sábado, 10 de outubro de 2009

Uma luta contra a agressão

Uma luta contra a agressão
Dia 10 de outubro; Dia Nacional de Luta contra a Violência à Mulher

Por Romullo Assis,
romullo.assis@jeinforma.com
do JE no Rio de Janeiro

"Calcula-se em seiscentos o número de mulheres soldados que combateram na Guerra da Secessão. Alistaram-se travestidas de homem. Hollywood deixou passar batido todo um aspecto da História cultural – ou será que esse aspecto incomoda muito do ponto de vista ideológico? Os livros de História sempre tiveram dificuldade em falar das mulheres que não respeitam os padrões de gênero (...). No entanto, da Antiguidade aos tempos modernos, a História é fértil em relatos protagonizados por guerreiras – as amazonas. Os exemplos mais conhecidos constam nos livros de História em que essas mulheres tem o estatuto de “rainhas”, ou seja, de representantes da classe no poder. Com efeito, a sucessão política regularmente coloca uma mulher no trono, por mais desagradável que essa verdade soe. Sendo as guerras insensíveis ao gênero e ocorrendo até mesmo quando uma mulher dirige o país, o resultado é que os livros de História são obrigados a registrar certo número de rainhas guerreiras levadas, consequentemente, a se comportar como qualquer Churchill, Stálin ou Roosevelt. Semíramis de Nínive, fundadora do Império Assírio, e Boadiceia, que liderou uma das mais sangrentas revoltas contra os romanos, são dois exemplos. Esta última, aliás, tem uma estátua à margem do Tâmisa, em frente ao Big Ben. Não deixemos de cumprimentá-la caso estejamos passando por ali.

Em compensação, os livros de História são em geral, bastante discretos sobre as guerreiras que atuaram como simples soldados, exercitando-se no manejo das armas, integrando os regimentos e participando das batalhas contra exércitos inimigos. Essas mulheres, contudo, sempre existiram. Praticamente nenhuma guerra foi travada sem alguma participação feminina."
Larsson, Stieg. A rainha do castelo de ar, p. 8, São Paulo, Companhia das Letras, 2009.

Em 1983, Maria da Penha, uma biofarmacêutica cearense, levou um tiro nas costas enquanto dormia. Ao mesmo tempo em que o marido, Marco Antônio Herredia, gritava por socorro alegando que assaltantes tinham feito aquilo, os médicos concluíram que Maria nunca mais voltaria a andar. O autor do crime se revelou quando Marco Antônio pela segunda vez tentou assassiná-la, empurrando-a da cadeira de rodas e tentando eletrocutá-la no chuveiro.

Apesar da investigação ter começado em junho do mesmo ano, a denúncia só foi apresentada ao Ministério Público Estadual em setembro do ano seguinte e o primeiro julgamento só aconteceu 8 anos após os crimes. Em 1991, os advogados de Viveros conseguiram anular o julgamento. Já em 1996, Viveros foi julgado culpado e condenado há dez anos de reclusão mas recorreu.

Mesmo após 15 anos de luta e pressões internacionais, a justiça brasileira ainda não havia dado decisão ao caso, nem justificativa para a demora. Com a ajuda de ONGs, Maria da Penha conseguiu enviar o caso para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA), que, pela primeira vez, acatou uma denúncia de violência doméstica. Viveiro só foi preso em 2002, para cumprir apenas dois anos de prisão.

O processo da OEA também condenou o Brasil por negligência e omissão em relação à violência doméstica. E recomendou que fosse criada uma legislação adequada a esse tipo de violência. Em setembro de 2006, a lei 11.340/06 finalmente entra em vigor, ganhando o nome daquela que batalhou anos a fio e deu voz a milhares de mulheres agredidas no Brasil.

Segundo a Lei Maria da Penha, são considerados tipos de violência à mulher: a violência física que compreende qualquer conduta que ofenda sua saúde corporal; a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades e a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

Muitas pessoas desconhecem essas definições e várias são as mulheres agredidas sem ao menos saberem que estão protegidas por uma lei, além de um conjunto de moral e ética esquecidos pela sociedade. Em 50% dos casos de violência sexual, por exemplo, as vítimas são menores de 18 anos; uma em cada cinco brasileiras declara (segundo pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo) ter sofrido violência por parte de um homem e a cada 15 segundos, uma mulher é espancada por um homem no Brasil.

Tais dados são alarmantes e mesmo com a legislação que as protege, muitas não denunciam o agressor. Segundo Marta Carvalho, da ONG Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, o problema não é as mulheres se calarem, mas quem as escuta:

- Há poucos equipamentos (serviços) para esta escuta. Poucas Delegacias da Mulher. Então, o problema acaba ficando para elas. Ou para amigas íntimas. Mas isso não resolve o problema. É necessário denunciar, buscar ajuda e apoio na Lei Maria da Penha. O percentual de denúncia é apenas uma cortina de fumaça. Não há notificação adequada nos postos de saúde, e as delegacias, infelizmente, nos finais de semana não registram e aconselham a mulher a voltar para casa.

Para Marta, a classe social não é um fator dominante na relação com a quantidade de casos de agressão, mas ela diz respeito, principalmente a compreensão do ato.

- O que acontece em distintas camadas é o grau de percepção, de resolutividade e de distinguir violência contra mulher da violência social e urbana. Ou seja, a violência é um fenômeno complexo, de várias matizes, de largo alcance e que infelizmente na classe desfavorecida isto se junta com tantas outras violências. Lógico que a classe desfavorecida tem menos meios para a superação, porém, é nas outras classes a que o problema se torna crônico uma vez que há todo o tipo de preconceito em se dizer violentada e assumir uma busca de solução pelos problemas.

Dia 10 de outubro é Dia Nacional de Luta contra a Violência à Mulher. Mais do que merecida, essa data soma mais uma às muitas alertas feitas a população. Segundo a Constituição Federal e a Carta dos Direitos Humanos, homens e mulheres têm direitos iguais. E em momento algum da História Antiga (como citado no início do artigo) elas estiveram em posição inferior: sempre foram respeitadas por serem indispensáveis à vida, à sociedade, ao homem e pela força e dedicação sem igual em todas as batalhas travadas diariamente na humanidade. O homem de hoje deveria se espelhar neste exemplo.