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domingo, 18 de outubro de 2009

Entrevista - Padre Juarez de Castro

Entrevista - Padre Juarez de Castro



Mineiro da cidade de Lavras, Juarez de Castro ordenou-se padre em 9 de dezembro de 1995, depois de concluir seus estudos em Santa Catarina e em São Paulo. Trabalhou no Santuário São Judas Tadeu  e depois nomeado como Secretário-Geral do Vicariato da Comunicação na Arquidiocese de São Paulo. Há três anos se dedicando a evangelizar pela canção, seu primeiro CD “Deus está Aqui” foi indicado para o Grammy Latino como melhor álbum de musica cristã. Em entrevista exclusiva ao JE Informa, Padre Juarez de Castro fala sobre a atuação da Igreja no passado e sobre sua vocação.



Por Evelyn Cusnier
evelyn.cusnier@jeinforma.com
do JE em São Paulo


JE Informa- Como senhor descobriu a vocação que tinha e há quantos anos foi ordenado padre?

Pe. Juarez - Pensei em ser padre quando tinha 18 anos. Tive vontade de me dedicar totalmente às pessoas e percebi que o sacerdócio seria o caminho para isso. À semelhança de Jesus que renunciou tudo para ser de todos vou tentando, apesar da minhas limitações, imitá-lo.

JE - O que é necessário para se tornar padre? São quantos anos de estudo no seminário e o que é estudado?

Para ser padre é necessário que o candidato sinta-se chamado - isto é - deve sentir no coração que Deus o chama. São necessários basicamente 10 anos de estudo. Estudos propedêuticos, mais duas faculdades: filosofia e teologia.

JE - Quais os maiores desafios ao se entregar à vida religiosa?

São os desafios que qualquer pessoas enfrenta ao assumir com responsabilidade sua vocação. Ser padre é tão exigente quanto ser pai de família. Em todas as vocações há necessidade de uma resposta diária àquele sim que um dia foi dado. Um sim que deve ser renovado diariamente.

JE - Além das funções básicas que todos conhecem, como rezar a missa por exemplo, quais outras funções que um padre possui e muitos desconhecem?

Além do padre cuidar de uma paróquia, rezando as missas, atendendo confissões, atendendo os doentes nos hospitais, dirigindo colégios, hospitais, obras sociais - muitos padres assumem outros trabalhos missionários. Muitos se dedicam aos meios de comunicação, às artes, músicas. Eu por exemplo, além dos trabalhos normais de um padre, tenho três programas de rádios diários em três rádios diferentes, faço três programas semanais de televisão, cuido do vicariato da comunicação da arquidiocese, e viajo o Brasil fazendo shows de evangelização.

JE - Na sua opinião porque a Igreja Católica é hoje a religião mais seguida no mundo?

A Igreja católica tem dois mil anos de história. Começa com o próprio Jesus Cristo e se desenvolve com uma proposta de libertação, tolerância, amor e solidariedade - tudo o que as pessoas procuram num relacionamento com Deus.

JE - Muitos são contra algumas atitudes tomada pela Igreja durante a Idade Média. Ex: indulgências, inquisição. Como o senhor vê este período? E como a Igreja se posiciona a respeito deste assunto atualmente?

A Igreja cometeu erros porque era dirigida por homens que são falhos. Tais erros existiram num período em que a Igreja não era administrada por somente pessoas ligadas ao clero. A história nos relata que neste período difícil da Igreja duas famílias se alternavam no poder da mesma (Borgia e Medici) essas famílias colocavam seus membros para administrar a Igreja e estes, sem nenhuma formação religiosa ou eclesial, usaram a Igreja para se promoverem e subjugar os outros. Mas felizmente esse período passou. A Igreja pôde expurgar esse tipo de comportamento dentro dela e voltar às origens e ao Evangelho.

JE - Existem pontos positivos da Igreja Medieval que a história não divulga?

Claro. Uma visão tacanha e medíocre sobre a idade média a chama de "idade das trevas". Seria impreciso e até historicamente errado classificar a Idade Média, como idade das trevas. A História e estudiosos sérios já não usam essa terminologia. Pensar que a Idade Média não produziu coisas boas para o mundo seria desconhecer a história. Na Idade Média a arte floresceu, a matemática se desenvolveu levando-nos ao conhecimento das leis da física, a química substituiu a alquimia e a literatura cresceu largamente sendo conservada e produzidas nos grandes mosteiros medievais.

JE - Que recado o senhor deixaria aquelas pessoas que criticam a Igreja por ações do passado?

Não é justo e nem honesto julgar atos passados a partir dos conhecimentos e dados que temos hoje. Isto seria desonestidade histórica. Ninguém realmente honesto usaria desse recurso.

Entrevista - Elias Feitosa de Amorim Jr

Entrevista - Elias Feitosa de Amorim Jr.



Formado pela USP e Coordenador Cultural do Cursinho da Poli, em São Paulo, o historiador Elias Feitosa de Amorim Jr, em entrevista ao JE Informa, conta a história da Igreja Católica Romana.

Por Evelyn Cusnier
evelyn.cusnier@jeinforma.com
do JE em São Paulo


JE Informa- Como e onde surgiu a Igreja Católica Romana?

Elias Feitosa de Amorim Jr - A Igreja Católica Romana tem sua doutrina estruturada a partir dos ensinamentos de Jesus Cristo, os quais se encontram nos Evangelhos e integram junto com outros textos, o Novo Testamento que se somou ao Velho Testamento, este vindo da tradição judaica.

Após a morte de Jesus, por volta do ano 30 da era cristã, seus discípulos (os apóstolos) iniciaram um processo de divulgação da doutrina, seguindo as palavras de Jesus, segundo o Evangelho de Marcos: “Ide por todo o mundo, proclamai o Evangelho a toda criatura.”(Mc 16:15), sendo que aqueles que se converteram começaram a se organizar em pequenas comunidades (eklesia em grego significa assembleia e daí deriva a palavra Igreja), as quais foram perseguidas pelos romanos por mais de trezentos anos e esse momento infeliz gerou inúmeros massacres daqueles que foram se denominando cristãos.

Jesus é a forma latina de Yeshua ben Josef, que em hebraico significa Jesus, filho de José, sendo que Jesus se apresenta como o Messias, palavra que vem do hebraico massiah e significa Salvador. Como os Evangelhos foram escritos em grego, encontraremos a expressão Jesus Cristo, que vem de Christós e significa Salvador nesta língua.

