sexta-feira, 1 de agosto de 2008

O abacaxi é meu

A acirrada disputa dos candidatos para administrar a falida prefeitura de Salvador gera desconfiança e deve redobrar a atenção do eleitor


Por Filipe Costa
Editor do JE em Salvador
com Samuel Barros


A eleição municipal de 2008, a primeira disputa municipal depois da morte de Antônio Carlos Magalhães, surpreendeu pelo número de candidatos em Salvador. Alianças inesperadas, brigas dentro dos partidos e ataques entre adversários prometem marcar uma das eleições mais agitadas de Salvador, nos últimos anos. O curioso é que o vencedor receberá como prêmio uma prefeitura com mais de R$1 bi em dívidas e com orçamento apertado. Em maio, o atual prefeito da cidade, João Henrique (PMDB), decretou estado de emergência na saúde e outras áreas como habitação e educação também andam cambaleantes.

A esquerda tradicional, acreditando não ter como perder com o apoio do presidente Lula e do governador do estado Jaques Wagner, rejeitou a idéia de apoiar a reeleição de João Henrique e o PT multiplicou o número de pré-candidatos, o que retardou a construção de uma chapa. Após uma disputa acirrada, o deputado federal Nelson Pellegrino acabou perdendo lugar para o também deputado federal Walter Pinheiro (PT), que conseguiu convencer sua colega na câmara, Lídice da Mata (PSB), a abortar a candidatura e ser sua vice.

Muitos feridos foram deixados pelo caminho – Olívia Santana (PC do B) depois de muita conversa, percebeu que não teria chances, pois, além de estar isolada, contar com pouco tempo na TV e não ter dinheiro para bancar uma campanha onerosa, adotava um discurso muito similar ao do candidato petista e não teria coragem de atacar o governo Lula e Wagner, eternos aliados da vereadora e bem avaliados pela população. A comunista, que sonhava em ser vice na chapa do PT e viu seu lugar ser ocupado por Lídice, ainda assim resolveu apoiar, meio a contra gosto, Walter Pinheiro.

As prévias realizadas pelo PT desgastaram o partido internamente e expuseram a exagerada determinação dos companheiros de Lula para formar a tríade de poder petista, que controlaria, pela primeira vez na história, as administrações nacional, estadual e municipal. A meta é explicitada no nome dado à coligação capitaneada pelo PT: “Salvador, Bahia, Brasil”. A legenda vem demonstrando força para enfrentar desgastes em sua imagem, se mostra imune à denúncias de corrupção e não se importa em abandonar bandeiras político-ideológicas historicamente defendidas. Para faturar os cargos aos quais se dispõe a assumir, o PT costura alianças tão surpreendentes e inusitadas quanto as muitas metáforas criadas pelo presidente.

Enquanto isso, João Henrique, bem educado por seu pai, o senador João Durval (PDT), tratou de transformar a cidade em um imenso canteiro de obras (com direito ao jingle em ritmo de arrocha e pagode “E tome obra, tome!”) e pular para o PMDB do ministro Geddel Vieira Lima (Integração Nacional) para ficar sob o guarda-chuva do governo estadual e federal. Agora, Wagner e Lula dizem ter, pelo menos, dois candidatos em Salvador e que vão tratar ambos da mesma maneira.

Ex-carlista e ex-prefeito de Salvador, o peessedebista Antonio Imbassahy (que aparece em segundo lugar nas pesquisas de opinião), mesmo sendo oposição à Lula no plano nacional, também encontra lugar nos braços de Wagner, podendo receber apoio formal em um possível segundo turno contra ACM Neto. Por enquanto, Imbassahy recebe de Jaques Wagner um tratamento atípico: o silêncio, perante o público, acompanhado de afagos como a presença na convenção do PSDB que oficializou sua candidatura, no dia 28 de junho. Neste mesmo dia, mais tarde, o governador esteve em outra convenção realizada pelo PT, com Walter Pinheiro. Wagner também já havia marcado presença na convenção do PMDB, que homologou a candidatura João Henrique. Uma coisa é certa, o voto do governador não vai para nenhum deles, uma vez que seu domicílio eleitoral fica no município de Camaçari, Região Metropolitana.

