segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Bate-papo com Marcos Losekann

Correspondente internacional da TV Globo há quase 10 anos e hoje coordenador do escritório da emissora em Londres, Marcos Losekann é um dos poucos repórteres brasileiros que se deslocam com frequência aos mais distantes pontos do planeta. Em 2006, como correspondente no Oriente Médio, o jornlista realizou a cobertura dos conflitos entre o exército israelense e o grupo libanês Hizbollah, muitas vezes pertíssimo do front de batalha.

Na entrevista, Marcos descreve seu sequestro no Líbano, suas crenças de paz na região e ainda relembra sua experiência jornalística, anos antes, na Amazônia.


Marcos Losekann, em Jerusalém/Arquivo Pessoal
editor do JE em São Paulo

JE - Você conta no seu livro, O Ronco da Pororoca, diversas situações nas quais foi perseguido enquanto era o correspondente da Globo na Amazônia, como o caso do ex-governador Ottomar Pinto, ou até antes, quando foi perseguido pela força aérea venezuelana ao cobrir um abate de um avião de garimpeiros. Essas situações representaram um risco maior do que as situações que você viveu como correspondente no Oriente Médio?

Marcos Losekann - Eu costumo dizer que mesmo em áreas de conflito, cobrindo uma guerra, por exemplo, eu jamais vivi perigo maior do que vivem os colegas que cobrem um tiroteio num morro do Rio ou na periferia de São Paulo, de Brasília, de Belo Horizonte, etc.

É evidente que a cobertura de uma guerra, bem como da intifada (a revolta do Palestinos pela ocupação Israelense) gera uma exposição muito grande do profissional (jornalista) ao perigo, mas pelo menos numa região de conflito a gente sabe onde está esse ‘’perigo’’, sabe quem está atirando em quem... No morro ou na periferia, e até mesmo nas ruas centrais das grandes cidades brasileiras, infelizmente há balas perdidas – tão ou mais perigosas, tão ou mais fatais do que os mísseis e os homens-bomba.

Na Amazônia era muito diferente, lá eu sofria ameaças, recebia ‘’recados’’, era ‘’avisado’’ para não me meter nisso ou naquilo... Lá ainda reinam os jagunços, os matadores de aluguel... Esses eram os ‘’perigos’’. Mas, sinceramente, jornalista que não sabe lidar com esse tipo de empecilho, digamos assim, está na profissão errada. Ou seja, faz parte...

JE - Ainda nessa questão, é possível afirmar que na Amazônia os interesses que motivam repressão da imprensa são quase todos de origem pessoal enquanto no Oriente Médio são, em sua maioria, ideológico-religiosos? Tem como comparar ou hierarquizar qualquer tipo de coação ao trabalho jornalístico?

- Como eu digo no fim da resposta anterior, o ‘’perigo’’ numa região como a Amazônia, muitas vezes ‘’terra de ninguém’’, é a falta de lei, a falta do poder público, a ausência da ordem constituída. Isso gera uma situação de absoluto descontrole e vira um faroeste. O jornalista, cumprindo seu papel, denuncia um determinado crime e sofre a ameaça de ser espancado ou mesmo morto por ter feito a denúncia. Geralmente a ameaça vem antes do ato, em si. Querem, com as ameaças, intimidar... tentar evitar a série de denúncias e assim por diante.

E a ação contra o jornalista, de fato, geralmente só ocorre SE e QUANDO as denúncias se repetem... mas isso é raro, geralmente fica mais no plano da ameaça, principalmente se por trás do jornalista está uma companhia, uma empresa jornalística grande, forte (poderosa), pois todos sabem que não adianta eliminar um jornalista porque logo haverá outro (s) pra darem continuidade àquele assunto que originou a agressão.

No Oriente Médio a perseguição é totalmente ligada a ideologia. Regimes fechados, como o do Iran com seus Aiatolás, não toleram críticas, não toleram a imprensa estrangeira, não aceitam um olhar de fora... E, ao primeiro impasse, eles decidem banir a presença de correspondentes. Já os terroristas, esses partem pra agressão, mesmo. Geralmente sequestram jornalistas para exigir alguma vantagem em troca ou os executam (como aconteceu recentemente no Iraque) para exibir força. Não é fácil, mas é um jornalismo necessário, mesmo nessas áreas perigosas.

JE - O que aconteceu durante as horas que você passou sob a mira do Hizbollah? O que eles queriam saber sobre você, que perguntas chamaram sua atenção?

