe do grupo terrorista Al Qaeda, Osama Bin Laden estaria morando no Rio de Janeiro, curtindo as nossas belas praias enquanto o FBI não chega. Ainda nas praias, você deve se lembrar, a confusão dos diabos arquitetada, acidentalmente ou não, pelo fotógrafo freelancer do jornal norte americano The New York Times, que em conjunto com o texto do correspondente Larry Rohter, tratava sobre a obesidade no Brasil. A foto que ilustrava a reportagem na verdade mostrava duas senhoras tchecas, com os dizeres que “The girls of Ipanema” depois de alguns anos, tinham se transformado naquilo. Mas essa não foi nem de longe a maior confusão causada pelo jornal de Nova Iorque.
Antes mesmo deste acontecimento, Larry já era conhecido nosso por ter escrito, em um de seus artigos, sobre o suposto exagerado hábito de beber do Presidente Lula. O que fez com que o homem das estrelas vermelhas ameaçasse cancelar o visto profissional do Larry, que conseqüentemente teria que abandonar o país. Mas o correspondente foi salvo, pelo então Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, que fez a decisão ser cancelada, devolvendo plenos poderes à permanência do Larry. “Foi uma atitude totalmente despropositada, sem sentido algum. É um absurdo usar de força política para ameaçar a integridade da imprensa. Caso alguém se sentisse ofendido, tínhamos o sistema judiciário à nossa disposição.” É o que diz o correspondente Marcos Antinossi, que é brasileiro, mas trabalha para a Agência de Notícias Lusa, de Portugal.
Com Marcos, o Brasil tem centenas de correspondentes estrangeiros com escritórios tanto no Rio, quanto em São Paulo, que diariamente mandam notícias daqui para diversos locais do planeta. O que eles comentam sobre a gente? “Geralmente tratamos muito da violência no país e da destruição da Amazônia, são os assuntos que vendem mais, que interessam mais às Agências de Notícias que querem um noticiário mais específico para os estrangeiros se informarem sobre estes assuntos” Afirma Marcos, que completa: “Esses assuntos chamam mais a atenção justamente por eles pensarem como é possível um país com riquezas tão diversificadas, com um potencial de crescimento tão grande como o nosso, se deixar desmoralizar por assuntos tão banais, tão simples de se resolver diante do império que poderia já estar construído, mas que não está.”.
...E de lá para cá
Se por um lado o mundo nos vê através dos textos, imagens e comentários dos correspondentes de seus respectivos países, o JE também não fez por menos. Nossas correspondentes em Breitenbach, um centro turístico de férias europeu, na Áustria, na capital inglesa, Londres, considerada a cidade mais cosmopolita do mundo e em Kawasaki do outro lado do mundo, no Japão, mostram de perto o que os europeus e os asiáticos acham sobre o país tupiniquim que aparece sempre na televisão em meados de Fevereiro.
Por Clair Busse – JE BREITENBACH
O comentário maldoso sobre as mulheres brasileiras dito por homens de várias nacionalidades, principalmente européias, já faz parte do meu cotidiano aqui em Breitenbach. Por ser do sul e falar bem o alemão, o idioma daqui, consigo me camuflar em situações como essas, escutando tudo o que dizem, e que raramente falariam diretamente a uma brasileira. O trio samba, Carnaval e Rio de Janeiro é o que mais ouço quando digo que sou daí. Não há um repúdio ao Brasil aqui na Áustria, nós até que somos admirados, mas geralmente esses predicados não mudam quando nos fazem algum elogio. As emissoras locais batem sempre na tecla dos presídios brasileiros, favelas, o abandono de crianças tanto pela sociedade quanto pelo Governo, além do problema das drogas e os assaltos à turistas, mesclado a imagens do Pantanal e da Amazônia. Há alguns meses o assunto era a queda do avião da Gol, e sobre as eleições presidenciais com comentários que às vezes me davam verdadeira revolta. Mas somos estrangeiros no país deles e a música que nós temos que dançar é austríaca.
