Por Malu Fontes
Enquanto o mosquito da dengue voa cada vez mais célere sobre o Rio de Janeiro, alastrando uma epidemia devastadora a uma velocidade incontrolável, o prefeito da cidade, César Maia (DEM), achou por bem tirar um dia de folga e voar para a Bahia. Veio, na quinta-feira, participar do lançamento oficial da candidatura do seu partido à Prefeitura de Salvador, ou seja, a de ACM Neto. Apareceu serelepe no noticiário televisivo e, como todo bom modelito de político midiático, sua expressão em nada demonstrava o ar circunspecto que o povo ainda espera de quem está com uma bomba nas mãos e muito longe de uma solução para desativá-la. Nesse caso, é bom lembrar que a bomba há muito começou a estourar e está matando como jamais se imaginou que ainda fosse possível no Século XXI, afinal, nessa história, o elemento que a deflagra é tão somente um mosquito.
Em entrevista na véspera da viagem para Salvador, Maia afirmou que o aspecto significativo na ocorrência da dengue no Rio (um prefeito alfabetizado midiaticamente sabe que é proibido pronunciar a palavra epidemia quando o foco da doença é o município que ele administra) não é o volume em que está ocorrendo, pois, segundo ele, todos sabem que o Brasil é um país tropical que convive com a dengue há mais de 100 anos, etc. e tal. Se isso não é a minimização no grau máximo de uma tragédia literal, que nome dar senão eufemismo cínico?
O MOSQUITO É FEDERAL? - Para o prefeito do Rio, o problema está não nos números, mas no fato de se tratar de novas tipologias do vírus da doença, o tipo 2 e o tipo 3, diante dos quais boa parte dos adultos e todas as crianças não estão imunizadas. O resto do país vê pela TV a epidemia no Rio e seus números letais e bota as barbas de molho. A possibilidade de que qualquer outra grande metrópole do País não vai experimentar o mesmo problema só depende mesmo da sorte e dos mosquitos. As autoridades, que já tiveram tempo de sobra para desenvolver políticas públicas e estratégias para enfrentá-los, preferem bater-boca na tela da TV.
Durante toda a semana, o que se viu, com algumas variações, foram cenas nas quais o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, o governador do Estado do Rio, Sérgio Cabral, e o prefeito César Maia trocavam farpas entre si, com os dois primeiros elegendo o terceiro como alvo. A discussão é reles, de quinta categoria e tem girado em torno de um questionamento no mínimo pitoresco: o mosquito da dengue é federal, estadual ou municipal? Enquanto os três formulam questões semelhantes a essa, buscando, assim, tirar cada um o seu da reta, a população já tem a resposta. O mosquito tornou-se, por omissão das três instâncias, um bicho doméstico.
MESMO FERMENTO - O prefeito acusa o Estado e o Ministério da Saúde de retenção de informação e de recursos e ambos acusam Maia de ter negligenciado em ações preventivas que poderiam ter impedido a epidemia. Com tendas das Forças Armadas transformadas em ambulatórios de hidratação espalhadas pela cidade, Maia sofre mesmo é com medo que essas imagens sejam usadas contra ele, na propaganda eleitoral das eleições municipais que já batem à porta. Como se sabe, em política uma imagem ainda vale muito e pode custar uma vitória ou uma derrota. Nesse contexto, nada pior que a imagem de uma cidade que é cartão postal no mundo com cara de acampamento de assistência às vítimas de uma guerra na qual, até aqui, o vencedor é um mosquito. Mas políticos são bichos de sorte e entre a epidemia e a eleição haverá um amortecedor e tanto: as Olimpíadas de Pequim. Quando outubro chegar, para sorte de César Maia, Sérgio Cabral e seus respectivos candidatos à Prefeitura do Rio, às imagens do mosquito e do drama dos cariocas nas portas dos hospitais ou inertes embaixo de tendas se sobreporá uma saraivada de imagens dos atletas brasileiros, da Bandeira do Brasil e o som dos acordes do Hino Nacional.
No noticiário da semana, a cobertura televisiva sobre a epidemia de dengue no Rio só perdeu em extensão para os desdobramentos e repercussões das maldades cometidas pela goiana Sílvia Calabresi, o inaceitável silêncio e a inacreditável cegueira e conivência de tanta gente que privava da circulação e convivência no apartamento onde as torturas à menina-escrava ocorriam. Embora aparentemente os dois assuntos façam parte de esferas absolutamente distintas da condição humana, eles têm em comum um mesmo fermento: a omissão. A diferença é de escala. Um trata-se de omissão por parte dos poderes públicos e outro de uma omissão pactuada na esfera de uma vida privada.
Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA. Texto publicado em 30 de março de 2008. maluzes@gmail.com
Enquanto o mosquito da dengue voa cada vez mais célere sobre o Rio de Janeiro, alastrando uma epidemia devastadora a uma velocidade incontrolável, o prefeito da cidade, César Maia (DEM), achou por bem tirar um dia de folga e voar para a Bahia. Veio, na quinta-feira, participar do lançamento oficial da candidatura do seu partido à Prefeitura de Salvador, ou seja, a de ACM Neto. Apareceu serelepe no noticiário televisivo e, como todo bom modelito de político midiático, sua expressão em nada demonstrava o ar circunspecto que o povo ainda espera de quem está com uma bomba nas mãos e muito longe de uma solução para desativá-la. Nesse caso, é bom lembrar que a bomba há muito começou a estourar e está matando como jamais se imaginou que ainda fosse possível no Século XXI, afinal, nessa história, o elemento que a deflagra é tão somente um mosquito.
Em entrevista na véspera da viagem para Salvador, Maia afirmou que o aspecto significativo na ocorrência da dengue no Rio (um prefeito alfabetizado midiaticamente sabe que é proibido pronunciar a palavra epidemia quando o foco da doença é o município que ele administra) não é o volume em que está ocorrendo, pois, segundo ele, todos sabem que o Brasil é um país tropical que convive com a dengue há mais de 100 anos, etc. e tal. Se isso não é a minimização no grau máximo de uma tragédia literal, que nome dar senão eufemismo cínico?
O MOSQUITO É FEDERAL? - Para o prefeito do Rio, o problema está não nos números, mas no fato de se tratar de novas tipologias do vírus da doença, o tipo 2 e o tipo 3, diante dos quais boa parte dos adultos e todas as crianças não estão imunizadas. O resto do país vê pela TV a epidemia no Rio e seus números letais e bota as barbas de molho. A possibilidade de que qualquer outra grande metrópole do País não vai experimentar o mesmo problema só depende mesmo da sorte e dos mosquitos. As autoridades, que já tiveram tempo de sobra para desenvolver políticas públicas e estratégias para enfrentá-los, preferem bater-boca na tela da TV.
Durante toda a semana, o que se viu, com algumas variações, foram cenas nas quais o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, o governador do Estado do Rio, Sérgio Cabral, e o prefeito César Maia trocavam farpas entre si, com os dois primeiros elegendo o terceiro como alvo. A discussão é reles, de quinta categoria e tem girado em torno de um questionamento no mínimo pitoresco: o mosquito da dengue é federal, estadual ou municipal? Enquanto os três formulam questões semelhantes a essa, buscando, assim, tirar cada um o seu da reta, a população já tem a resposta. O mosquito tornou-se, por omissão das três instâncias, um bicho doméstico.
MESMO FERMENTO - O prefeito acusa o Estado e o Ministério da Saúde de retenção de informação e de recursos e ambos acusam Maia de ter negligenciado em ações preventivas que poderiam ter impedido a epidemia. Com tendas das Forças Armadas transformadas em ambulatórios de hidratação espalhadas pela cidade, Maia sofre mesmo é com medo que essas imagens sejam usadas contra ele, na propaganda eleitoral das eleições municipais que já batem à porta. Como se sabe, em política uma imagem ainda vale muito e pode custar uma vitória ou uma derrota. Nesse contexto, nada pior que a imagem de uma cidade que é cartão postal no mundo com cara de acampamento de assistência às vítimas de uma guerra na qual, até aqui, o vencedor é um mosquito. Mas políticos são bichos de sorte e entre a epidemia e a eleição haverá um amortecedor e tanto: as Olimpíadas de Pequim. Quando outubro chegar, para sorte de César Maia, Sérgio Cabral e seus respectivos candidatos à Prefeitura do Rio, às imagens do mosquito e do drama dos cariocas nas portas dos hospitais ou inertes embaixo de tendas se sobreporá uma saraivada de imagens dos atletas brasileiros, da Bandeira do Brasil e o som dos acordes do Hino Nacional.
No noticiário da semana, a cobertura televisiva sobre a epidemia de dengue no Rio só perdeu em extensão para os desdobramentos e repercussões das maldades cometidas pela goiana Sílvia Calabresi, o inaceitável silêncio e a inacreditável cegueira e conivência de tanta gente que privava da circulação e convivência no apartamento onde as torturas à menina-escrava ocorriam. Embora aparentemente os dois assuntos façam parte de esferas absolutamente distintas da condição humana, eles têm em comum um mesmo fermento: a omissão. A diferença é de escala. Um trata-se de omissão por parte dos poderes públicos e outro de uma omissão pactuada na esfera de uma vida privada.
Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA. Texto publicado em 30 de março de 2008. maluzes@gmail.com