quinta-feira, 6 de novembro de 2008

A questão

Luis Fernando Veríssimo

É difícil imaginar um negro como Barack Obama sendo eleito presidente _ do Brasil. Dos Estados Unidos talvez. Lá, um negro já chegou a ser secretário de Estado e foi substituído no cargo por uma negra. Desculpe: afro-descendente. Pelo menos não escrevi "um negão como Barack Obama", ou, para mostrar que não sou racista, "um negrinho". A diferença entre um país e outro é essa. Lá, o racismo é uma questão nacional. Aqui, a ficção de integração dilui a questão racial. E se a questão não existe, se ninguém é racista, por que nós nos preocupamos com denominações corretas ou incorretas? Só quando a ficação é desafiada, como no caso das cotas universitárias, é que aparece o apartheid que não se reconhece.

Um dos marcos das relações raciais nos Estados Unidos não foi a primeira vez em que um negro interpretou um herói no cinema, provavelmente o Sidney Poitier. Nem a primeira vez em que um negro e uma branca, ou vice-versa, namoraram na tela. Foi a primiera vez em que um negro foi o vilão do filme. Colin Powell e Condoleezza Rice, que chegaram a secretários de Estado, e o próprio Obama, devem as suas carreiras a esse vilão histórico, que significou o fim dos esteriótipos e a aceitação, sem melindres, de que negro também pode ser ruim, igual a branco. Se a cor da pela não determinava mais que ele fosse sempre retratado como um inferior virtuoso ou uma vítima, também não o descriminava de outras maneiras. Powell e Rice levaram essa reversão de esteriótipos ainda mais longe. Os dois são do partido republicano. Como Clarence Thomas, único juíz negro da Suprema Corte americana, que também é um dos seus membros mais conservadores.(...)

Obama será o candidato dos democratas? Então comparando sua campanha com a de Bob Kennedy, pelo entusiasmo que provoca numa faixa de idade que não se interessava tanto por política desde a mobilização contra a guerra do Vietnã. Li que 40 por cento dos americanos que podem votar este ano nunca conheceram outro presidente que não fosse um Bush ou o Clinton, e Hillary seria outro Clinton nessa dança de dinastias. Assim Obama seria uma novidade em mais do que o sentido racial. Como se precisassem outros.(...)




Veríssimo, Luis Fernando; O Mundo é Bárbaro e o que nós temos a ver com isso. Editora Objetiva, páginas 79 e 80.