segunda-feira, 16 de abril de 2007


Até que ponto um Papa precisa de popularidade?



Textos de Fernando Galacine, em São Paulo e Mirah Dariz, em Roma.


Ele fala dez línguas com a tranqüilidade de quem parece dizer um simples bom dia. Teólogo respeitado internacionalmente é autor de uma dezena de livros e na pausa entre um e outro se entretém tocando Beethoven. Outro dia, este mesmo senhor assinou um documento que não só condenava, mas como também dava ao tão comum divórcio status de “praga da sociedade”. O nome dele? Joseph Ratzinger. Idade? Oitenta anos, quase trinta deles só vividos no Vaticano e a exatos dois também atende por Bento XVI, ou melhor, Papa Bento XVI.Para uma sociedade que anda cada vez mais moderninha pode soar no mínimo incompreensível um senhor, mesmo que de cabelos brancos, dizer, em pleno século XXI, que não defende o uso da camisinha, que é contra o ingresso de mulheres na ordenação religiosa, que quer a volta das missas quase enigmáticas em latim, e por último, como já dissemos, sujeitar os divorciados a ficarem quase na porta do purgatório. E isso se complica ainda mais quando declarações como estas são atribuídas a um octogenário filosófico e tão bom pianista, que acaba nada se assemelhando com uma vertente tão dura que ele acaba vestindo como o Santo Padre alemão.


Água benta no Bento

Mas o que é uma vertente dura? O que pode ser considerado uma posição séria demais a ponto de ultrapassar até mesmo os limites da própria ponderação da Igreja? Bento XVI realmente é o vilão da vida moderna, ou fomos nós que nos tornamos modernos demais a ponto de deixar para trás algum princípio? Para o professor de sociologia da religião da Universidade de São Paulo, a USP, Lísias Nogueira Negrão, a resposta dessa última pergunta pode ficar no meio termo: para Nogueira, a Igreja sempre teve tais posições, excomungar divorciados, por exemplo, não é uma coisa que começou ontem. “O Papa está reafirmando uma posição secular da Igreja, mas veja bem: secular. Apesar do divórcio não existir nem há cem anos, o fato de não manter uma família após o matrimônio, e ser julgado e retirado da Igreja já existia. Não foi ele quem criou ou condenou isso, embora concorde com tais punições a quem realiza.” Afirma o professor.

Comparação difícil

Você pode querer discordar do exemplo a seguir utilizando a tão famosa expressão “depois que morre vira santo”, mas isso definitivamente não se encaixaria nesse caso. O fato é que o antecessor de Bento XVI, o Papa João Paulo II, sempre teve status de verdadeiro herói das minorias e de conciliador dos povos e nações, isso ainda em vida, o que aumentou muito mais após a sua morte em Abril de 2005. Mas você deve estar se perguntando: o que isso tem a ver com Bento XVI? Tem a ver e muito: o grau de comparação de um papado com outro é um dos principais pontos para entender o desfecho da pergunta ali do parágrafo de cima. Afinal, se o divórcio é um problema secular da Igreja e a sua posição não só a esse, mas a todos os outros assuntos ligados à modernidade, então é de supor que essas posições também eram presentes no papado de Karol Wojtyla. Pois é: estavam. Mas então por que os dois papas são vistos de maneiras quase opostas para boa parte dos não católicos e da mídia? Continuando a conversa com o professor Lísias, que estuda exatamente como a religião é percebida junto à população, essa imagem um tanto mais dura de Bento XVI tem duas probabilidades nesse sentido. A primeira é a imagem de revolucionário que o Papa João Paulo II sempre teve. “João Paulo II foi o primeiro para muitas coisas, criou marcas próprias na maneira de falar e de se comportar, que eram bem aceitas por todos, o fato de beijar a terra em que descia em suas várias viagens e estas geralmente com motivos, senão para visitar fiéis, para pedir desculpas em nome da Igreja para as tantas outras religiões oprimidas por ela, despertava respeito em todos.” diz Nogueira. Diante disso, segundo o professor, é como se você já tivesse um “padrão” do que seja um papa. E motivos para isso você tem: João Paulo II ficou no poder por 26 anos. Quase metade da população brasileira só viu João Paulo II e Bento VXI celebrar missas na varanda da Catedral de São Pedro. Por falta de sorte ou não, o antecessor de Bento XVI foi simplesmente o papa mais popular da história. Mas calma, ainda temos o segundo fato sobre a nossa questão.

