A história mostra que política e hospital não combinam, pelo menos não para os políticos. Nos últimos anos, porém, casos médicos entre candidatos, ou políticos já eleitos, são anunciados de forma aberta ao eleitor. O que mudou para isso acontecer?
Hitler numa foto rara; O ditador austríaco não deixava-se fotografar com óculos: temia que o povo pudesse vê-lo como um incapaz.
Fernando Galacine
editor do JE em São Paulo
Em plena ditadura militar, no final da década de 1970, o então Ministro da Justiça, Petrônio Portela, fortemente cotado para suceder o Presidente João Figueiredo, negou, enquanto pôde, seus problemas com o coração. Chegou inclusive a recusar tratamento clínico, com medo do caso vazar à imprensa. Um ataque cárdico, porém, atrapalhou seus planos: Petrônio morreu vítima de suas próprias aspirações.
A mesma história quase se repete com o próprio Presidente Figueiredo, anos mais tarde: num certo final de semana, boatos sobre um ataque do coração que o então presidente tivera foram veementemente desmentidos pelo governo. Passadas algumas semanas Figueiredo embarcava rumo aos Estados Unidos para uma operação cardíaca.
O francês François Mitterrand, após quatorze anos frente à presidência da França, revelou que tinha câncer de próstata somente ao deixar o palácio do Eliseu, em Paris. O detalhe é que Mitterrand supostamente já sabia da doença anos antes de torná-la pública. E quando os franceses descobriram o segredo do então ex-presidente, já era tarde: ele viveria apenas mais seis meses, tempo suficiente para contar que também tinha uma amante...
Dilma, saúde e Planalto
São poucos os que discordam que Dilma Rousseff, atual ministra da Casa Civil e que em dezembro completa 62 anos, adquiriu fama e poder de formas raramente vistas na política brasileira. A mineira de olhar forte chegou a um dos postos mais altos do Planalto em junho de 2005 então como a despretensiosa ministra de Minas e Energia que viera às pressas para o cargo deixado por José Genuíno, no escândalo do Mensalão. Hoje, o braço direito do presidente Lula, ela é também a menina dos olhos do partido dos trabalhadores para a sucessão presidencial. No entanto, as pesquisas especulativas para as eleições em 2010 mostravam que, para a maior parte dos brasileiros, a ministra era quase uma anônima.
Nova maquiagem, novo figurino. Dilma tornou-se mais presente nos noticiários e apareceu como nunca ao lado do seu chefe, Luís Inácio Lula da Silva. Porém, nem mesmo a popularidade do presidente ou a aparente vitalidade da ‘Dama de Ferro’, puderam resistir às especulações sobre a saúde da ministra. Vista algumas vezes circulando pelo hospital Sírio Libanês, em São Paulo, o mesmo em que se interna anualmente o vice-presidente José Alencar, Dilma já não tinha como esconder seu estado médico. Em pleno sábado à tarde, numa tentativa clara de se esquivar da cobertura imediata das grandes revistas semanais, Dilma anunciou que tinha um linfoma, um tipo de câncer, mas que já estava em tratamento.
A repercussão inicial, apesar de enfraquecida por um final de semana, lançou a pergunta: o anúncio da doença da ministra foi uma jogada de publicidade? Para o jornalista Luiz Henrique Romagnoli que entre outros trabalhos criou a campanha do presidente Lula para o rádio, em 2002, a resposta é não. “A atitude de anunciar a própria doença é corajosa e válida, traz a solidariedade do eleitorado junto à candidata, mas não sei até onde isso se traduzira em votos”. Romagnoli aponta também que Dilma inovou ao anunciar o câncer. “A ministra foi transparente, republicana diria. [O anúncio] vai contra a tradição política do país”.
"Fiador da Democracia" ?
Tancredo Neves sabia do seu real estado de saúde, quando concorreu com Maluf à presidência da República pelo Colégio Eleitoral, em 1985, meses antes de falecer. Não só ele: família, médicos e pessoas próximas ao presidente eleito, sabiam que as dores abdominais sentidas por Tancredo dias antes de sua posse eram consequência de um tumor no intestino e não uma simples inflamação como chegou a ser informado.
O motivo de anúncios como esses era, para Tancredo, a garantia de que a notícia de um tumor não viesse a publico, associando o fato a um câncer. Segundo Tancredo, caso isso acontecesse poderia haver um retrocesso político e consequentemente a volta de militares ao poder. “Ele havia recebido a informação, de fonte em quem confiava, de que o general Figueiredo não daria posse ao seu vice-presidente José Sarney”, explica o historiador Ronaldo Costa Couto.
Sarney tomou posse, mas constantemente iludidos sobre o estado de saúde do presidente, os brasileiros estranhavam a falta de Tancredo no governo, sempre adiada com promessas de breves altas clínicas. “Tancredo Neves era um estrategista político, e como estrategista ele pensou os riscos que corria para chegar à Presidência da República e achou que poderia controlar a doença. Ele estava fazendo uma jogada política. Deu errado” comentou a historiadora Heloísa Starling, ao jornalístico Fantástico, da TV Globo. A morte do Presidente e a sucessão dos fatos, como eles aconteceram, deixarão a dúvida se realmente Tancredo necessitava de medidas tão ousadas em relação a própria doença para ser o “fiador da democracia no país” como diz seu neto Aécio Neves, que hoje é um dos principais candidatos a presidenciáveis, em 2010.
Saúde nas urnas
Talvez um bom exemplo, salvo algumas exceções da história, permite dizer que doenças nem sempre afastam o eleitor do candidato. O ex-governador paulista, Mário Covas, que também chegou a enfrentar Maluf nas urnas, foi eleito senador e duas vezes governador de São Paulo mesmo com problemas de saúde conhecidos pelo eleitorado, que acredite, chegou até agredir Covas com bandeiradas, mesmo com o governador em tratamento médico. Franklin Roosevelt foi eleito presidente dos Estados Unidos, após uma poliomielite ter retirado o movimento de suas pernas, já adulto. Cadeirante, Roosevelt é exemplo que nem mesmo uma dificuldade motora foi suficiente para atrapalhar seus planos de candidatura política num país que estava mergulhado em grave crise financeira e prestes a entrar no maior conflito na história da humanidade: a Segunda Guerra Mundial.
Mau gosto
No caso de Dilma Rousseff, o seu linfoma está longe de ser tão grave como a doença de Covas e suas dores nas pernas igualmente distantes de compararem-se a condição vivida por Roosevelt e pelo andar dos acontecimentos, as questões internas no PT sobre a inviabilização da candidatura da ministra parecem ter esfriado após interferências do presidente Lula. “Toda estratégia eleitoral parte de um substrato preexistente em uma sociedade, com base em seus anseios e a idealização que faz de um governante ou representante. Há uma série de variáveis que serão avaliadas pelo eleitor no processo de tomada de decisão, que podem ser desde a gravidade da doença, até a maneira como o candidato vai lidar com ela, ou se vai superá-la ou não” diz a publicitária e editora do site MarketingPolítico.com, Gil Castillo.
Ou seja, o peso da doença de Dilma não é tão grande a ponto de desestabilizar a sua candidatura. Mesmo assim, segundo Luiz Henrique Romagnoli caso até 2010 a saúde da ministra seja um assunto latente, a candidatura de Dilma pode ser atrapalhada. “O brasileiro quer pessoas saudáveis como representantes. Uma boa reação a doenças pode ser útil à imagem de quem já está no governo, como o José Alencar, aquele ‘que nem raio mata', mas para Dilma, ou seus adversrários, tratar de doença em campanha não seria atraente, seria maquiavelismo”.