Por Aline Schuh - JE LONDRES
Em uma cidade cosmopolita como Londres, onde pessoas do mundo inteiro convivem todos os dias,ser de um outro país já não é muita novidade. Mas é claro que por ser de um país Latino e tão diferente como o Brasil, sempre ouço alguns comentários. Ouvir coisas do tipo: “Ronaldinhooooooooooooo!!!” toda vez que digo a alguém que sou brasileira já é tradição. Mas não são apenas os talentosos jogadores de futebol do Brasil que ‘já caíram na boca do povo’ aqui em Londres. Polemicas como a da brasileira, que trabalhava ilegalmente como faxineira na casa de um Juiz, e que ameaçou expor a vida privada dele caso não recebesse a quantia de £20 000 (cerca de R$ 80 000), já estampou a primeira pagina de alguns jornais ingleses no ano passado. A morte de Jean Charles de Menezes, que foi confundido com um terrorista e morto pela policia britânica em 2005, também já esteve presente muitas vezes (e ainda hoje aparece) nos jornais ingleses.
Outros dos assuntos bastante conhecidos e comentados sobre o Brasil incluem o desflorestamento da Amazônia, a corrupção dos governantes e a violência das grandes capitais brasileiras. Conhecido como o país do Carnaval e futebol, o Brasil tem muitos simpatizantes aqui em Londres. Muitos dos ingleses com quem eu conversei acreditam que pessoas vindas de paises tropicais como o Brasil, trazem uma energia boa, são mais divertidos e aparentam ser mais felizes, e é por causa disso que muitas vezes os brasileiros levam a fama de “festeiros”. A cidade maravilhosa do Rio de Janeiro e a grande metrópole de São Paulo são geralmente os pontos de referencia do Brasil, e digo isso de experiência própria, pois toda vez que falo pra alguém que sou do Brasil, me perguntam se venho de uma dessas cidades. Acredito que por Londres ser essa cidade com uma imensa diversidade cultural, todo estrangeiro é bem recebido aqui, e dificilmente se vê casos como o do polemico Celebrity Big Brother Inglês, em que a atriz Indiana Shilpa Shetty (ganhadora do programa) foi supostamente vitima de racismo.
Por Rosangela Brito – JE KAWASAKI
Explicar como um brasileiro é visto numa terra tão diferente da nossa, não é lá umas das tarefas mais fáceis de fazer. Até porque, antes mesmo, de sermos brasileiros somos principalmente taxados ocidentais e isso já é considerada uma diferença e tanto por aqui. É claro, que com as devidas proporções, alguns japoneses não gostam nenhum pouco dessa “divisão” do seu país com os estrangeiros. Alguns mais radicais propõem que todos nós voltemos à nossa terra natal e os deixasse em paz. Os japoneses que já foram ao Brasil, me contaram que a beleza natural é grande, mas que acharam o país muito desorganizado um tanto violento. Curiosos, os japoneses adoram perguntar como são feitas as coisas mais simples do dia a dia aí no Brasil. Um dos exemplos é o café da manhã: eles não conseguem imaginar como nós comemos pães e frutas na refeição que por aqui é feita à base de arroz e saladas. O samba é outra coisa que os preocupa: eles ficam intrigados por não adivinharem quem nos ensinou dançar tão bem. Bom, pelos menos isso eles não vão ficar sabendo tão cedo.
O Brasil no mundo...
Carnaval: festa pagã que modernamente foi introduzida pelas cidades de Paris, na França, e Veneza, na Itália.
& Futebol: esporte importado pelo inglês Charles Miller, em 1894.
Não é de hoje que a fama do Brasil em adaptar e melhorar invenções alheias, direcionando os holofotes para os nossos palcos, é conhecida no mundo inteiro. Apesar de certamente você não achar muito motivador o crescimento do PIB brasileiro (o que realmente não é) o nosso país está entre as três nações com maiores chances de crescimento emergente do mundo. Por isso mesmo, é vital saber marcar as diferenças entre os nossos correntes, China e Índia no caso, para o grande mercado internacional. E numa hora dessas, associar os estereótipos do Brasil ao fechar contratos comerciais vem ajudando, e muito: “Nesses últimos quatro anos o nosso trabalho teve como foco buscar que a percepção positiva que a maioria dos estrangeiros tem sobre o futebol brasileiro, ou as praias, entre outros itens, fosse válida também para as mercadorias brasileiras” diz a assessora de imprensa da Apex-Brasil, Ana Barbosa. Tanto que em dois anos as exportações para a Arábia Saudita, por exemplo, saltaram 300% em relação aos anos anteriores.