Opostamente iguais

O Papa João Paulo II era uma pessoa muito admirada no Vaticano, mas em especial havia um cardeal que sempre era visto conversando com o pontífice, era o cardeal Ratzinger. Velho amigo do Papa, Ratzinger tinha muita afinação com as questões ortodoxas que o seu amigo papa também defendia, e por isso mesmo muitas das decisões que por ventura tivesse que tomar, o Papa João Paulo II sempre de uma maneira informal ou não costumava ouvir o que Ratzinger tinha para lhe dizer sobre determinado assunto. Tanto que nos últimos anos de pontificado, as más línguas do Vaticano diziam que não era mais João Paulo II que governava, pelo menos não sozinho com era de se esperar. Mesmo assim, segundo o professor Nogueira, a questão de parte dos fiéis não ver com bons olhos algumas declarações de Bento XVI, as mesmas que João Paulo II também defendia, está na simples maneira de se expressar. “Bento VXI usa palavras, comparações e soluções, para ele um tanto práticas de vida, que não vê que isso pode chocar a maioria das pessoas, que como eu disse já estavam acostumadas com a serenidade de João Paulo II” serenidade que não significa olhos fechados, reitera o professor: “João Paulo II era sereno sim, mas estava longe de ser omisso com suas obrigações de papado, pelo contrário, era atuante na área política, principalmente contra comunismo na sua terra natal, a Polônia e questões árabes e israelenses, além de centralizar não só católicos mas boa parte de outras religiões para o convívio em equilíbrio.” Usando termos que às vezes podem chocar fiéis ou torcer narizes de toda uma sociedade, Bento XVI não estaria afastando fiéis?


Até que ponto um papa precisa de popularidade?


“A não ser que tenha algum projeto específico para isso, um papa não precisa de popularidade alguma” afirma o professor Nogueira.


Você pode achar estranha essa afirmação, mas em parte, o professor tem toda a razão. Afinal, não há uma eleição, digamos democrática, para se escolher um novo papa. O trabalho fica com o Colégio de Cardeais, que durante o Conclave acaba decidindo quem irá ou não receber o título de Sumo Pontífice. Mas mesmo assim, você pode imaginar, tem que haver certa popularidade dos papáveis com os cardeais, não é mesmo? Para os católicos mais fervorosos a resposta é não, e por um motivo bem simples: papa que é papa é escolhido por Deus e não pelos homens. O trabalho dos cardeais é apenas receber uma reposta divina após horas ou dias de reclusão e orações, sobre quem está mais apto a receber a dádiva de ser o Servo dos servos do Senhor, como também pode ser denominado um papa. Portanto a popularidade é coisa que não é das mais importantes para o chefe da Igreja Católica Apostólica Romana.


Mas ainda, como somos curiosos, você poderá questionar: um dos alicerces da religião não é justamente os seus fiéis? O professor Lísias Nogueira, continuando a entrevista diz: “ Isso pode sim afastar um e outro fiel, mas além dele já estar naturalmente afastado, existem outros fiéis que querem e precisam de regras, de normas, para poderem seguir a sua vida” e completa: “ É uma faca de dois gumes, se por um lado essas declarações afastam, por outro reaproximam os que já são católicos, mas que não tem um posição muito certa e gostam de alguém que lhes dê segurança para ditar as suas ações, o seu dia-a-dia” Você vai ler agora a reportagem feita pela nova correspondente do JE Informa na capital italiana, de lá ela nos conta como a proximidade com o centro católico e morada de Bento XVI, faz com que os romanos encarem questões do cotidiano e suas opiniões.


