Elas são católicas, mas vão contra a uma das mais polêmicas questões defendidas pela Igreja: o aborto. A socióloga e coordenadora de comunicação da ONG Católicas Pelo Direito de Decidir, Dulce Xavier, conta como é a defesa de uma idéia que a religião condena.
Bate papo concedido ao editor Fernando Galacine
J E - O aborto é encarado pela sociedade como um ato contra a vida, mais do que um direito da mulher. Isso se deve a quê?
Isso faz parte de um pensamento judaico cristão, que tem na mulher um modelo de mãe, não de uma mulher ligada à sexualidade. A maternidade sempre foi pregada como o objetivo de vida para uma mulher. A idéia dela deixar esse sonho, o de não se tornar mãe, ainda causa estranhamento hoje em dia. Isso é quase um simbolismo, como o de Maria que foi mãe, mas virgem, ou seja, que não entrou no mundo sexual, que negou a sexualidade para se tornar única e exclusivamente mãe. Isso faz a sociedade negar o direito da mulher em não querer ser mãe.
J E - Você deu o exemplo de Maria, porque justamente são católicas. Ir contra a Igreja num assunto tão delicado não estremece um pouco a relação com a religião em si?
Não, nenhum pouco. Sou católica, eu me considero católica porque fui batizada e cresci seguindo essa religião e não pretendo deixá-la porque discordo de um ponto que a Igreja oficialmente defende. Defender o aborto não faz de mim uma não católica: faz de mim uma católica que vê no aborto uma injustiça social e quer ter o direito de escolher legalmente se quer fazê-lo ou não.
J E - Mas a Igreja as consideram católicas?
Não tem porque não considerar. A ONG tem a mesma filosofia que a Teoria da Libertação. Existem padres casados que ainda fazem parte da Igreja...
J E - Mas que não são reconhecidos pelo Vaticano, não é mesmo?
Sim, mas no nosso caso é diferente. O aborto não é um dogma da Igreja. Onde se deixa uma dúvida a respeito de um assunto há liberdade para julgá-lo como é conveniente, de acordo com os seus critérios. Onde há dúvida, há liberdade para fazê-lo.
J E - O aborto deve ser encarado de que forma para a sociedade?
Como um problema de saúde pública. A cada 15 segundos há um tipo de violência contra a mulher, dentre até as feitas pelo próprio parceiro. O aborto é a possibilidade de ela interromper essa gravidez não só por esses meios, é a possibilidade dela fazer isso em um meio seguro. Muitas mulheres morrem por causa dessa proibição, porque fazem esse procedimento de forma desumana. Um caso de dengue, por exemplo, não é resolvido pelo Ministério da saúde? Porque não considerar o aborto, onde morrem muito mais pessoas, num caso a ser resolvido também pelos órgãos de saúde? Ninguém que fazer um aborto, passar por essa experiência, mas quando a mulher, e somente a mulher, achar que é sim necessário fazer um aborto, ela deve ter o direito de ser bem atendida num posto de saúde.
J E - Você tocou no assunto “achar necessário”. Um dos principais motivos para defender o aborto era a anencefalia. A bebê Marcela, que apesar de ser um caso raro, está viva há quase seis meses, sendo anencéfala. Isso faz com que caia por terra esse conceito?
Isso só faz crescer o direito da mulher. Na mesma cidade onde a Marcela nasceu outra mulher que teria um filho anencéfalo optou por dar fim à gestação. A mãe da marcela, mesmo sabendo que as chances disso acontecer são de 1% ou menos optou por tê-la. Queremos isso: se a mulher se sente preparada para levar a gestação até o final, ela tem esse direito, se não, ele também deve ter o mesmo direito para interromper a gestação.
J E - A legalização do aborto pode trazer conseqüências fora desse ciclo, como disse um estudo nos Estados Unidos que a descriminalização do aborto foi uma das causas para combater a violência por lá?
Não, o aborto não é uma solução social, não pelo menos numa questão para esse fim. Pobreza não é excesso de filhos, pobreza é má distribuição de renda e isso nada tem a ver com a descriminalização do aborto. O aborto também é diferente de controle de natalidade. Somos a favor que os métodos anticoncepcionais sejam usados sempre quando puderam, mas em último caso o aborto deve estar acessível de maneira legal e com atendimento de qualidade.