Algumas pessoas acham estranho o fato dos Evangelhos e outros textos do Novo Testamento terem sido escritos em grego e não em hebraico ou aramaico, que eram as línguas faladas entre os habitantes da Judéia naquela época. No entanto, temos que observar a extensão da mensagem, isto é, a língua grega era a língua universal na região do Oriente Próximo em virtude da herança deixada pelo conquistador Alexandre Magno, o qual dominou a região e levou a cultura grega para lá, a qual se manteve mesmo com a dominação romana. Numa visão mais simples, poderíamos dizer que, de certa forma, o grego tinha o mesmo peso que o inglês tem hoje em nossa época, guardado as devidas proporções de cada momento.

Por fim, a origem da expressão Igreja Católica tem seu contexto na palavra grega kathólikos e significa “universal”, isto é, sem limites de fronteiras, domínios ou reinos e está presente onde o fiel estiver presente, proclamando a doutrina de Jesus.

Historicamente, o conceito de universalidade começou a se estruturar no século XI em virtude das disputas entre o poder temporal, representado pelo Sacro Império Germânico que se entendia como herdeiro do extinto Império Romano Ocidental e o poder espiritual representado pelo papa, líder da Igreja Cristã.

Mas, podemos apontar a ruptura entre os cristãos orientais e ocidentais como uma das principais tensões políticas dentro da Igreja Cristã, pois em 1054, os cristãos do oriente romperam com Roma e passaram a seguir o Patriarca de Constantinopla como seu líder, renegando a doutrina romana e a autoridade papal, denominando-se a partir de então Igreja Católica Apostólica Ortodoxa e aqueles que seguiam a doutrina e o papa em Roma ficaram como conhecidos Igreja Católica Apostólica Romana.

JE - No princípio da Igreja quais eram seus dogmas e objetivos?

O objetivo da Igreja Católica Romana é o mesmo até hoje: pregar a doutrina cristã pelo mundo, levando a Salvação a todos os homens. Dogma significa verdade absoluta revelada pelo poder divino e assim é incontestável. Podemos destacar o Dogma da Santíssima Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo) e o Dogma da Transubstanciação (no momento da Eucaristia, o pão se transforma em carne e o vinho em sangue).

JE - O Imperador Constantino foi o primeiro imperador romano a se converter ao cristianismo, neste caso o cristianismo é o catolicismo?

O imperador Constantino concedeu liberdade de culto aos cristãos e a todos os demais habitantes do império a partir do Édito de Milão em 313 d.C., garantindo assim a livre escolha da fé aos seus súditos, marcando um momento de paz com o fim das perseguições aos cristãos e a consequente proteção destes pelo poder imperial, mas não quer dizer que o cristianismo havia se tornado a religião oficial do Império, fato que ocorreu depois com o imperador Teodósio através do Édito de Tessalônica em 391 d.C.

Voltando ao Constantino, de fato ele foi o primeiro imperador que se converteu ao cristianismo e naquele momento, não se utilizava a denominação catolicismo. A conversão de Constantino é cercada de lendas, dentre elas, a promessa que teria feito ao “deus cristão” que se vencesse seu rival Maxêmio na Batalha de Ponte Mílvia.

O relato diz que ao se direcionar para o conflito, teria visto no céu uma Cruz, acompanhada da inscrição em latim “In hoc signo vinces”, que quer dizer, “Com este sinal vencerás”. Constantino adotou o símbolo visto para o seu exército, venceu a batalha e se converteu, em seguida, foi tomando medidas que amparavam os cristãos como a devolução de bens confiscados.

JE - Em que momento da história a Igreja Romana tornou-se detentora de bens?

Constantino fez doações à Igreja, mandou construir a 1ª basílica de São Pedro que fora substituída pela atual a partir da sua demolição e reconstrução em 1508. Quanto aos territórios, o rei franco Pepino, o Breve (751-771) venceu a tribo pagã dos lombardos e concedeu os territórios dos vencidos à Igreja e nesse contexto teria gerado uma farsa referente aos outros territórios, em virtude da confirmação de um documento chamado “Doação de Constantino”, o qual garantia a posse de terras na Itália e no Ocidente. Somente no século XV, a falsidade do documento foi descoberta por um letrado italiano chamado Lorenzo Valla, mas mesmo assim, as terras não foram devolvidas.

A mudança mais significativa foi com a Unificação italiana em 1871, quando os territórios da Igreja foram conquistados pelas tropas do rei Vitório Emanuel I, que era o rei do Piemonte e Sardenha e tendo derrubado a ocupação austríaca e francesa da península, se tornou o rei da Itália inteira. O papado formalmente não reconheceu esta situação, sendo que o papa Pio IX se considerava um “prisioneiro em Roma”.

Tal situação só foi resolvida com o Tratado de Latrão que criou o Estado do Vaticano em 1929, quando o ditador fascista Benito Mussolini concedeu o controle do antigo bairro cristão do vaticano, lugar onde estava a basílica de São Pedro e outras importantes construções da Igreja para a exclusiva autoridade do papal, o qual se tornaria o Chefe de Estado deste território, uma monarquia teocrática já que seu governante é visto como o “representante de Deus na Terra”.

JE - Qual foi a primeira aliança feita entre a Igreja e o Estado?

A partir do Édito de Tessalônica, houve uma sensível aproximação dos interesses do Império e da Igreja e mesmo com a divisão do império, as invasões bárbaras e a formação de novos reinos na Idade Média, a presença da Igreja Católica Romana junto aos assuntos políticos de diferentes lugares foi intensa. No entanto, fica difícil precisar qual teria sido a “primeira aliança”.

JE - Quando a Igreja começa a se expandir e se tornar uma religião popular?

A popularização do cristianismo vem desde a figura de Jesus e se expandiu ao longo dos séculos, com mais abertura num lugar, menos noutro, aceitação ou perseguição e várias disputas pelo entendimento do que seria a verdadeira fé ensinada por Jesus e daí, as disputas políticas, doutrinárias e as rupturas que conhecemos ao longo da história.

JE - Na sua opinião o fim do Império Romano e a Igreja assumir o papel das instituições públicas foi o motivo para o surgimento de fortes denúncias de corrupções?