A Apex-Brasil, é a agência do Governo que cuida das exportações das mercadorias brasileiras, principalmente fazendo campanhas de marketing para não só exportar como trazer investimento estrangeiro para o país. E se para vender bem os estereótipos do Brasil ajudam, nada melhor que usar e abusar deles. Na Alemanha, no ano passado, uma empresa de transportes contratou um grupo de atores brasileiros, especialmente mulheres seminuas, para simularem o festejo de torcedores brasileiros em estações de trens em todo o país durante a Copa do Mundo: e se os frios alemães compram mais passagens ferroviárias afim de também entrarem na farra, o que seria mais justo que encontrar logo uma escola de samba na plataforma de embarque? Para a Apex nem tanto: “Os setores de alta tecnologia brasileiros, como software, equipamentos médico-hospitalares, máquinas e equipamentos, entre outros, são os que mais sofrem com este problema. Nas ações da Agência e das entidades parceiras do setor privado procuram reverter esta situação por meio de uma série de atividades de relações públicas e promoção no intuito de divulgar a imagem do Brasil Tecnológico sempre visando eliminar possíveis estereótipos.”.
...E o mundo no Brasil
O espanhol não é a nossa língua. Macacos não saem atacando pessoas pelas nossas ruas. O Rio de Janeiro não fica ao lado da Amazônia. Não, não tomei cachaça a fim de descrevê-la para esta reportagem e estou a soltar frases pelo ar. Essas três afirmações acima são apenas algumas que você com certeza faria ao assistir o episódio do desenho mais popular do mundo em uma inesquecível viagem ao Brasil. Os Simpsons, uma das famílias mais conhecidas do planeta, sempre bem vinda na maioria das nossas casas, causou certo sorriso amarelo entre os brasileiros no final de 2002 quando o episódio “O feitiço de Liza” foi ao ar no Brasil pela Fox, um canal por assinatura. A história conta a ajuda que Liza dá a um garoto pobre na periferia do Rio, para este comprar uma porta, para os macacos não invadirem o seu quarto, e um par de sapatos, para ele poder dançar o Carnaval.
As sátiras, como o chefe da família, o paquidérmico Hommer, sendo seqüestrado, apresentadoras infantis se esfregando nas letras do alfabeto e Bart sendo engolido por uma cobra não agradaram nenhum pouco as autoridades do turismo do Rio, que entraram com processo na justiça, mas o retiraram depois de um pedido formal de desculpas dos produtores da série. Mas, a história fora da TV não acabou por aí: após serem indicados por um prêmio de melhor roteiro com este episódio, os produtores, um ano após o acontecimento chegaram a cogitar uma volta ao Brasil da família amarelada, mas nos dizeres do patriarca da casa “Os problemas com macacos estavam cada vez piores por aqui”. Mais tarde, na 14º temporada, o Palhaço Krusty, menciona que seu macaquinho foi trazido do Brasil, onde o tio do macaco é o chefe de um escritório de turismo daqui.
Brincadeiras à parte, o turismo do Brasil não sofreu tanto com essa situação e até vai bem, obrigado. Segundo dados da EMBRATUR e também da FIP em São Paulo mostram que quando o assunto é turismo, o Brasil ainda é referência mundial: foram mais de 6 mil desembarques internacionais em terras tupiniquins no ano passado, isso só por vias aéreas. Mais precisamente, os dados relativos a 2005 mostram que quase 5 milhões e meio de turistas atracaram em terras brasileiras. Quem vem a lazer, tradicionalmente prefere passar férias no Rio, que responde pelo fluxo de 31,5% desse tipo de turismo, já São Paulo atrai turistas que vem a negócios, quase metade deles, 49,4% vem à capital paulista para fecharem contratos, na maioria deles não muito caros: o turista de negócios gasta bem menos que o turista que vem à passeio: em média são US$ 1 020 dos norte americanos contra os US$ 1 373 dos italianos, que são as duas nacionalidades que mais gastam no total com os dois maiores tipos de turismo no país. Pudera: os inventores da pizza só perdem em tempo de permanência no Brasil para os portugueses, que ficam por aqui mais de três semanas, em geral, contra os 17 dias dos italianos.