- Ficamos 5 horas e 10 minutos, eu, um cinegrafista e um produtor (libanes) sendo interrogados em salas fechadas, isolados uns dos outros, e sendo removidos – de tempos em tempos – para outro local, sempre em carros com cortinas negras nas janelas para que não pudéssemos saber para onde estávamos indo. Eles amedrontavam a gente com suas armas e caras de poucos amigos. E faziam perguntas que tentavam buscar alguma conspiração por trás da nossa real intenção que era fazer uma reportagem sobre uma lanchonete temática, cujo tema é justamente o terrorismo e a violência (tema, diga-se, de caráter duvidoso e de extremo mau gosto, não?).

De tempos em tempos vinha outro militante para interrogar, fazia as mesmas perguntas, depois saia – provavelmente para conferir com as respostas dos meus colegas, que estavam em outras salas. Eles perguntavam, sobretudo, sobre nosso posicionamento ideológico, certamente tentando traçar uma relação entre nós, nosso trabalho e eventual política do ‘’inimigo’’, no caso ISRAEL. Eu temia que se escrevessem meu nome no google, eles poderiam descobrir que fui correspondente em Israel e a situação, pro meu lado, poderia se complicar. Sou cristão, não sou nem muçulmano e nem judeu.

Por isso, também, fui escolhido para abrir a base da Globo no Oriente Médio, ou seja, alguém de convicção religiosa neutra. Mas, os caras desconfiam de tudo e de todos... daí o nosso temor durante aquelas 5 horas e 10 minutos de ‘’sufoco’’. Felizmente, tudo acabou bem.

JE - Você disse, em entrevistas, que já se considerava morto pelo grupo. Pra você, o que pode ter feito, então, o Hizbollah mudar de ideia?

- Eu me considerava morto porque achava que eles descobririam que fui correspondente em solo israelense. Todo jornalista sabe que para cobrir o oriente médio é preciso ter DOIS passaportes, um somente para Israel e um para o resto do mundo, pois no mundo árabe as autoridades não permitem o ingresso no país deles se houver qualquer visto israelense no passaporte. Tanto que eu tinha dois passaportes brasileiros (além do Inglês, nacionalidade que adquiri pelo tempo que já vivi na Inglaterra), sendo que um era para exercer minhas atividades em Israel. O outro, pra circular pelo mundo árabe.

Portanto, acho que o Hizbollah mudou de idéia, e nos soltou depois de 5 horas e pouco de interrogatório, porque não descobriram essa minha passagem por Israel, e porque, afinal de contas, perceberam que éramos inofensivos à causa deles.

JE - Também em entrevistas você disse que sua credencial de imprensa emitida pelo governo libanês de nada valia para o Hizbollah, porque o grupo é uma ‘força dentro de outra força’. Pra você isso é comparável ao que acontece com traficantes, milícias, em grandes cidades do Brasil?

- Sim, a comparação faz sentido, sim. A diferença é que lá no Oriente Médio, especialmente no Líbano, as milícias – tipo Hizbolah, Hamaz, Brigadas de Mártires de Al-Aqsa, etc – são partidos políticos também... E geralmente os militantes não são anônimos, não se escondem, não são bandidos propriamente ditos. Eles acreditam lutar por uma ‘’causa’’, seja essa causa discutível ou não... Já no Brasil, tratam-se de traficantes, de ladrões de banco, de assassinos ligados ao crime organizado. São desordens semelhantes, mas com diferenças vitais.

JE - Jornalistas com trabalho no exterior costumam dizer que ser brasileiro facilita algumas reportagens ao redor do mundo, no próprio sentido da maior liberdade. No Brasil, há algum facilitador para o trabalho da nossa imprensa? Em sua opinião, a liberdade de expressão, ou a segurança para a prática do jornalismo em nosso país encontra comparativos ao redor do mundo?

- Evidentemente que ser jornalista oriundo de um país historicamente de paz ajuda, e ajuda muito. Somos vistos pelo nosso futebol, pela nossa simpatia, pelo nosso espírito de paz... desse modo, somos logo tidos como amigos. É diferente, por exemplo, de um jornalista americano ou inglês, cujos países de origem vivem metidos em guerras e polêmicas políticas. Esses geralmente sofrem mais para trabalhar em áreas de conflito, justamente porque seus países certamente estão dando pitacos nesses conflitos...

O jornalista brasileiro, não. Para nós, o caminho é sempre mais livre. Mas isso não significa que a liberdade de expressão que conquistamos no Brasil vai junto na mala quando viajamos para uma área de conflito, pois a lei do país em que estamos é a lei que vale. Ou seja, se estamos num país fechado, no Iran por exemplo, estaremos sujeitos às leis iranianas. Veja que recentemente, para cobrir as eleições iranianas e suas consequências (protestos nas ruas, mortes, etc) nós, da Globo, não conseguimos visto. Simplesmente nos foi negado pelo governo iraniano.