A corrupção é uma falha do ser humano, portanto, qualquer instituição organizada pelo homem, independentemente de sua natureza, pode ter indivíduos que sejam corruptores e outros que por sua vez sejam corruptíveis. Ao analisar as denúncias em relação aos crimes cometidos por membros do clero, os fatores são vários e não podem ser tratados de maneira genérica. Todos os erros e abusos de poder não têm justificativas, mas não se pode criar um rótulo que “100% sejam corruptos e descomprometidos”, pois existiram e existem pessoas compromissadas com a doutrina cristã.

JE - Quem foi o primeiro papa?

Segundo a tradição cristã presente nos Evangelhos: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei minha igreja" (Mt 16:17-19) e assim atribuiu-se a Pedro a condição de 1º bispo de Roma e chefe da Igreja ( Sumo Pontífice) e posteriormente adotou-se o título papa( do latim papam, termo usado pelo imperador Teodósio) , cuja autoridade é respeitada em todo mundo católico romano.

JE - Você acha que a contra-reforma purificou a Igreja?

A Reforma protestante representou uma grande perda de terras, fiéis e impostos para a Igreja Católica, a qual precisou tomar uma série de medidas para a contenção deste processo e de sua recuperação, fenômeno que ficou conhecido como Contra-reforma.

A primeira medida foi a convocação do Concílio de Trento entre 1545 e 1563 com o objetivo de reorganizar a Igreja e estabelecer medidas a serem adotadas naquela situação de “guerra pelos rebanhos”. O concílio reafirmou os dogmas e teve como principais decisões a Reorganização do catecismo para o ensinamento da doutrina católica, a proibição da venda indulgências, a fundação de seminários para a educação e formação dos padres, a criação do Index Librorum prohibitorum [Lista dos livros proibidos] o fortalecimento do Tribunal da Santa Inquisição.

Dentro deste contexto, ocorreu o surgimento da Companhia de Jesus, fundada pelo basco Inácio de Loyola em 1534 , sendo uma organização religiosa de caráter militar com o controle das instituições de ensino na Europa, desempenhando o papel de braço armado da Igreja no Velho e Novo Mundo.

JE - A Idade Média é conhecida por muitos como período das trevas por ter estacionado em algumas áreas, o teocentrismo contribuiu para que não houvesse avanço em algumas partes da ciência?

Foi durante o Renascimento, termo vindo da palavra italiana renascitá, pois acreditava-se que o período anterior, a Idade Média, fora uma " espessa e longa noite gótica" imersa nas trevas e desprovida de cultura. Para os homens do século XV e XVI, a "verdadeira" cultura encontrava-se na Antiguidade, a qual foi banida e em seu lugar a Igreja estabeleceu o teocentrismo. O saber, portanto, encontrava-se nas artes e nos escritos clássicos.

A Igreja Católica deteve o monopólio cultural na Idade Média, tornando-se a guardiã do conhecimento no intuito de preservar seus interesses e garantir sua posição como incontestável. Dessa forma, incentivou a produção cultural que favorecesse seus objetivos, principalmente a reafirmação de seus dogmas e a supremacia do papado.

Um dos principais centros de cultura durante a Alta Idade Média foram os mosteiros e abadias, como os mosteiros de Cluny e Císter, os quais influenciaram muitos outros .Nestes locais realizavam-se estudos sobre a Bíblia, cópia de textos em pergaminhos e livros como também sua decoração com iluminuras. Outro importante trabalho dos monges eram as traduções de textos dos pensadores da Antigüidade, como Aristóteles, Platão, Sócrates, entre outros.

Durante os séculos XVIII e XIX, a imagem da “Idade das Trevas” foi fortalecida e prevaleceu até últimos 30 anos, quando medievalistas de vários países começaram a apresentar um conhecimento menos estigmatizado sobre o período medieval e principalmente, mostrar que houve muita cultura e desenvolvimento, os quais são utilizados até hoje, como por exemplo, as Universidades.

JE - Como eram usadas as indulgências e para que serviam?

As indulgências consistiam na venda de perdão dos pecados, tanto daqueles que estavam vivos como daqueles que estavam mortos e as almas destes “poderiam assim deixar o Purgatório e rumar para o Paraíso”. O objetivo de sua venda era arrecadar recursos para a igreja, como por exemplo, a construção da Basílica de são Pedro a partir de 1508, mas não temos como provar o real direcionamento destes recursos, que podem muitas vezes, terem sidos desviados para outros fins.

JE - Como a Igreja conseguiu restituir a imagem agressiva que deixou no passado voltando a ter credibilidade?

Desde o século XVIII com a Revolução Francesa e sua influência, o sentimento anti-clerical se espalhou por várias partes da Europa, enfraquecendo o poder da Igreja gradativamente. No século XIX, a perda de poder chegou aos países tradicionalmente católicos como Portugal, Espanha e Itália e ao mesmo tempo com as independências das colônias na América, houve também uma gradativa redução do poder que outrora a instituição teve.

Pode-se dizer que depois da II Guerra Mundial (1939-45), o papado procurou assumir uma postura muito mais interessada nos valores cristãos, condenando os abusos e desmandos, mas nem sempre foi uma atitude homogênea, pois o papa Pio XII(1939-59) ainda foi e é muito criticado pelo seu silêncio em relação às atrocidades nazistas. No entanto, outros dirigentes como João XXIII(1959-63), Paulo VI(1963-79) e João Paulo II(1979-2005) procuraram impor em seu discurso uma intensa defesa da cristandade e dos valores humanitários e reduziram em muito a postura intolerante do clero católico quanto às outras crenças, abrindo caminho para uma aproximação com diferentes religiões.

JE - Como você vê a atuação da Igreja no passado, as cruzadas, a inquisição, o index-lista de livros proibidos e pagamentos de indulgências. Existem pontos positivos da Igreja Ancestral que muitos desconhecem?

É inegável que a Igreja Católica cometeu erros, muitos de grande gravidade, porém os erros do passado não podem ser a única e exclusiva referência que devemos ter da instituição. A História serve justamente para tomarmos o conhecimento de tais eventos, dentro de um determinado processo histórico e naquele contexto, buscar a sua compreensão e nem por isso vamos deixar de lado e falar que “mas isso foi no passado e não vamos mais falar no assunto”.

A Igreja Católica Romana foi responsável por uma imensa contribuição artística, basta observarmos seus templos, museus e bibliotecas, bem como a cultura produzida em diferentes campos como a filosofia, pedagogia, música, matemática, entre outras áreas do saber.