Segundo o cientista político Paulo Fábio Dantas, esse comportamento é parecido com o que foi adotado nas eleições de 2004. “O desejo de juntar os candidatos da base do governo contra ACM Neto reitera o bordão de 2004, quando os candidatos da então oposição confundiram-se, em tom pastel, contra César Borges. [O motivo] não é principalmente a governabilidade, mas alianças eleitorais futuras. Espera-se mais do governador que tomou a si a missão renovadora”, disse. Para ele, Pinheiro é uma das maiores vítimas da estratégia de Wagner. “O possível discurso do candidato [Walter Pinheiro] é esvaziado no prelo, pelo do governador. Pois que sentido haverá na candidatura se prevalecer a idéia de que tanto faz qualquer resultado, desde que se derrote ACM Neto?“, completou.


À sombra do avô

Por outro lado, ACM Neto (DEM), líder em consultas populares encomendadas pelos partidos, elabora um discurso que mistura propostas inovadoras e o saudosismo de seu avô, tentando mostrar que o carlismo não foi sepultado juntamente com seu mandatário no cemitério Campo Santo e ainda permanece vivo, apesar de serem necessárias algumas mudanças para se adequar ao novo ambiente, mais democrático e menos personalista. Prova da crise de identidade sofrida pelo político, foi a propaganda partidária na qual o neto de ACM aparecia dizendo que a política baiana apresentava sempre os mesmos nomes, o que, segundo o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) - que suspendeu a propaganda -, caracterizava campanha antecipada. As palavras mais pareciam um tiro no pé, pois não há nome mais repetitivo na política do estado do que aquele usado pelo próprio deputado federal.

No meio disso tudo, uma cena conhecida de outros carnavais aconteceu. O radialista e apresentador de televisão Raimundo Varela (PRB), com grande força entre os eleitores das classes C, D, e E desistiu mais uma vez de sua candidatura, que era alardeada desde o início do ano. Desta vez ele decidiu apoiar ACM Neto, com quem disputava uma fatia semelhante do eleitorado. “Nunca considerei a candidatura de Varela. Não há mais espaço para candidatos que não estejam ancorados em estruturas partidárias. Isso acontecia na época de Fernando José, quando a democracia brasileira era muito nova”, afirmou Dantas, que completa: “O acordo com o carlismo também não foi tanta surpresa, por se tratar de uma força ainda relevante, e que precisava de um apoiador com o perfil de Varela”, falou Dantas.

Se a desistência de Varela sempre foi uma possibilidade, o apoio a ACM Neto era inesperado por haver um aparente choque de interesses econômicos envolvendo a aliança, uma vez que ele é funcionário da Record Bahia, principal concorrente da Rede Bahia, afiliada da Globo, que pertence à família Magalhães. Com a fusão, a candidatura de Neto ganha uma arma potente, que, se bem usada, pode fazer grande diferença. Juntas, Rede Bahia e Record, controlam grande parte da comunicação do estado. São rádios – Sociedade e Bahia Fm, jornais – Correio da Bahia e Folha Universal -, portais de internet e as duas mais importantes emissoras de TV da capital. Veículos suficientes para mandar para debaixo do tapete o que é inconveniente e explorar ao máximo o que parecer interessante para a candidatura.

Chegou a ser levantada a possibilidade de Varela ser vice na chapa encabeçada por ACM Neto, mas ele era candidato pelo PRB, partido que integra a base do governo Lula e que tem como presidente nacional o vice-presidente da República José de Alencar, que vetaria uma possível aliança com o carlismo para evitar um desconforto com Lula. No final das contas, Varela saiu de campo, permanecendo a bater incansavelmente com a mão em sua bancada enquanto alardeia o mundo cão no qual vivem os soteropolitanos. O deputado federal bispo Márcio Marinho, ligado à Igreja Universal, cujo líder – bispo Edir Macedo – é dono da Rede Record, assumiu sua posição, sendo o vice de ACM Neto.

O jogo do poder

Enquanto isso, os que ainda são candidatos estão se posicionando, disputando os partidos menores que o eleitorado nem conhece, mas que somam tempo no rádio e TV, elaborando o discurso de campanha, que para alguns recebe o nome de plano de governo, mas que, como manda a regra, será esquecido tão logo for conveniente. Porém, até o dia 5 de outubro, quando acontece a votação do 1º turno, os eleitores serão assediados com muitas promessas.