J E - O aborto é encarado pela sociedade como um ato contra a vida, mais do que um direito da mulher. Isso se deve a quê?
Isso faz parte de um pensamento judaico cristão, que tem na mulher um modelo de mãe, não de uma mulher ligada à sexualidade. A maternidade sempre foi pregada como o objetivo de vida para uma mulher. A idéia dela deixar esse sonho, o de não se tornar mãe, ainda causa estranhamento hoje em dia. Isso é quase um simbolismo, como o de Maria que foi mãe, mas virgem, ou seja, que não entrou no mundo sexual, que negou a sexualidade para se tornar única e exclusivamente mãe. Isso faz a sociedade negar o direito da mulher em não querer ser mãe.
J E - Você deu o exemplo de Maria, porque justamente são católicas. Ir contra a Igreja num assunto tão delicado não estremece um pouco a relação com a religião em si?
Não, nenhum pouco. Sou católica, eu me considero católica porque fui batizada e cresci seguindo essa religião e não pretendo deixá-la porque discordo de um ponto que a Igreja oficialmente defende. Defender o aborto não faz de mim uma não católica: faz de mim uma católica que vê no aborto uma injustiça social e quer ter o direito de escolher legalmente se quer fazê-lo ou não.
J E - Mas a Igreja as consideram católicas?
Não tem porque não considerar. A ONG tem a mesma filosofia que a Teoria da Libertação. Existem padres casados que ainda fazem parte da Igreja...
J E - Mas que não são reconhecidos pelo Vaticano, não é mesmo?
Sim, mas no nosso caso é diferente. O aborto não é um dogma da Igreja. Onde se deixa uma dúvida a respeito de um assunto há liberdade para julgá-lo como é conveniente, de acordo com os seus critérios. Onde há dúvida, há liberdade para fazê-lo.
J E - O aborto deve ser encarado de que forma para a sociedade?
Como um problema de saúde pública. A cada 15 segundos há um tipo de violência contra a mulher, dentre até as feitas pelo próprio parceiro. O aborto é a possibilidade de ela interromper essa gravidez não só por esses meios, é a possibilidade dela fazer isso em um meio seguro. Muitas mulheres morrem por causa dessa proibição, porque fazem esse procedimento de forma desumana. Um caso de dengue, por exemplo, não é resolvido pelo Ministério da saúde? Porque não considerar o aborto, onde morrem muito mais pessoas, num caso a ser resolvido também pelos órgãos de saúde? Ninguém que fazer um aborto, passar por essa experiência, mas quando a mulher, e somente a mulher, achar que é sim necessário fazer um aborto, ela deve ter o direito de ser bem atendida num posto de saúde.
J E - Você tocou no assunto “achar necessário”. Um dos principais motivos para defender o aborto era a anencefalia. A bebê Marcela, que apesar de ser um caso raro, está viva há quase seis meses, sendo anencéfala. Isso faz com que caia por terra esse conceito?
Isso só faz crescer o direito da mulher. Na mesma cidade onde a Marcela nasceu outra mulher que teria um filho anencéfalo optou por dar fim à gestação. A mãe da marcela, mesmo sabendo que as chances disso acontecer são de 1% ou menos optou por tê-la. Queremos isso: se a mulher se sente preparada para levar a gestação até o final, ela tem esse direito, se não, ele também deve ter o mesmo direito para interromper a gestação.
J E - A legalização do aborto pode trazer conseqüências fora desse ciclo, como disse um estudo nos Estados Unidos que a descriminalização do aborto foi uma das causas para combater a violência por lá?
Não, o aborto não é uma solução social, não pelo menos numa questão para esse fim. Pobreza não é excesso de filhos, pobreza é má distribuição de renda e isso nada tem a ver com a descriminalização do aborto. O aborto também é diferente de controle de natalidade. Somos a favor que os métodos anticoncepcionais sejam usados sempre quando puderam, mas em último caso o aborto deve estar acessível de maneira legal e com atendimento de qualidade.