A instituição “Igreja Católica Romana” pode ter cometido muitos erros no passado, mas apesar disso, centenas de pessoas ao longo dos séculos, dedicaram sua vida em ajudar o próximo, dentro do exemplo deixado por Jesus, fazendo que pobres tivessem assistência, doentes tivessem cuidado e que o bem fosse preservado, mesmo que representasse entregar a própria vida e não foram poucos que o fizeram.

domingo, 4 de outubro de 2009

Entrevista com Angelina Nunes

Entrevista com Angelina Nunes

Ela já passou por diversas redações no país, nos mais diferentes veículos de comunicação. Há quinze anos no jornal carioca O Globo, ela cooderna uma dos principais cadernos da publicação: Rio. Para falar da cidade e do trabalho da imprensa nas favelas do Rio de Janeiro, o JE Informa entrevistou Angelina Nunes que, além de dois prêmios Esso de Jornalismo, também preside a ABRAJI, Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo.

Por Fernando Galacine
galacine@jeinforma.com
editor do JE em São Paulo



JE Informa - Síndrome de Sherlock Holmes, de Super Herói... Isso, na maior parte dos casos, acontece por iniciativa de quem? Do veículo no qual o repórter trabalha ou do próprio jornalista?

Angelina Nunes - Acho que um pouco dos dois. Acontece quando o jornalista ou o chefe perdem a noção do que é um trabalho de profundidade que envolve mais pessoas. Hoje em dia a complexidade das apurações nos levam a formar equipes de profissionais com perfis diferenciados. Isso é ótimo. Uma delícia trabalhar assim, trocando informações, experiências. Infelizmente há uma cultura nas redações de competitividade ao extremo e isso leva ao culto dos Sherlocks da vida.

JE - A cidade do Rio de Janeiro não concentra números tão superiores de homicídios e outros tipos de violência do que qualquer outra metrópole brasileira, como São Paulo ou Belo Horizonte. Pra você, por que na imprensa nacional o Rio de Janeiro ganha tanto destaque no noticiário policial?


Acho que imprensa carioca não tem medo e falar dos próprios problemas, não esconde para debaixo do tapete a violência que infelizmente existe. Pela topografia da cidade do Rio de Janeiro, as favelas estão muito próximas, na maioria dos bairros. Nas outras cidades, a violência está na periferia, longe dos grandes centros. Então, acho que é natural que a gente coloque o que acontece na cidade nas páginas, discuta as soluções e cobre das autoridades um posicionamento. Em BH ou SP existem organizações criminosas muito fortes (o PCC é um exemplo disso). Acho que a pergunta é: porque a imprensa paulista e a mineira não colocam nas páginas as histórias que existem por trás das estatísticas de criminalidade?

JE - Comprar uma cobertura em áreas periféricas de grandes cidades brasileiras com uma cobertura de guerra é exagero?

Infelizmente não. Em algumas áreas da cidade vivendo um clima de guerra urbana, onde moradores são impedidos de saírem de casa, existe o toque de recolher, as pessoas são submetidas a regras específicas de grupos criminosos como não poder visitar um parente ou amigo em uma favela próxima porque a comunidade vizinha não pertence a mesma facção e são considerados alemão"(assim no singular mesmo), ou seja um inimigo. Não poder namorar um rapaz de outra favela, não poder sair a qualquer hora, isso não é uma rotina de uma cidade normal. Em algumas áreas da cidade há favelas muito violentas onde jovens morrem de balas perdidas diariamente. Os médicos nas emergências estão acostumados a atender pessoas com ferimentos de balas de alto potencial ofensivo, como nas guerras. É claro que o conceito clássico de guerra engloba outras coisas também. Então, como classificar uma cobertura policial onde o jornalista usa colete a prova de balas, carro blindado, só entra em favela no meio de uma operação policial se for num comboio ou nem entra e também discute internamente treinamento para saber como se comportar nesse tipo de situação e como avaliar o local onde fará uma reportagem. Eu diria que, infelizmente, vivemos num clima muito ruim. Apesar de algumas favelas estarem com unidades pacificadoras policiais (UPPs), ou seja, uma ocupação policial, a situação na maioria das favelas ainda não mudou e isso afeta diretamente a cobertura policial.

JE - Jornalistas que realizam coberturas em áreas sob o poder do crime dizem que não mostrar essa realidade de perto é o mesmo que aceitar uma imaginável censura imposta por criminosos, não investigando algo que precisa ser divulgado. Salientam ainda que, após a morte de Tim Lopes, a imprensa ficou ainda mais coagida. Até que ponto você concorda com essa ideia?


A morte do Tim foi um divisor de águas para os repórteres. Isso significou que o pouco respeito que os jornalistas tinham dentro de uma favela tinha terminado. Num primeiro momento houve uma reação contrária e começamos a discutir como seria feita a cobertura daquele instante em diante. Até hoje é um trauma para os repórteres. Não concordo com essa cantilena de que não mostramos a realidade. Mostramos sim. O diferencial é que agora avaliamos os riscos. Planejamos melhor a cobertura. É claro que a busca incansável pela audiência, principalmente com as televisões, mostra que os repórteres estão se expondo em demasia. Um risco desnecessário. Fingir que é alguém, tentar se misturar em favelas onde há grupos fortemente armados é loucura. Colocar um equipe dentro de uma favela sem ter um plano de escape, sem ter como fazer um resgate de emergência é arriscar o pescoço de quem está lá no meio das cobras sem defesa. Isso eu não concordo. Acho uma insensatez, ou melhor: falta de profissionalismo, amadorismo travestido de "pessoas destemidas"

JE - Jornalismo investigativo, fora de áreas consideradas críticas devido à violência, ainda gera riscos à segurança do jornalista hoje em dia? Uma jornalista como você sente-se segura para informar a sociedade sobre casos envolvendo políticos, por exemplo?

Sempre há o risco. Algumas ameaças são veladas. O que fazemos é procurar todos os meios possíveis para garantir a publicação (documentos, provas, registros) e gravar todas as entrevistas. O risco existe O que se faz é elaborar uma estratégia para minimizar o risco.

JE - Você acredita que informar siglas de organizações criminosas, ou mesmo entrevistar criminosos, presos ou em liberdade, enaltece o crime? Ouvir um traficante, por exemplo, é promover uma ‘pluralidade de opiniões’?