As perguntas que ficam são: como as promessas serão colocadas em prática em uma prefeitura falida, com áreas básicas – saúde e educação – em grave crise? Por que fazer tanta questão de assumir uma prefeitura endividada? O que, de fato, estaria em jogo? Na opinião de Dantas, o interesse de quadros políticos importantes pela prefeitura é interessante para a cidade e é compreensível por se tratar de uma vitrine política. “Surpreendente seria se não houvesse interesse, como em 2004 quando todos os candidatos da esquerda deram a vitória a João Henrique. Envolve poder e o poder tem sentido em si mesmo. O fato de uma cidade estar endividada não pode torná-la desimportante. Salvador é um centro de poder e isso gera um natural interesse”, explicou Dantas.


Herança maldita?

Segundo o vereador Téo Senna (PTC), líder da oposição, o atual governo aumentou o endividamento do município, por não gerir com eficiência os gastos das secretarias, o que vai deixar uma herança inoportuna para o próximo prefeito. “Ao invés de termos secretarias que se reportavam à secretaria da Fazenda, cada secretaria gastava mais do que podia no governo João Henrique e isso acentuou o endividamento da prefeitura”, pontua. Segundo Senna, o descontrole dos gastos foi causado pela distribuição sem critérios das secretarias entre os partidos que apoiaram João Henrique.

Por outro lado, Sandoval Guimarães (PMDB), líder do governo, responde às acusações afirmando que João Henrique obedece a legislação em vigência. Para ele, as críticas da oposição têm como objetivo desgastar a imagem de João Henrique na disputa eleitoral. “Ele tem que respeitar a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei eleitoral. Os gastos estão dentro do orçamento aprovado pela Câmara. Pena que eles só querem aproveitar o momento para fazer críticas e conseguir votos”, critica.

Informações da assessoria de imprensa da Secretaria da Fazenda revelam que o endividamento da Prefeitura Municipal de Salvador chega a mais de 1 bilhão de reais (1.037.044.440,00). No entanto, no ano passado, as despesas estiveram dentro dos limites fiscais.

Os gastos foram de 2,1 bilhões e a arrecadação foi de 2,2 bilhões. Guimarães admite que ficarão dívidas para o próximo prefeito, mas argumenta que a legislação será respeitada. “Vai ter alguns gastos que podem estar como resto a pagar, mas pela Lei de Responsabilidade Fiscal ele (João Henrique) é obrigado a deixar em caixa um indicativo de como pagar as dívidas que fez. Tenho certeza que a administração está sendo coerente com os gastos públicos”, pontua. Para Téo Senna, a administração das dívidas será um desafio para o próximo prefeito. “Tudo isso é uma herança que será deixada para o próximo prefeito.

Salvador é uma cidade que arrecada pouco. É preciso fazer um recadastramento imobiliário, porque há um crescimento muito desordenado e grande parte da população não paga IPTU”. Téo Senna denuncia também que, por conta de um suposto alto índice de rejeição, João Henrique aumentou os gastos com publicidade institucional. “Só em setembro houve um aditivo na verba de publicidade do governo de R$2,5 mi a mais do que estava previsto no orçamento. Além disso, o excesso de banho - banho de asfalto, de luz - o que falta na realidade é banho de seriedade e competência”, provoca.

Guimarães responde que os gastos com publicidade também obedecem ao que é determinado pela legislação. “Os gastos de João Henrique estão dentro do que é destinados para cada área. Ele tem direito a gastar determinada quantia com publicidade”. Ele acrescenta que as contas da prefeitura estão disponíveis para toda a população na página eletrônica da Secretaria da Fazenda e que no último dia 20 de junho, véspera do feriadão de São João, foi realizado na Câmara de Vereadores uma audiência pública com o secretário municipal da Fazenda, Flávio Matos, para apresentar as contas da saúde e da educação. “Se João Henrique tivesse medo, não faria isso”, defende. Empolgado com os números apresentados, o vereador do PMDB, Silvoney Salles, ironizou a ausência de políticos da oposição no evento. “Essa ausência é uma aprovação tácita do que foi mostrado”, disse.

A guerra de palavras e insinuações travada na câmara é uma mostra minguada dos debates que se espera desse processo eleitoral, até então, marcado por um clima de camaradagem e de casuísmo.

A equipe de reportagem do JE procurou todos os candidatos citados para comentar suas candidaturas, mas as assessorias de imprensa ignoraram as solicitações.