Por Malu Fontes
Volta e meia as novelas inserem entre suas personagens um político corrupto, expressão, aliás, que no Brasil torna-se quase um aleijão estilístico da Língua, constituindo-se em uma redundância. A bola da vez é o deputado Romildo Rosa, interpretado pelo ator Mílton Gonçalves, no novelão global das oito, A Favorita. Rosa traz a corrupção no DNA e representa muito do que se vê diariamente na imprensa relacionado aos mares de lama da corrupção brasileira que despeja em ralos e bolsos privados rios de dinheiro, recursos que fazem muita falta quando não chegam aos setores sociais onde deveriam parar, como a saúde pública, a educação, a segurança pública, transportes de massa, só para ficar em alguns.
Nesses tempos politicamente corretos, é um milagre que até agora entidades não-governamentais ou até mesmo setores do Ministério Público não tenham esperneado e interpelado a Rede Globo ou o autor da novela, João Emanuel Carneiro, pelo fato de atores negros representarem na trama tipos tão degradantes: um parlamentar corrupto até a medula (Milton Gonçalves), uma perua performática e desocupada de cabelos alisadíssimos (Thaís Araújo) e um rapaz fraco, igualmente desocupado e alcoolista
(Fabrício Boliveira). Não tarda alguém que procura pelo em ovo aparecer afirmando o quanto tais papéis interpretados por um núcleo de negros traz prejuízos para as políticas afirmativas voltadas para os afro-descendentes.
Pois bem, enquanto Romildo Rosa triunfa como o mau caráter desonesto e ladrão de dinheiro público na ficção, eis que ressurge na tela da TV um personagem real há muito conhecido dos telespectadores dos telejornais e parecidíssimo com os tipos corruptos novelísticos: Celso Pitta, o ex-prefeito de São Paulo, que não precisou de mais do que um único mandato na maior e mais rica cidade brasileira para ser entronado na condição de um dos políticos brasileiros apontados como componentes do grupo dos maiores corruptos de todos os tempos. Como preservar a memória é sempre bom, vale não esquecer que a Bahia conquistou para sempre vagas inesquecíveis nesse mesmo nicho habitado por exemplares como Pitta, Paulo Maluf e companhia.
CRAHÁ DE LADRÃO- Em mais uma operação da Polícia Federal dessas que rendem manchetes durante uma semana e permitem que pobres e desempregados tenham a noção visual do que é fisicamente o volume de um milhão de reais em cédulas, aparece, de pijama de malha fria, Celso Pitta sendo preso às seis horas da manhã pela PF. Muito bem acompanhado, por sinal. A mesma operação que o prendeu tinha como protagonistas dois outros nomes de peso e alta envergadura econômica: o banqueiro mega-bilionário Daniel Dantas e o especulador financeiro libanês Naji Nahas, um velho personagem que nunca soube escolher direito qual editoria de jornais, revistas e telejornais prefere freqüentar.
De vez em quando Nahas aparece nas páginas de economia, depois nas colunas sociais, logo após em política, associado a tramóias. E volta e meia, como agora, entra triunfalmente na lama das páginas policiais, por atividades que atendem por termos como enriquecimento ilícito, formação de quadrilha, etc. Nahas nada tem de amador. Já quebrou nada menos que a Bolsa de Valores de São Paulo, por operações fraudulentas. Mas cadeia longa só para gente do naipe de Jerry Adriani, desnutrido, de pele tosquiada e que se entrar em uma shopping center certamente parecerá estar usando um crachá de ladrão aos olhos da segurança do local e dos freqüentadores. Já gente como Nahas é admirada, imitada, convidada para as mais altas festas do PIB brasileiro e até internacional. Ricos, endinheirados e bem nascidos dão um fígado para serem convidados para os casamentos nababescos de seus filhos, noticiados em detalhes surreais nos melhores jornais do país.
PROVINCIANO- Sobre Pitta, não custa nada associá-lo à expressão tiro no pé. Muito bem treinado nos desvãos da vida pública brasileira por Paulo Maluf, Pitta poderia ter representado para a população negra brasileira uma das maiores conquistas, ao ser eleito prefeito de São Paulo, uma das quatro cidades mais ricas e importantes do mundo. No entanto, o ex-prefeito só dá razões para lamentos. Mesmo após anos seguidos longe do executivo paulistano, resiste em abandonar a crônica policial brasileira, mantendo seu nome associado a escândalos, inclusive conjugais. Quem não lembra de sua ex-mulher, Nicéia Pitta, que denunciou seus esquemas em paraísos fiscais? Segundo a operação da PF, Pitta recebia, em espécie, cerca de 70 mil reais por semana de Nahas. Não era uma mesada de amigo, mas saques feitos pelo especulador libanês nas contas do ex-prefeito em paraísos fiscais onde foram parar dólares e dólares desviados dos cofres públicos de São Paulo durante o mandato. Perto de Pitta, o deputado Rosa de A Favorita é um santo provinciano com tentáculos restritos ao fictício município de Triunfo.
Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA. Texto publicado em 13 de julho de 2008. maluzes@gmail.com