Durante minha vida profissional já ouvi muito bandido (comecei fazendo polícia em jornal) e realmente não me lembro de nenhum que tivesse algo a dizer que merecesse registro. Eu preciso ouvir as pessoas que são obrigadas a viver em comunidades onde a liberdade de expressão é um luxo que elas não têm direito. Prefiro ouvir as vítimas da violência e denunciar os abusos seja de bandidos ou autoridades.
A questão das siglas e facções é discutível. Cada veículo tem uma norma. O que realmente irrita são os apelidos dos bandidos m tal de inho para cá, inho pra lá. Sempre no diminutivo, como se fosse uma coisa carinhosa. Um desses inhos da bandidagem tinha matado mais de 30 pessoas, muitas crianças.


JE - Traficantes. Milicianos. Pra você, há diferenças entre esses dois tipos de poder em relação à sociedade? A imprensa faz distinção entre eles?

A imprensa faz distinção porque um tem a arma e a farda (estando na ativa ou não) e age como bandido, mas se organiza como empresa para explorar serviços nas favelas e ganhar rios de dinheiro. Esse tipo de atividade e atitude é típica da milícia, que diversifica os negócios Já os traficantes, em geral, se concentram na venda da droga, que já tem seu alto risco e nem tanto lucro como a milícial Tanto é assim que agora alguns traficantes estão também explorando serviços que a milícia fazia. Mas é bom lembrar que os dois são bandidos . Merecem ser presos e punidos pela justiça

JE - Na época dos Jogos Pan-Americanos os relatos de violência no Rio de Janeiro diminuíram. O que aconteceu, em sua opinião? A polícia agiu mais firmemente no período e a criminalidade, de fato, retrocedeu, ou a mídia decidiu não destacar o assunto?

Havia realmente um reforço maior na segurança, mais policiais. Percebo que isso acontece sempre que há um grande evento (visita de presidente , por exemplo. Aposto que em qualquer cidade os dias que antecedem a visita são dias de "faxina" social: retiram-se mendigos, camelôs e o policiamento é reforçado..

JE - O que mais lhe chamou a atenção durante a produção da série “Os brasileiros que ainda vivem na ditadura”? Houve algum aprendizado mais marcante?

As histórias eram chocantes e, mesmo sabendo o que acontece nas favelas dominadas por grupos organizados de criminalidade, cada dia era angustiante. Poder mostrar isso, que pessoas ainda viviam e vivem sem ter os direitos básicos garantidos foi gratificante. Trabalhar em equipe também me fez muito bem, conhecer novos parceiros para dividir matérias, ouvir pessoas, aceitar sugestões... Foi uma escola.

JE - A mídia, em conjunto com a sociedade, pode finalizar a violência? É algo alcançável? Ou minimizar é o que, por ora, pode ser feito?

Finalizar como? Acabar? Acho que a sociedade, as autoridades, a mídia podem discutir caminhos para reduzir a criminalidade nas cidades Acabar a violência é algo que não acredito. Isso depende do ser humano. Sempre houve violência em menor ou maior grau. Cada um fazendo sua parte já ajuda e muito.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Entrevista - Marcelo Torres

Viajante do mundo, o jornalista Marcelo Torres já percorreu diversos países em busca das mais diferentes reportagens, seja para mostrar os efeitos do aquecimento global no Kiribati ou as tradições árabes nas ruas estreitas de Teerã. Desde 2005 na equipe de jornalismo do SBT, o atual correspondente da emissora na Ingleterra já passou por grandes empresas jornalísticas como a britânica BBC e pela TV Globo, em Minas. Aventureiro assumido, o jornalista concedeu uma entrevista, em plenas férias no nordeste brasileiro, para o JE Informa sobre a sua viajem à Rússia, no começo do ano.



Por Egnaldo Lopes,
egnaldo@jeinforma.com
editor do JE em Goiânia

JE Informa - Qual a motivação para a série de reportagens na Rússia? É fácil ir ao país falar sobre o mesmo, já que tudo aparenta ser tão restrito e controlado pelo governo? Conte-nos como foi o trabalho de pré-produção para o desenvolvimento daquele trabalho.

Marcelo Torres - A Rússia não é necessariamente um país que persegue os jornalistas. No que depender de autorizações oficiais, tudo é sim muito difícil, mas faço a ressalva de que lá ninguém faz uma patrulha ideológica para saber do que o jornalista está falando, como acontece, por exemplo, no Irã ou na China. Quando eu tentei cobrir o aniversário do massacre de Beslan, há 3 anos, o governo só me deu visto para viajar depois que a data tinha passado. Dessa maneira, eu não iria ver nenhum protesto das mães contra o governo. Esse tipo de manobra acontece. Obviamente, é um país com muitas máfias também. Muitas a serviços de políticos. Esse é um cuidado a ser sempre levado em consideração. Na pré-produção, me empenhei em encontrar uma boa tradutora e em ler muito sobre o país. Foi minha quarta visita, então eu já tinha uma ideia do que ia encontrar pela frente.

JE - Você relatou em seu blog, sobre a série especial de reportagens para o SBT, uma situação em que, junto ao cinegrafista Azul Serra, encontrou, em decorrência da ação da polícia russa, certas dificuldades e aborrecimentos ao mostrar o lado pobre do país. Como se deu isso? Teve outros momentos de dificuldade para reportar as notícias na Rússia?

Isso foi uma vertente autoritária da polícia que presenciamos na rua. Disseram que não tínhamos autorização para filmar num mercado de rua. O mercado era todo aberto, mas, de acordo com eles, faltou autorização. Esse tipo de situação pode ocorrer em qualquer país, inclusive no Brasil. A diferença foi a forma truculenta com que fomos tratados, inclusive com policiais empurrando o cinegrafista. Policiais pagos pelo estado, mas que ali, claramente, estavam prestando serviços para um grupo privado. Moradores informaram que faz parte do esquema de corrupção ter esses "aparelhos" em alguns bairros e cidades menores.

JE - O maior desafio do jornalista naquele país é passar a verdade dos fatos, independente das limitações impostas pelo governo? Essas limitações são explícitas ou se restringem ao fato de ser a Rússia um país em que morrem jornalistas oposicionistas ao governo? É possível exercer a profissão em compromisso apenas com a verdade dos fatos?