Já quando o assunto é o que os gringos acharam do nosso habitat, 23% dos turistas que vieram a negócios disseram que a limpeza pública foi o que mais decepcionou, mas em compensação, 98,2% disseram que estavam muito satisfeitos com a nossa hospitalidade: Somos imundos, mas educados. Por isso mesmo 95,9% dos turistas que vieram passear disseram que pretendiam voltar ao país, o que outro dado preocupa: se eles fossem voltar apenas pela nossa cultura, por exemplo, eles não se interessam tanto: apenas 5,4% dos turistas de veraneio e 4,2% de negócios acham que o maior motivo para nos visitar seria este, bem menos que as belezas naturais para 39,3% e os 45,2% da nossa hospitalidade, respectivamente.
Afinal
Você se lembra das três palavras que deram início a essa reportagem? A nossa pergunta foi exatamente o que veio à sua cabeça ao lê-las, não é mesmo? Se para você as guerras, falta de água e sobra de liberdade podem resumir esses locais saiba que por mais que estas já sejam imagens padrões desses lugares, o berço de inúmeras civilizações se deu bem no lugar onde hoje você acha que será o túmulo de muitas delas. No continente em que você supõe que a vida entre dunas não tem perspectiva alguma, estão os animais mais poderosos da terra. E no lugar que em sua opinião é liberal demais, o governo tem dado exemplos que são copiados por inúmeros países europeus.
O que conclusivamente mostra o que o dicionário já conta: estereótipo é aquilo que não muda, que se torna fixo diante de idéias, muitas vezes pré-concebidas. Se for justo ou não com cada um dos países que os carrega, isso é um assunto que só quem vive em cada um deles pode responder. Se somos conhecidos pelo futebol Carnaval e samba, nada mais interessante do que tirarmos o lado positivo de tudo isso e saber criar cada vez mais reconhecimentos à nossa pátria. Se o mundo gosta de nós ou não, vamos fazê-los dançar um bom samba.
O que veio à sua cabeça ao ler essas três palavras? Guerras? Gente em cima de camelo à procura de água? Um bando de pessoas que fuma maconha e permite a união de gays?
Se a resposta foi sim, ou quase isso, que tal se nós acrescentássemos “Brasil” a esta lista? O que viria à sua cabeça ao ler o nome da nossa pátria? Talvez a melhor pergunta fosse: será que ao ler Brazil, nas capas do The New York Times, Le Monde, El País, o mundo inteiro só pensa no Futebol, no Carnaval e na caipirinha? Será que para os gringos, ainda vamos de cipó para o trabalho e, aos berros, paramos e ficamos nus, a admirar as lindas paisagens tropicais? O JE quis adentrar neste assunto que nesta época do ano com certeza você deve se perguntar: que identidade temos lá fora? Antes de dar início a tentativa de responder esta pergunta vamos começar a responder outra e mais importante:
De onde surgiu a fama que temos?
Se você é pleno defensor que o Brasil foi uma “descoberta” dos índios, talvez você fique ainda mais feliz ao saber que a fama que temos, também não foi invenção de nenhuma tribo daqui. “Se somos considerados preguiçosos, vagabundos e um povo extremamente sexualizado, essa foi a maneira que os portugueses encontraram como uma válvula de escape para justificar tudo que dava errado na sua frustrante idéia de encontrar um Eldorado em terras desconhecidas” É o que afirma o professor de história e coordenador do Núcleo de Memória e Pesquisa da PUC em São Paulo, Adilson Gonçalves. Presente até mesmo na Bíblia o tal Eldorado é o paraíso que é prometido desde os primórdios da humanidade, e com as navegações européias no século XV, ganhou mais força entre os desbravadores. Essa era a meta de espanhóis, ingleses e claro, portugueses, que imaginavam encontrar um Eldorado muito mais interessante do que encontraram.
