quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Quem comanda?

Há menos de seis meses no poder Dimitri Medvedev já encara a ameaça de uma nova Guerra Fria. Putin está por trás disso?



Por Carlos Henrique Vistovsky
Para o JE de Moscou


Ele faz ioga e até pouco tempo atrás não era sequer conhecido no maior país do mundo. Longe de ter participado da história política recente da Rússia ou de ter passado perto de algum quartel da KGB, a imagem clean do presidente russo de Dimitri Medvedev opõe-se, e muito, da figura do ex-presidente e hoje Primeiro Ministro, Vladimir Putin, que apesar da cara sempre fechada é um homem admiradíssimo no país. Analisando quinze anos da história russa não é difícil entender porque Putin é tão louvado. Com o fim da União Soviética, e ainda no governo de Boris Ieltsin, o orgulho russo despencou a níveis humilhantes. De maior potência da época, cargo dividido apenas com os Estados Unidos, os russos viram seu poder aquisitivo cair, o desemprego aumentar e a violência, devido às rápidas e destruidoras modificações, aumentar. Em 1999, Putin iniciou seu governo com a difícil missão de recolocar o gigante de pé. Conseguiu. Putin quase decuplicou o PIB, cortou 2/3 da inflação e aumentou o salário médio russo de 65 para 545 dólares.

Por trás de tudo isso, além da elevada taxa de exportação petrolífera a preços igualmente elevados, está a linha dura tanto política quanto econômica de Putin. “Ele trouxe para perto de nós o poder que tínhamos perdido, encaramos o mundo com outros olhos agora.” conta o publicitário Alexander Gaveskovsky, de 32 anos. Putin é um homem forte, e os russos gostam dele. Sua permanência no Kremlin, no entanto, estava com data certa para acabar. Depois de oito anos de governo e de ter tirado a falida potência socialista do fundo do poço, Putin precisou contornar uma situação que de certa maneira aflige qualquer presidente já reeleito: o de não poder mais candidatar-se para o comando do país. Com certa disposição para modificar a Constituição russa, Putin foi bem mais além do que mudar as regras eleitorais de seu país para permanecer na presidência. Com intensa campanha acompanhada não só pelos russos, mas pelo mundo todo, Putin decidiu escolher o seu sucessor, elegê-lo presidente e assim permanecer perto do poder.

É aí que Medvedev entra. O desconhecido advogado de 42 anos surgia então como o braço direito de Putin. Sem ter passado por qualquer outro cargo legislativo, Medvedev foi eleito com quase 70% dos votos. Responsabilidade do Putin? Toda. E os russos apoiaram isso. É de conhecimento de todos que Medvedev é, sim, uma marionete, no melhor dos sentidos, controlada por Putin que, antes de deixar a presidência, transformou o cargo de Primeiro-Ministro num Oasis de concentração do poderio ‘democrático’ russo. É de responsabilidade de Putin a partir de agora ser o ‘filtro’ do que os governadores de todas as repúblicas da Federação Russa têm a dizer ao Presidente. Antes mesmo da posse de Medvedev, Putin já tinha mais do que garantido como seu o segundo cargo mais importante na hierarquia do governo russo. Mas é muito claro a todos que nos bastidores do governo a hierarquia entre Putin e Medvedev não existe. E os conflitos com a Geórgia são prova clara disso. Desde o ano passado, quando houve um sério incidente diplomático entre Bush e Putin sobre a construção de escudo antimíssil norte-americano sobre solo europeu, o ex-presidente russo não engoliu as alfinetadas disparadas por Bush tanto sobre a defesa do espaço aéreo de países da OTAN, quanto sobre a defesa da independência do Kosovo.

Na época, o Governo russo, por intermédio de Putin, fez declarações contundentes sobre a posição dos Estados Unidos em apoiar o que seria uma caixa de pandora. Com o apoio da população, Putin dá agora seu troco, sob o discurso tímido e aparentemente livre de culpas de Medvedev, não só apoiando, como oficializando somente agora a independência que as duas regiões da Geórgia, a Ossétia do Sul e a Abkházia, declararam há anos, sem qualquer reconhecimento, inclusive russo. É oportuno para Putin provocar os Estados Unidos num momento de transição do Governo de lá. É um dos golpes que o orgulho russo esperava que viesse. Putin também foi um dos que mais esperaram e agora conta com seu zen braço direito para passar ao mundo a imagem da qual a Rússia não quer briga. E se o mundo acredita que Medvedev governa a Rússia, pode acreditar nisso também.