Como disse antes, na Rússia é tudo muito sutil. Há jornais críticos ao governo e eles são "permitidos", mas, só no Novaya Gazeta, cinco foram assassinados nos últimos anos sem que o governo tenha se empenhado muito em esclarecer os casos. O governo também se esmerou em aumentar a influência em todos os canais de televisão e controla, além disso, os governos estaduais, que não são eleitos pelo voto do povo. Assim, as tevês regionais também acabam por seguir a linha do governo central. Existe jornalismo crítico, mas ele ficou acuado num canto.

JE - E quanto à falta de liberdade de expressão por parte da população em si? Você esteve em contato com várias pessoas e jornalistas russos, aqueles agradecidos por maior modernidade e estes queixosos da perseguição do governo Putin; o povo russo sabe e é conivente com esta limitação à informação? Não pôde perceber inquietude por parte da população que tem que ter autorização para se manifestar?

Acho que a maioria do povo não está muito incomodada. “O Putin põe comida na mesa”, foi o que eu ouvi de muitos. O povo russo passou por tantas décadas de repressão que parece ter desaprendido a criticar o governo. Muitos estão desencantados, desanimados, acham que não adianta protestar. É um povo que aprendeu a ser pragmático.

JE - Você pôde conhecer, em Ecateremburgo, o local em que foi morta a família do último czar russo, Nicolau II, que em São Petersburgo não permitiu manifestações populares, culminando no “domingo sangrento” em que várias pessoas foram mortas ao reivindicar melhores condições de vida e trabalho. Num país em que a população é quase na totalidade alfabetizada, foram tiradas lições em decorrência de acontecimentos históricos como este?

Acredito que hoje, a maioria da população lamente pelo assassinato da família. Mas se olharmos de perto, a história russa é cheia de episódios muito violentos, a começar pelos crimes perpretados pela própria família Romanov. Nicolau II era tipo como um pai afetuoso, mas um governante implacável com a oposição. Não saberia dizer se a Rússia aprendeu a lição. Acredito que o mundo moderno evoluiu e passou a entender cada vez mais que pena de morte não resolve nada. Isso não quer dizer que práticas cruéis não continuem a fazer parte da rotina do poder. E na Rússia, assim como no Brasil (vide nossas cadeias), acho que tudo isso persiste.

JE - Seja no império, no comunismo ou no capitalismo, a desigualdade social vem assolando o país durante séculos. Vê soluções para tal problema social?

Acho que instituições fortes e governo focado no crescimento podem resolver. Mas não será da noite para o dia num país que tem as instituições em frangalhos.

JE - Já esteve, mesmo pelo SBT, desenvolvendo várias outras reportagens especiais pelo mundo. Em comparação com os outros lugares em que esteve, a Rússia representou um desafio maior?

Não necessariamente. Minhas viagens ao Irã, Iraque e Afeganistão foram muito mais desafiadoras. Em Teerã, não conseguia dar dois passos na rua sem ser parado por policiais, que checavam o calhamaço de autorizações para poder filmar nas ruas. Mesmo na China, senti um ambiente muito mais hostil. A Rússia é um país de democracia intermediária. Não é tão democrático quanto o Brasil nem tão ditatorial quanto a China. Acho que se fôssemos fazer uma escala de democracia nos Brics, pela ordem, teríamos: Brasil, Índia, Rússia e China. Seriam os Birc...

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Bate Papo com Ana Paula Padrão

Bate-Papo com Ana Paula Padrão

Delicada, ela ainda conserva parte da postura dos tempos de bailarina. Para quem nunca a viu de perto é um susto vê-la levantar da bancada e perceber que uma das jornalistas mais respeitadas do país não faz o tipo mulherão de 1m80. Mesmo assim, Ana Paula Padrão já visitou lugares que minimamente exigem muito mais do que boa vontade em informar. Exigem coragem. Comçando a careira em Brasília, Ana Paula logo reportou de lugares muito mais hostis do que os arredores do Congresso. Kosovo, Afeganistão, Oriente Médio. A jornalista foi longe quando o assunto é a informação em lugares nada convencionais. Na entrevista ao JE Informa, Ana Paula Padrão conta sobre sua passagem pela Coreia do Norte como uma das duas únicas jornalistas brasileiras a entrar o país mais fechado do mundo.


Ana Paula Padrão com um militar norte-coreano, em 2005 / Arquivo Pessoal


Por Fernando Galacine
galacine@jeinforma.com
Editor do JE em São Paulo


JE Informa - Lendo os relatos da Christiane Amanpour e até relembrando as suas reportagens na Coreia do Norte, dá para perceber que a sociedade do país é muito fixamente dirigida, muito bem orquestrada. Você já foi a inúmeros locais de conflitos no planeta como o Afeganistão e o Kosovo. Com essa base, dá pra se falar propriamente em riscos quando o assunto é reportagem na Coreia do Norte?

Ana Paula Padrão - Sim, sem dúvida! É claro que não são riscos de bala perdida, tiroteios, homens-bombas, mas é um risco pelo monitoramento. O processo para que eu entrasse na Coreia do Norte foi a obtenção do visto para a ida da equipe ao país, formada pela produtora, pelo cinegrafista e por mim. É claro que muitos outros repórteres já haviam entrado como turistas, mas eu queria entrar como jornalista, dizendo exatamente o que estava indo fazer lá. Fui com o visto do governo. Quando chegamos ao aeroporto o nosso check-in já havia sido feito e ainda lá eles confiscaram os nossos celulares, as nossas passagens de volta e os nossos passaportes. Eu contestei. Disse que o passaporte era o único documento que me garantiria liberdade, que provaria que era brasileira... Era a maneira que eles encontraram para que você, por exemplo, não saísse de carro filmando, mostrando tudo sem a presença deles...

JE - Chegou a alterar o cronograma das suas reportagens esse acontecimento?

Não, não chegou a alterar. Quando você manifesta interesse em fazer uma reportagem num país como a Coreia do Norte você tem que enviar uma lista de pedidos, dizendo o que pretende abordar na sua visita. Eles atenderam parcialmente a minha. Eu quis, por exemplo, ir até a fronteira com a Coreia do Sul. Eles permitiram, mas solicitei para ir às cidades do interior do país. Não me permitiram. Pedi uma entrevista com representantes do governo, também não fui atendida. Perguntei sobre entrevistar a população, falar com as poucas pessoas que passavam pelas ruas, novamente não me atenderam.