“Ao chegarem por aqui, os portugueses se depararam com uma natureza angustiante e um clima despudorado para a época. Para os índios de então tudo era uma novidade, e nem mesmo eles sabiam que procedimento deveriam tomar diante daquilo, o que foi encarado como uma afronta pelos portugueses” diz Adilson. Após os fracassos em tentativas de escravizar os índios os portugueses se vingaram, descrevendo todos os acontecimentos de forma distorcida em obras literárias que se espalharam pela Europa nos séculos XVI e XVII. A partir daí, os “brasileiros” eram considerados filhos de portugueses com criaturas de caráter extremamente duvidoso. “Como os portugueses não conseguiam dominar os índios, que eram os donos das terras, eles justificavam a escravidão espalhando que as índias eram vagabundas e promiscuas, já que eles se interessavam mais pelos brancos porque, para eles, os índios eram indolentes.” completa o professor. Logo depois, a vez se voltava contra os escravos africanos, que segundo os portugueses só viviam de sexo, justificando assim a escravidão.
Daqui para lá...
Como não só bastasse saber que a nossa fama obviamente foi criada por gringos, é quase tão fundamental entender como ela se mantêm até hoje. É claro que diferente do século 19, a idéia de Terra Do Nunca que o Brasil sempre teve, não cola, ou pelo menos em parte: mesmo na era da velocidade a jato não estranhe ler notícias sobre nós, tão ou mais fabulosas que historinha em quadrinhos: como por exemplo a interessante idéia que o chefe do grupo terrorista Al Qaeda, Osama Bin Laden estaria morando no Rio de Janeiro, curtindo as nossas belas praias enquanto o FBI não chega. Ainda nas praias, você deve se lembrar, a confusão dos diabos arquitetada, acidentalmente ou não, pelo fotógrafo freelancer do jornal norte americano The New York Times, que em conjunto com o texto do correspondente Larry Rohter, tratava sobre a obesidade no Brasil. A foto que ilustrava a reportagem na verdade mostrava duas senhoras tchecas, com os dizeres que “The girls of Ipanema” depois de alguns anos, tinham se transformado naquilo. Mas essa não foi nem de longe a maior confusão causada pelo jornal de Nova Iorque.
Antes mesmo deste acontecimento, Larry já era conhecido nosso por ter escrito, em um de seus artigos, sobre o suposto exagerado hábito de beber do Presidente Lula. O que fez com que o homem das estrelas vermelhas ameaçasse cancelar o visto profissional do Larry, que conseqüentemente teria que abandonar o país. Mas o correspondente foi salvo, pelo então Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, que fez a decisão ser cancelada, devolvendo plenos poderes à permanência do Larry. “Foi uma atitude totalmente despropositada, sem sentido algum. É um absurdo usar de força política para ameaçar a integridade da imprensa. Caso alguém se sentisse ofendido, tínhamos o sistema judiciário à nossa disposição.” É o que diz o correspondente Marcos Antinossi, que é brasileiro, mas trabalha para a Agência de Notícias Lusa, de Portugal.
Com Marcos, o Brasil tem centenas de correspondentes estrangeiros com escritórios tanto no Rio, quanto em São Paulo, que diariamente mandam notícias daqui para diversos locais do planeta. O que eles comentam sobre a gente? “Geralmente tratamos muito da violência no país e da destruição da Amazônia, são os assuntos que vendem mais, que interessam mais às Agências de Notícias que querem um noticiário mais específico para os estrangeiros se informarem sobre estes assuntos” Afirma Marcos, que completa: “Esses assuntos chamam mais a atenção justamente por eles pensarem como é possível um país com riquezas tão diversificadas, com um potencial de crescimento tão grande como o nosso, se deixar desmoralizar por assuntos tão banais, tão simples de se resolver diante do império que poderia já estar construído, mas que não está.”.
