O que, afinal, acontece em Gaza?
Fernando Galacine
editor do JE em São Paulo
Talvez você nem tenha se dado conta, mas muito provavelmente enquanto assistia ao Jornal Nacional em algumas noites de 2007 e 2008, você viu William Bonner anunciar bombardeios israelenses à faixa de Gaza, ou então mostrar a situação de palestinos sem gasolina, ou mesmo se comida, devido a restrições e bloqueios impostos por Israel a uma minúscula faixa de terra cercada por seu território. É meio estranho falar, mas muita gente não guarda acontecimentos como estes, justamente por acharem-nos tão comuns em meio ao cotidiano nada tranqüilo do Oriente Médio. Mas foi através de situações relativamente cotidianas como essas, que numa última manhã de sábado de 2008, os principais canais de notícias do mundo paralisavam sua programação e mostravam imagens ao vivo de Gaza. Em poucas horas, Israel havia matado uma centena de palestinos, no que chamara de ofensiva contra o Hamas, partido político considerado por Israel, e boa parte do mundo ocidental, como terrorista. Armamentos bélicos de última geração foram usados. E estratégias, como atacar primeiramente por ar, foram traçadas. A intenção do Governo de Tel-Aviv é clara: extinguir o Hamas, emboara tal clareza, como informou o correspondente do JE no Oriente Médio, não passe das paredes da sede do Governo de Israel.
Tempos de paz
No começo do século XX, na região da palestina, a população árabe vivia em perfeita harmonia com algumas pequenas comunidades judaicas. Na Europa o movimento sionista, que procurava estabelecer ao povo judeu uma espécie de “lar”, ganhava força. Logo surgira a ideia desse lar ser formalizado na região da terra santa, de onde os judeus foram expulsos na Antiguidade. Até então, a convivência no local era tão próspera que tanto árabes quanto judeus chegaram a planejar, de comum acordo, um estado laico e único para os dois povos, com liberdade tanto para mulçumanos quanto para judeus. Mas isso não estava nos planos do Império Britânico, administrador da região na época, e que uniu esforços para jogar areia em cima dos planos árebes-judaícos. Na década de 30, em plena ascensão do Nazismo, judeus de várias partes do mundo, sobretudo da Europa, migraram para a região da palestina. Conflitos que começavam a fomentar, através da ‘ajuda’ britânica, estouraram de vez com a vinda de judeus europeizados. Com o Holocausto, a pressão da comunidade internacional para que fosse criado um estado judeu na região ganhou força e em 1947 a ONU aprovou a divisão da Palestina em dois estados: um árabe e o outro o Estado de Israel.
O que explica Israel
Daí em diante os livros de história se encarregam de contar os fatos. Em 1948 houve a Guerra da Independência, encerrada um ano depois e com 700 mil refugiados palestinos, das áreas ocupadas por Israel. No entanto, nos lugares em que Israel não havia tomado posse, Faixa de Gaza, Cisjordânia e Colinas de Golã, controlados respectivamente pelo Egito, Jordânia e Síria, anos mais tarde viriam a ser posse israelense, na Guerra dos Seis dias, obrigando outros 500 mil palestinos a recomeçarem a vida em outros lugares, obviamente em outros países que não Israel. Nesse vai e vem de terras, que deixa confuso até quem vive na região, Israel ora invadia, ora tinha suas terras empossadas por árabes. Nessa guerra interminável, Israel sempre levou larga vantagem. E não é só pelo auxílio norte-americano em si, com sempre é bradado. Israel tem um diferencial muito importante quando falamos em avanço tecnológico. Cérebros. É inegável que a vinda de milhares de judeus ameaçados na Europa trouxeram não só novas cabeças para àquela região do Oriente Médio, mas também tecnologia de irrigação, que possibilitou a agricultura em terras pobres e consequentemente, melhor qualidade de vida para os israelenses, algo que não só se perpetua com se agrava até hoje.
Diante de cenários econômicos e sociais como esse, os palestinos mais exaltados e fundamentalistas dentro da religião islâmica, que nunca se conformaram com a situação, começam a se unir. Em 1987, nasce o Hamas, partido político legal, que preconizou uma luta bem mais feroz contra Israel por parte dos Palestinos. Exatamente o contrário do que começava a pregar Yasser Arafat, líder do Fatah, outro partido que começou tão igualmente como o Hamas, que se diferenciou ao aceitar o Estado de Israel, ponto crucial para a sua aceitação pelo mundo ocidental e para a sua rejeição pelos palestinos mais ortodoxos.