Por Mirah Dariz - JE ROMA


Conservadores e um tanto divergentes o povo italiano, mesmo morando no centro-sul europeu, está longe ser um país moderno quando o assunto é a religião ligada ao cotidiano aqui na Itália. Cenas de aversão ao homossexualismo, à camisinha e tudo mais que possa ser considerado até normal por outras nações européias, é comum nos arredores de Roma e conseqüentemente do Vaticano. O choque cultural entre brasileiros e italianos, não parece, mas é grande, sei porque como brasileira já presenciei olhares de espanto dos italianos ao saberem que é comum nós andarmos com uma camisinha na bolsa ou na carteira e também ouvi até comentários para lá de maldosos quando eles souberam que é prática comum o governo daí distribuir preservativos durante o Carnaval. Esses comentários são feitos por pessoas mais velhas ou propriamente idosas, e são essas mesmo, as mais “conservadoras”, que acabam se contrariando e não só vão a clubes de nudismo, prática comum para eles, como também fazem que temas nos programas sensacionalistas da TV italiana_ como a RAI, que além de se focarem no universo deles mostrando garotas quase sem roupa comentando notícias apenas da Itália, eles não se interessam por noticiários internacionais_ ganhem sucesso, principalmente quando o caso é bem apimentado como por exemplo o do Deputado transexual Vladmir Luxúria, que após ser expulso do banheiro masculino e do feminino obrigou o Parlamento a construir um terceiro sanitário para seu uso.



Opinião de um empresário importante em Roma com 70 anos – casado- 4 filhos.

“Desde que a mulher descobriu que existia pílula anticoncepcional ela se estragou, pois pensa que pode fazer tudo, ser livre e ninguém descobrir o que ela faz. Primeiro ela se dava ao respeito”.

Opinião de um engenheiro/empresário em Roma com 44 anos – divorciado – 1 filha.
“Nós italianos somos contra. preservativo significa liberdade, infidelidade. Sou também contra matrimonio gay, eles podem viver uma vida normal, mas não é necessário mostrar à sociedade seus gostos e vontades. Matrimonio gay, por quê? Convivam juntos sem modificar as leis da sociedade e da vida que é natural homem/mulher, sem inventarem um terceiro sexo, pois que vivam no anonimato. Se o caso for de casamento pra legalizar quem herda os bens, então que façam doação em vida pro companheiro e não perturbem o país que tem tantos problemas a revolver.”

Opinião de um fisioterapeuta brasileiro em Treviso- 47 anos. Divorciado/Convivente-1filha.
“Tenho amigos gays e são pessoas normais. Não è a sexualidade que muda o caráter de uma pessoa. Cada um vive sua maneira não importa a sexualidade, não perturbando os demais, todos vivem em harmonia. E sempre uso preservativo, mesmo com minha segunda mulher, pois é a maneira mais fácil de evitar problemas corriqueiros de doenças sexuais transmissíveis inofensivas.”



Mesmo enfrentando uma forte crise financeira, que aqui estão assemelhando com a da Argentina, e o dilema se apóiam ou não a base militar norte americana em Vicenza, e conseqüentemente fazem ou não a vontade de Bush, os italianos parecem que se deixam, e muito, influenciar pelo poder religioso que emana do Vaticano. O poder centralizado da Igreja, até mais forte que o do próprio governo, que se diz independente, além de atrasar o padrão de vida dos romanos, também faz com que a capital italiana quase pare no tempo: leis como regulamentar a velocidade nas estradas, o que existe há anos por aí, ou protestos contra imigrantes até mesmo liderados pelo ex- Primeiro Ministro Silvio Berlusconi, que sutilmente pregava uma anti-miscigenação com outros povos, lembrando outro europeu que não vou citar o nome, fazem da bela Itália um país em que a fachada acaba não condizendo com o interior da morada.

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Mas afinal

Se o Papa é ou não admirado no mundo todo, essa é uma questão particular, que cabe a cada um dar a melhor visão para respondê-la. Brincadeiras à parte feitas ao Papa, não podemos esquecer que ele é um símbolo de uma das maiores religiões do mundo. Se “XVI” está mais para o século em que Ratzinger deve viver do que para a própria linha seqüencial dos Bentos, ou se Ratzinger é um senhor tenro e conciliador como o nome que escolheu para simbolizar o papado , essa também é uma pergunta que não tem uma única resposta, nem tem uma única vertente. Vertentes dele que fosse qual fossem, serviriam para tantas outras.