...E de lá para cá
Se por um lado o mundo nos vê através dos textos, imagens e comentários dos correspondentes de seus respectivos países, o JE também não fez por menos. Nossas correspondentes em Breitenbach, um centro turístico de férias europeu, na Áustria, na capital inglesa, Londres, considerada a cidade mais cosmopolita do mundo e em Kawasaki do outro lado do mundo, no Japão, mostram de perto o que os europeus e os asiáticos acham sobre o país tupiniquim que aparece sempre na televisão em meados de Fevereiro.
Por Clair Busse – JE BREITENBACH
O comentário maldoso sobre as mulheres brasileiras dito por homens de várias nacionalidades, principalmente européias, já faz parte do meu cotidiano aqui em Breitenbach. Por ser do sul e falar bem o alemão, o idioma daqui, consigo me camuflar em situações como essas, escutando tudo o que dizem, e que raramente falariam diretamente a uma brasileira. O trio samba, Carnaval e Rio de Janeiro é o que mais ouço quando digo que sou daí. Não há um repúdio ao Brasil aqui na Áustria, nós até que somos admirados, mas geralmente esses predicados não mudam quando nos fazem algum elogio. As emissoras locais batem sempre na tecla dos presídios brasileiros, favelas, o abandono de crianças tanto pela sociedade quanto pelo Governo, além do problema das drogas e os assaltos à turistas, mesclado a imagens do Pantanal e da Amazônia. Há alguns meses o assunto era a queda do avião da Gol, e sobre as eleições presidenciais com comentários que às vezes me davam verdadeira revolta. Mas somos estrangeiros no país deles e a música que nós temos que dançar é austríaca.
Por Aline Schuh - JE LONDRES
Em uma cidade cosmopolita como Londres, onde pessoas do mundo inteiro convivem todos os dias,ser de um outro país já não é muita novidade. Mas é claro que por ser de um país Latino e tão diferente como o Brasil, sempre ouço alguns comentários. Ouvir coisas do tipo: “Ronaldinhooooooooooooo!!!” toda vez que digo a alguém que sou brasileira já é tradição. Mas não são apenas os talentosos jogadores de futebol do Brasil que ‘já caíram na boca do povo’ aqui em Londres. Polemicas como a da brasileira, que trabalhava ilegalmente como faxineira na casa de um Juiz, e que ameaçou expor a vida privada dele caso não recebesse a quantia de £20 000 (cerca de R$ 80 000), já estampou a primeira pagina de alguns jornais ingleses no ano passado. A morte de Jean Charles de Menezes, que foi confundido com um terrorista e morto pela policia britânica em 2005, também já esteve presente muitas vezes (e ainda hoje aparece) nos jornais ingleses.
Outros dos assuntos bastante conhecidos e comentados sobre o Brasil incluem o desflorestamento da Amazônia, a corrupção dos governantes e a violência das grandes capitais brasileiras. Conhecido como o país do Carnaval e futebol, o Brasil tem muitos simpatizantes aqui em Londres. Muitos dos ingleses com quem eu conversei acreditam que pessoas vindas de paises tropicais como o Brasil, trazem uma energia boa, são mais divertidos e aparentam ser mais felizes, e é por causa disso que muitas vezes os brasileiros levam a fama de “festeiros”. A cidade maravilhosa do Rio de Janeiro e a grande metrópole de São Paulo são geralmente os pontos de referencia do Brasil, e digo isso de experiência própria, pois toda vez que falo pra alguém que sou do Brasil, me perguntam se venho de uma dessas cidades. Acredito que por Londres ser essa cidade com uma imensa diversidade cultural, todo estrangeiro é bem recebido aqui, e dificilmente se vê casos como o do polemico Celebrity Big Brother Inglês, em que a atriz Indiana Shilpa Shetty (ganhadora do programa) foi supostamente vitima de racismo.