O que explica o Hammas
A primeira Intifada, nome que se dá à luta palestina contra Israel, aconteceu no mesmo ano de fundação do Hamas, e a segunda no ano 2000, quando o guerrilheiro israelense Ariel Sharon provocou reações extremadas da população palestina ao circular por uma área considerada sagrada para os mulçumanos. Um ano mais tarde, Sharon tornava-se primeiro-ministro israelense, acirrando ainda mais os ânimos de ambos os lados. Em 2002, com um ano no cargo, Sharon começou a construção de um muro inspirado em outro, mais famoso, numa cidade que os judeus conheciam muito bem: Berlim. Com mais de 700 quilômetros de extensão, o muro que cerca quase toda a fronteira da Cisjordânia com Israel, virou mais um dos vários estopins para outros conflitos, o que segundo Israel seriam evitados com a construção da nova divisória. Mas não foram. Com a morte de Yasser Arafat, em 2004, e com Mahmoud Abbas tornando-se presidente da Autoridade Nacional Palestina [ANP] e respectivamente seu primeiro-ministro, as coisas começaram a desandar lentamente.
Abbas teve encontros com Sharon, quase todos com foco para restabelecer a paz entre israelenses e palestinos, o que originou, em 2005, a retirada de vinte e um assentamentos judaicos da Faixa de Gaza além de outras quatro ao norte da Cisjordânia. Algo não muito bem visto pelos palestinos, já que arrasada, Gaza não era nada muito além do que um pedaço de terra infértil, bem diferente da Cisjordânia, área sob controle da ANP, mas onde os assentamentos de família judias não foram retirados, muito pelo contrário: incentivados. Com o agravante do muro que separava os judeus de Israel e da Cisjordânia dos palestinos que moravam na Cisjordânia e que encontravam dificuldades de acesso aos seus empregos, casas e até a fontes de água. Tudo, claro, na área que por direito é dos próprios palestinos. Isso, em parte, explica a maciça vitória que o Hamas teve nas eleições legislativas de 2006, quando conseguiu quase o dobro de cadeiras no Parlamento palestino.
As eleições foram legais e o Hamas obteve, por direito, participação na ANP. Mas Os Estados Unidos, bem como a União Européia e Israel, não reconheceram o Hamas e se recusaram a ter laços diplomáticos com o partido, com a exceção na qual o Hamas abandonasse a luta armada e aceitasse os acordos previamente assinados pelos palestinos, além da aceitação do Estado de Israel. O grupo fundamentalista não ouviu aos pedidos e além de ignorar a cúpula do poder mundial, cortou relações com o Fatah, que aceitava Israel. Aliás, ‘cortou relações’ é eufemismo. Hamas e Fatah cortaram-se a si mesmos, numa guerra civil quase incontrolável.
Em resposta, o Hamas expulsou o Fatah da Faixa de Gaza, onde tem amplo apoio da população. Ao Fatah restou refugiar-se na Cisjordânia, onde fundou outro governo, esse reconhecido pelas potências mundiais, incluindo Israel. Em Junho, com o intermédio do Egito, que hoje também propõe a trégua entre Hamas e Israel propôs a uma trégua aos confrontos quase diários durante 2007 e 2008. De um lado foguetes eram lançados por grupos ligados ao Hamas atingindo Israel, do outro lado o país respondia mantendo embargos e bloqueios de alimentos, combustíveis e energia, provocando uma crise humanitária. O que enfraqueceu ainda mais da região de Gaza, onde a população civil simplesmente desaba dentro de um campo de guerra não muito bem demarcado.
O que explica tamanha informação
Hoje se o mundo volta seus olhos a Gaza, por dias que condensam o que aconteceu durante quase os dois últimos anos, é porque a situação chega mais uma vez a picos de violência e situações que fogem do controle, sob diversos aspectos. Se há uma solução militar, social, ou até mesmo religiosa, ninguém sabe. O mundo acabou de certa forma acostumando-se a notícias nada apaziguadores vindas dessa região do planeta, onde chovem foguetes ao invés de esperança.