JE - Houve alguma situação, ao longo da sua carreira, em que medindo os riscos, você já mudou as pautas de suas matérias, deixou de fazê-las?

- Não, certamente não. O que aconteceu muitas vezes foi que, na impossibilidade de entrar num determinado país, fizemos a cobertura do país vizinho com apoio de informações e imagens de agências, mas não foi necessário mudar a pauta ou desistir dela. No máximo, adaptar a pauta para ‘’caber’’ nas novas circunstâncias, jamais desistir. Comigo nunca aconteceu.

JE - Você voltou a Londres. Qual foi o motivo?

- Simples! Eu fui à Jerusalém, ser o correspondente no Oriente Médio, para um período incialmente previsto de dois anos. Eu já estava lá havia 3 anos. E ficaria mais 3 ou 5 se assim exigissem as circunstâncias (interesse da empresa, adaptação da minha família, etc...). Só que na nossa profissão, e ainda mais trabalhando para uma grande empresa como a Globo, as coisas não são estáticas. Além disso, eu não sou israelense, não sou judeu ou muçulmano. Portanto, embora me sentisse em casa naquela região, embora fosse cercado de bons amigos nas duas trincheiras do conflito, embora eu estivesse adaptado e minha família também, eu estava lá de passagem, por um período... e disso jamais me esqueci.

Ao mesmo tempo, as coisas continuaram acontecendo na empresa, entre elas a decisão do meu colega Marcos Uchoa, que chefiava o escritório da Globo em Londres, de retornar ao Brasil depois de 10 anos aqui. Essa decisão levou a direção da Globo, naturalmente, a procurar uma forma de cobrir a vacância do cargo. Eu tinha a experiência já sedimentada como correspondente no exterior e, principalmente, na Europa (pois havia trabalhado 4 anos em Londres antes de ir à Jerusalém), além de possuir nacionalidade britânica...

Por tudo isso e muito mais, a direção me convidou para assumir a coordenação do escritório da TV Globo na Europa, baseado em Londres. Tratava-se de uma nítida promoção, pois nem se compara ser o repórter de uma sucursal com a coordenação de um escritório como o de Londres. Aceitei, pois achei que era hora. Foi simplesmente isso.

JE -A reeleição do Mahmoud Ahmadinejad, no Irã, pode desencadear novos conflitos envolvendo Israel? O diálogo, pra você, continua sendo o investimento mais seguro em longo prazo nessa região do planeta, ou beira o inalcançável, no caso do Irã e Israel, por exemplo?

- Fui ao Oriente Médio diferente de muitos de meus colegas que querem ser ‘’correspondentes de guerra’’. Eu queria ser correspondente da Paz, achava que poderia ser testemunha ocular de um acordo duradouro de paz. Infelizmente descobri que uma minoria radical é contra a paz, prefere o conflito, opta pela resolução dos problemas à bala... Infelizmente, há perdedores em TODAS as trincheiras, em TODOS os lados. E a grande maioria, que quer a paz, paga a conta. Não acho que o Ahmadinejad é o único culpado. Há ‘’culpados’’ por toda parte. Há ‘’vítimas’’ por toda parte também. Mas, sim, só vejo solução no dia em que todos os lados depuserem as armas e decidirem sentar-se à mesa de negociação.

JE - Para encerrar. Uma melhor distribuição de terras da Cisjordânia, da faixa de Gaza, ou as mais próximas ao Líbano garantiria, por si só, estabilidade ao Oriente Médio?

- Garantir... não sei se eu usaria esse verbo. Prefiro, nesse caso, o verbo ‘’ajudar’’. Pois acho que a devolução/distribuição de terras ajudaria, seria um incentivo. Mas nada garante, nem terras e nem bombas, a paz enquanto a ideologia estiver acima dos interesses sociais. Repito: a grande maioria, de ambos os lados, quer paz. Quem conhece aquela região sabe disso. Infelizmente uma minoria, minoria forte, dá as cartas. E infelizmente o jogo é de azar...

Por outro lado, acho que Israel devolverá as terras se tiver certeza, absoluta, que isso trará paz. Veja o que aconteceu no Egito, na península do Sinai. Israel havia conquistado aquela região, havia colonizado a àrea nos anos seguintes, e mesmo assim retirou todos os colonos quando sentiu que um acordo de paz com o Egito seria efetivo e perene. Também fechou um acordo com a Jordânia quando sentiu a mesma chance de paz duradoura. Com o Líbano e com a Síria, pelo menos por enquanto, creio que o governo isralense não sente tanta confiança de paz duradoura. E a recíproca é verdadeira...

 Mas eu sou otimista, não poderia jamais deixar de ser. Ainda sonho com o dia em que irei àquela região, como enviado especial, a fim de cobrir esse momento histórico. Amém!