Enfim, queria mostrar inúmeras coisas, como os mercados ilegais que acontecem na casa das pessoas, porque não existem mercados no país, mas não consegui. Os jornalistas que visitam o país acabam fazendo um mesmo tour pelas praças, por alguns pontos da cidade, pelas estátuas, monumentos... Inclusive, você é obrigado por eles a depositar flores no monumento dedicado ao líder Kim Il-sung!...

O que acontece é que eles escondem muito a verdade. No hotel em que eu estava, a energia elétrica caía diariamente por volta das 20h. Comentei isso com um dos guias e ele foi enfático: disse que não havia problemas com o sistema de energia do país, que aquilo era apenas um pequeno transtorno. Perguntei a ele se o país fazia algo para consertar a situação e ele novamente insistia que não havia problema algum, que a rede elétrica era muito moderna e que o país estava construindo incontables usinas elétricas. Incontables, porque esses guias falavam perfeitamente o espanhol e por isso mesmo eles entendiam perfeitamente tudo o que conversávamos e o que gravávamos nas passagens de vídeo para as matérias. Numa certa vez eu estava numa praça em Pyongyang, falando sobre os monumentos, sobre a rica arquitetura da escola soviética... Quando os guias ouviram a palavra ‘soviética’ eles mandaram a gente parar a gravação imediamente e disseram que veriam todo o material gravado até aquele momento para poderem apagá-los. Eu protestei, reclamei, mas como eles entendem de tecnologia bem menos que nós, demos um jeito de manter uma cópia daquela gravação conosco.


JE - Já que você falou sobre essa clara tentativa de censura, você chegou a ter contato com imprensa da Coreia do Norte? Há pluralidade, algo parecido...?

Imprensa?... [risos]


JE - Sim, claro, se ela existir...

Não existe pluralidade na imprensa da Coreia do Norte. Existe apenas um canal de televisão, estatal logicamente. Cheguei a assistir pequenos trechos da programação e é quase exclusivamente uma agenda do governo naquele dia. Existem algumas emissoras de rádio, alguns poucos jornais, o Pyongyang Times... Tudo, absolutamente tudo na Coreia do Norte é do governo. Não existe instituição privada no país. Meios de comunicação, empresas e até mesmo o hotel no qual fiquei eram públicos.


JE - Você disse que seu celular foi retido logo no aeroporto. Então você e a equipe ficaram isolados enquanto estiveram na Coreia do Norte...

Havia um telefone no hotel. Assim que cheguei, eles perguntaram se eu falaria com alguém durante o período que ficaria por lá. Eu disse que sim, que iria falar com o meu marido e eles me pediram os números de telefone dele. Eu falei com o meu marido duas vezes... É parecido com aquelas ligações via telefonista num Brasil dos anos cinquenta, sessenta. Eu dizia que queria falar com o meu marido, eles passavam e os guias ficavam ali perto, sentados num banquinho... Não cheguei a perceber, mas acredito que eles tenham conferido a minha conversa.


JE - Não é exagero falar que você poderia ter sido presa em qualquer momento da viagem, por qualquer motivo, ainda mais com comunicação restrita, sem passaporte... Havia algum plano alternativo, alguém que pudesse ajudá-la?

Quando cheguei à Coreia do Norte avisei todas as ONG’s presentes no país, assim também como a ONU, que eu estava lá. O Itamaraty também foi avisado da minha ida. Inclusive, no último dia da nossa estada na Coreia do Norte fomos visitados em nosso hotel por um representante da ajuda humanitária da ONU. No entanto, foi uma situação constrangedora. Como estávamos nos quartos, prestes a descer, os nossos guias o receberam antes, mas o trataram muito mal, perguntando o porquê da ida dele ao hotel. Quando descemos, dissemos aos guias que ele era um conterrâneo nosso, que estava fazendo um trabalho de ajuda na região e que conversaríamos com ele no bar do hotel. Ficamos em uma mesa e os guias, desconfiados, em outra, ao lado, ouvindo tudo.


JE - Como foi o processo para a entrada na Coreia do Norte?

Nós conseguimos o visto do governo norte-coreano após um ano de tentativas, o que é relativamente pouco, comparado ao processo de obtenção de vistos por outros jornalistas. O pedido para o visto já estava encaminhado em outras representações diplomáticas da Coreia do Norte no exterior. Quando o governo de Pyongyang abriu uma representação em Brasília, juntamos todos esses pedidos e demos entrada para o visto ser obtido por aqui. Durante esse período, fui a Brasília umas três vezes por semana resolver também outras documentações relativas ao Itamaraty. Eu e a minha equipe fomos os primeiros aqui no Brasil a ter esse tipo de concessão e depois de nós ainda ninguém viajou para a Coreia do Norte com o visto de jornalista reconhecido por Pyongyang.


JE - Sobre a população norte-coreana. Você conseguiu perceber, nesse período que ficou no país, uma vontade de revolução por parte da sociedade? Ou eles ficaram, de certa forma, alienados pelo isolamento?

A primeira sensação que você tem ao chegar à Coreia do Norte é que você voltou no tempo. As ruas, a mínima quantidade de pessoas circulando até mesmo nos grandes centros urbanos, como Pyongyang, faz tudo parecer muito organizado, muito artificial. Você se sente numa verdadeira cidade cenográfica. Fomos ao estádio numa época de comemorações e os ensaios para a festa são milimetricamente ensaiados, organizados.

É complicado explicar essa população. Eles continuam numa situação idêntica a décadas primeiro pela falta de informação. Não há acesso a qualquer tipo de informação que não passe pelo filtro do governo. Nada. Não há jornais, não há emissoras de TV, até mesmo o dial dos rádios vem fixado numa única estação. Fixado para você nem sequer conseguir tentar sintonizar uma rádio de ondas curtas que poderia captar algum sinal de fora do país. Como há esse filtro do governo norte-coreano na informação que chega à população, a notícia tem a forma que eles quiserem. A Coreia do Sul para os norte-coreanos, por exemplo, é um lugar onde só há quadrilhas, gângsteres, prostituas... Todo mundo que vai para lá é obrigado a se prostituir... Eles [os norte-coreanos] não têm acesso a nada e nem mesmo meios de passar a informação se quisessem.