Por Rosangela Brito – JE KAWASAKI
Explicar como um brasileiro é visto numa terra tão diferente da nossa, não é lá umas das tarefas mais fáceis de fazer. Até porque, antes mesmo, de sermos brasileiros somos principalmente taxados ocidentais e isso já é considerada uma diferença e tanto por aqui. É claro, que com as devidas proporções, alguns japoneses não gostam nenhum pouco dessa “divisão” do seu país com os estrangeiros. Alguns mais radicais propõem que todos nós voltemos à nossa terra natal e os deixasse em paz. Os japoneses que já foram ao Brasil, me contaram que a beleza natural é grande, mas que acharam o país muito desorganizado um tanto violento. Curiosos, os japoneses adoram perguntar como são feitas as coisas mais simples do dia a dia aí no Brasil. Um dos exemplos é o café da manhã: eles não conseguem imaginar como nós comemos pães e frutas na refeição que por aqui é feita à base de arroz e saladas. O samba é outra coisa que os preocupa: eles ficam intrigados por não adivinharem quem nos ensinou dançar tão bem. Bom, pelos menos isso eles não vão ficar sabendo tão cedo.
O Brasil no mundo...
Carnaval: festa pagã que modernamente foi introduzida pelas cidades de Paris, na França, e Veneza, na Itália.
& Futebol: esporte importado pelo inglês Charles Miller, em 1894.
Não é de hoje que a fama do Brasil em adaptar e melhorar invenções alheias, direcionando os holofotes para os nossos palcos, é conhecida no mundo inteiro. Apesar de certamente você não achar muito motivador o crescimento do PIB brasileiro (o que realmente não é) o nosso país está entre as três nações com maiores chances de crescimento emergente do mundo. Por isso mesmo, é vital saber marcar as diferenças entre os nossos correntes, China e Índia no caso, para o grande mercado internacional. E numa hora dessas, associar os estereótipos do Brasil ao fechar contratos comerciais vem ajudando, e muito: “Nesses últimos quatro anos o nosso trabalho teve como foco buscar que a percepção positiva que a maioria dos estrangeiros tem sobre o futebol brasileiro, ou as praias, entre outros itens, fosse válida também para as mercadorias brasileiras” diz a assessora de imprensa da Apex-Brasil, Ana Barbosa. Tanto que em dois anos as exportações para a Arábia Saudita, por exemplo, saltaram 300% em relação aos anos anteriores.
A Apex-Brasil, é a agência do Governo que cuida das exportações das mercadorias brasileiras, principalmente fazendo campanhas de marketing para não só exportar como trazer investimento estrangeiro para o país. E se para vender bem os estereótipos do Brasil ajudam, nada melhor que usar e abusar deles. Na Alemanha, no ano passado, uma empresa de transportes contratou um grupo de atores brasileiros, especialmente mulheres seminuas, para simularem o festejo de torcedores brasileiros em estações de trens em todo o país durante a Copa do Mundo: e se os frios alemães compram mais passagens ferroviárias afim de também entrarem na farra, o que seria mais justo que encontrar logo uma escola de samba na plataforma de embarque? Para a Apex nem tanto: “Os setores de alta tecnologia brasileiros, como software, equipamentos médico-hospitalares, máquinas e equipamentos, entre outros, são os que mais sofrem com este problema. Nas ações da Agência e das entidades parceiras do setor privado procuram reverter esta situação por meio de uma série de atividades de relações públicas e promoção no intuito de divulgar a imagem do Brasil Tecnológico sempre visando eliminar possíveis estereótipos.”.
...E o mundo no Brasil
O espanhol não é a nossa língua. Macacos não saem atacando pessoas pelas nossas ruas. O Rio de Janeiro não fica ao lado da Amazônia. Não, não tomei cachaça a fim de descrevê-la para esta reportagem e estou a soltar frases pelo ar. Essas três afirmações acima são apenas algumas que você com certeza faria ao assistir o episódio do desenho mais popular do mundo em uma inesquecível viagem ao Brasil. Os Simpsons, uma das famílias mais conhecidas do planeta, sempre bem vinda na maioria das nossas casas, causou certo sorriso amarelo entre os brasileiros no final de 2002 quando o episódio “O feitiço de Liza” foi ao ar no Brasil pela Fox, um canal por assinatura. A história conta a ajuda que Liza dá a um garoto pobre na periferia do Rio, para este comprar uma porta, para os macacos não invadirem o seu quarto, e um par de sapatos, para ele poder dançar o Carnaval.
