quarta-feira, 8 de novembro de 2006

Uma professora em Timor



Em março de 2005, depois de ser selecionada pelo Ministério da Educação entre mais de 13 mil candidatos, a professora Maria Inês Amarante embarcou para o Timor-Leste para atuar em um projeto de cooperação internacional A educadora fala da sua experiência e, do contato com a população local.


Por Dauro Veras – JE FLORIANÓPOLIS


Dauro - Que motivos a levaram a decidir dar aulas em Timor Leste?

Maria Inês Amarante - Foi uma conjunção de fatores. Primeiro, eu estava com saudades de meus trabalhos sociais. Vivi na Bélgica e na França muito tempo e, em 1996, depois de preparar-me para um trabalho de cooperação para o desenvolvimento, voltei ao Brasil. Passei seis anos no Ceará atuando na periferia de Fortaleza como Voluntária Internacional. Depois, decidi ficar em São Paulo para cursar o Mestrado e aprofundar o estudo de um desses projetos do Nordeste. Quando concluí, em 2004, só vi perspectivas restritas de trabalho como professora no sistema superior privado. Senti-me desvalorizada como educadora. Percebi que em muitas dessas faculdades, a palavra "comunidade" só existe em função de uma "inserção do aluno no mercado de trabalho". Para mim foi decepcionante



Dauro - Como foi a chegada ao país?

Maria Inês Amarante-Fiz parte do segundo grupo de professores que partiram dia 30 de março, Chegamos lá no dia 2 de abril, após três dias de viagem. Foi muito difícil a chegança: a falta de um referencial urbano, grande miséria do povo, as valas abertas, a falta de água potável, insetos em profusão, a língua estranha, a paisagem seca, as casas destruídas, tudo isso que imaginava ver por lá, mas que é muito duro de conviver. Só que quando a gente se vê trabalhando para melhorar alguma coisa, não pensa mais nos riscos que corre, tenta tirar o melhor proveito de tudo. O povo timorense é extremamente educado e carinhoso, pronto a reconhecer o nosso esforço. Foi o que fiz nos onze meses em que vivi em Dili. Fui conhecer o outro lado da ilha – o território indonésio que ninguém chama de Timor-Oeste – do qual tínhamos péssimas impressões. Isso foi importante porque, de certa forma, desmistifiquei a imagem de uma terra inóspita. Conheci também por lá timorenses que, por algum motivo, se exilaram e não puderam mais voltar, indonésios educados e prestativos, gente que me emocionou. Há muita arte e cultura lá também, como em Timor-Leste.



Dauro - Quais são as lembranças mais marcantes que você guarda de lá?

Maria Inês Amarante- Ah! Sem dúvida, as mais felizes foram de meus momentos com os professores de alfabetização, com as meninas e meninos do grupo MAC – criançasunidas, com os jovens artistas plásticos Com os professores, tive trocas memoráveis. Me fizeram sentir muito bem-vinda durante as capacitações. Todos são idealistas e lutam contra o que chamam de "obscurantismo", que para eles é não saber ler nem escrever. Dos jovens artistas, nem falo porque a saudade é grande. Acompanhamos por um mês de preparação da exposição o dia-a-dia deles e nos deslumbramos com tanto talento! Tornamos-nos "colegas", palavra que para os timorenses define laços de amizade e muita proximidade.



Dauro - Que papel as rádios comunitárias podem ter na educação dos timorenses?

Maria Inês Amarante- Pensamos em trabalhar o ensino de língua portuguesa pelo rádio, que cobre todo o território nacional e ainda não é muito usado para esta finalidade Para você ter uma idéia, 80% da população está concentrada na zona rural e nas cidades apenas 20%. E capital é sempre o lugar das novidades, de gente estrangeira que chega para trabalhar. No país todo, somente 30% das casas têm um aparelho de rádio e 10% possuem televisão, é bem pouco como recepção. Não existe uma indústria cultural em Timor-Leste. A rede de televisão não cobre todo o território – e mesmo que cobrisse, a população não teria condições de comprar aparelhos - e passa boa parte do tempo sem eletricidade. Eles recebem muitos produtos pirateados. Visitei uma dessas rádios comunitárias, a Rádio Café, no Distrito de Ermera e percebi uma grande participação da juventude na programação. A língua portuguesa foi a língua da resistência, dos bilhetes trocados por guerrilheiros com seus companheiros, suas famílias e sua base, das cartas de longos exílios, das orações e promessas. Mesmo sendo tão pouco falado pela população, o português, como afirmou o ex-Ministro da Defesa, Roque Rodrigues, é "a alma do tétum”, que é língua materna de 40% da população, mas que não era língua escrita, não tinha gramática. E os timorenses têm um carinho todo especial por nós, adoram nossas canções dos anos 1970, como se o tempo tivesse parado para eles. E cantam lindamente com vozes melodiosas. É uma emoção só.

Esta entrevista foi concedida pelo Instituto Observatório Social, e está na integra no endereço. www.observatoriosocial.org.br