As sátiras, como o chefe da família, o paquidérmico Hommer, sendo seqüestrado, apresentadoras infantis se esfregando nas letras do alfabeto e Bart sendo engolido por uma cobra não agradaram nenhum pouco as autoridades do turismo do Rio, que entraram com processo na justiça, mas o retiraram depois de um pedido formal de desculpas dos produtores da série. Mas, a história fora da TV não acabou por aí: após serem indicados por um prêmio de melhor roteiro com este episódio, os produtores, um ano após o acontecimento chegaram a cogitar uma volta ao Brasil da família amarelada, mas nos dizeres do patriarca da casa “Os problemas com macacos estavam cada vez piores por aqui”. Mais tarde, na 14º temporada, o Palhaço Krusty, menciona que seu macaquinho foi trazido do Brasil, onde o tio do macaco é o chefe de um escritório de turismo daqui.
Brincadeiras à parte, o turismo do Brasil não sofreu tanto com essa situação e até vai bem, obrigado. Segundo dados da EMBRATUR e também da FIP em São Paulo mostram que quando o assunto é turismo, o Brasil ainda é referência mundial: foram mais de 6 mil desembarques internacionais em terras tupiniquins no ano passado, isso só por vias aéreas. Mais precisamente, os dados relativos a 2005 mostram que quase 5 milhões e meio de turistas atracaram em terras brasileiras. Quem vem a lazer, tradicionalmente prefere passar férias no Rio, que responde pelo fluxo de 31,5% desse tipo de turismo, já São Paulo atrai turistas que vem a negócios, quase metade deles, 49,4% vem à capital paulista para fecharem contratos, na maioria deles não muito caros: o turista de negócios gasta bem menos que o turista que vem à passeio: em média são US$ 1 020 dos norte americanos contra os US$ 1 373 dos italianos, que são as duas nacionalidades que mais gastam no total com os dois maiores tipos de turismo no país. Pudera: os inventores da pizza só perdem em tempo de permanência no Brasil para os portugueses, que ficam por aqui mais de três semanas, em geral, contra os 17 dias dos italianos.
Já quando o assunto é o que os gringos acharam do nosso habitat, 23% dos turistas que vieram a negócios disseram que a limpeza pública foi o que mais decepcionou, mas em compensação, 98,2% disseram que estavam muito satisfeitos com a nossa hospitalidade: Somos imundos, mas educados. Por isso mesmo 95,9% dos turistas que vieram passear disseram que pretendiam voltar ao país, o que outro dado preocupa: se eles fossem voltar apenas pela nossa cultura, por exemplo, eles não se interessam tanto: apenas 5,4% dos turistas de veraneio e 4,2% de negócios acham que o maior motivo para nos visitar seria este, bem menos que as belezas naturais para 39,3% e os 45,2% da nossa hospitalidade, respectivamente.
Afinal
Você se lembra das três palavras que deram início a essa reportagem? A nossa pergunta foi exatamente o que veio à sua cabeça ao lê-las, não é mesmo? Se para você as guerras, falta de água e sobra de liberdade podem resumir esses locais saiba que por mais que estas já sejam imagens padrões desses lugares, o berço de inúmeras civilizações se deu bem no lugar onde hoje você acha que será o túmulo de muitas delas. No continente em que você supõe que a vida entre dunas não tem perspectiva alguma, estão os animais mais poderosos da terra. E no lugar que em sua opinião é liberal demais, o governo tem dado exemplos que são copiados por inúmeros países europeus.
O que conclusivamente mostra o que o dicionário já conta: estereótipo é aquilo que não muda, que se torna fixo diante de idéias, muitas vezes pré-concebidas. Se for justo ou não com cada um dos países que os carrega, isso é um assunto que só quem vive em cada um deles pode responder. Se somos conhecidos pelo futebol Carnaval e samba, nada mais interessante do que tirarmos o lado positivo de tudo isso e saber criar cada vez mais reconhecimentos à nossa pátria. Se o mundo gosta de nós ou não, vamos fazê-los dançar um bom samba.