Recentemente, um cidadão norte-coreano, ao que parece, conseguiu um celular na fronteira com a China e filmou um espancamento numa praça na Coreia do Norte e soltou as imagens, também enviando-as pela fronteira com a China. É um vídeo curtinho, foi parar até na CNN. Mas são exceções. Para os norte-coreanos falta muita coisa. E a fome, que toda a população passa constantemente é um fator que não deve ser esquecido. Com a fome há poucos meios para revoltas. O organismo perde a capacidade de reação. Os guias quando nos levavam para comer, em restaurantes sempre vazios, como toda a cidade, comiam feito desesperados. Eles agarravam aquela chance de nos levar para almoçar e jantar como uma oportunidade para alimentarem-se bem. Como disse, lá é tudo muito artificial.

Uma certa vez eu presenciei uma ponte ruindo, desabando. Apontei a ponte para o guia, dizendo: “Veja, a ponte caiu!’ ele me respondeu. “Não, ela não caiu”. Eu afirmei novamente: “Sim, ela caiu. Eu vi!”e ele continuou negando. Se você está vendo algo vermelho, eles dizem que, na verdade, o que você está vendo é branco...


JE - Você pode contar, traduzir, o que é ter uma experiência jornalística na Coreia do Norte?

Não é bem uma experiência jornalística. Eu tentei fazer o melhor possível. E acho que consegui um material muito razoável, justamente por estar sendo vigiada por três guias que se revezavam dia e noite... É claro que não conseguimos mostrar a realidade. Ir à Coreia do Norte é diferente de ir a qualquer outro lugar no qual você pode conversar com a população, ver os seus problemas, visitar o interior, ver o que falta para cada um deles.

A Coreia do Norte é um país de extrema idolatração. Chega a ser artificial. Você não pode, por exemplo, dizer que Kim Il-Sung morreu. É proibido. Eu perguntei: “Mas como assim não morreu? O homem está morto!” Os guias me disseram que ele estará sempre vivo em seus corações! Nisso, eu pedi aos guias para visitar um monumento, um cartaz _agora não me lembro_ de Kim Il-Sung e eles me perguntaram o porquê. Eu respondi que era para mostrar como os norte-coreanos amavam aquele líder, como gostavam dele, o idolatravam. E realmente fiz isso. Comecei a gravar em frente ao cartaz dizendo que o homem era isso, era aquilo... Rasgando mil elogios. Os guias ficaram eufóricos, entusiasmadíssimos ao ouvirem a passagem. Eles não perceberam a minha ironia.

Tive que gravar muitos materiais assim, utilizando ironias. Depois, aqui no Brasil, é que encaixava tudo em seu devido contexto. Detesto ‘Operação Kamikaze’, sair comprando briga com todo mundo e 48 horas depois ter todo meu material confiscado, sem poder mostrar nada do que eu queria. Eu prefiro ter as condições de divulgar um material razoável, mostrar, pelo menos um pouco, as condições de vida num lugar como aquele.

Bate-Papo com Marcus Batista

Marcus Antônio Teodoro Batista, pós-graduado pela FGV-RJ em Administração Financeira e Master Business Administration em Finanças pela UFRJ, Mestre em Agribusiness pela UFG/UNB/UFMT, professor da UNIVERSO-Goiânia, autor de ‘Erros e Acertos na Gestão do Dinheiro’ (Kelps).

Por Egnaldo Lopes
egnaldo@jeinforma.com
Editor do JE em Goiânia

JE - O ânimo dos investidores é momentâneo ou realmente não há projeções para um agravamento na situação econômica do país?

Marcus Batista – No mercado atual, existem alguns acreditando que o mercado está
muito eufórico e que o melhor agora é cautela, existe outra corrente que acredita que o mercado pode se valorizar muito ainda em curto período de tempo. Pessoalmente, acho que o mercado deve ter ainda muita volatilidade e o melhor a fazer é diversificar o investimento com bons papéis e sempre acompanhar as informações do mercado, pois desta forma pode-se vender com lucro e, entrar novamente comprando com a queda para buscar novos lucros no curto prazo.”

JE - Um ano agitado como será 2010, com eleições presidenciais, pode ser um empecilho para se investir em compra e vendas de ações na bolsa de valores?

M.B. - A política pode interferir no mercado de forma positiva ou negativa. Como a gestão do atual governo não é mais novidade para o mercado, acredito que se houverem interferências negativas será no curto prazo, pois o mercado já está acostumado com a gestão do PT no Palácio do Planalto.

JE - Qual o melhor caminho para quem não quer arriscar aplicar o dinheiro na compra de ações na Bovespa?

M.B. - Isto vai depender do valor que vai investir e do perfil de cada investidor. No mercado atual existem boas estratégias no mercado de derivativos com ganho mensal médio de 2% e, que já se faz o hedge de alta no momento da operação (operação travada). Quem quiser investir pode começar com no mínimo R$ 5 mil (detalhe investe-se em cias sólidas como Petrobrás, Vale e outras).

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Bate Papo com Adriana Carranca

Bate Papo com Adriana Carranca

Vistos Irã e Afeganistão já carimbaram o passaporte de Adriana Carranca, jornalista d' O Estado de S. Paulo. Visitando países onde o preconceito contra a mulher é enorme, a repórter do jornal paulista fala com exclusividade sobre sua viagem ao Afeganistão, no ano passado, e que originou entre cadernos especiais e inúmeras palestras sobre o assunto uma exposição de fotos que retratam as duras paisagens de um Outuno em Cabul.


Adriana Carranca, no deserto do Afeganistão


Por Egnaldo Lopes,
editor do JE em Goiânia

JE Informa - Você escreveu, quando no Afeganistão, que já às 21h, não havia mais ninguém nas ruas de Cabul. Chegar e permanecer no país são façanhas realmente tão difíceis quanto parece?

Adriana Carranca - Cabul é a capital afegã, cidade de 4 milhões de habitantes, que concentra também todas as embaixadas, escritórios das Nações Unidas, agências de notícias. Então, essa efervescência toda dá aos visitantes uma certa sensação de segurança. Mas, é claro, é uma sensação falsa porque estamos em um país em guerra. E os cuidados a serem tomados se estendem a toda a população, pois são os afegãos que mais sofrem com esse conflito e com as conseqüências dele, como seqüestros (não apenas pelos taleban, mas motivados pelo dinheiro do resgate, como no Brasil), atentados à bomba etc. Então, à noite, realmente as pessoas se refugiam em casa.

Há muitos guardas nas ruas e eles fazem bloqueios para vistoriar os carros em busca de armas e bombas, então, isso é outro fator limitante. Mas, não é só a violência que mantém os afegãos em casa. É também a pobreza. O transporte público é caótico, a maioria não tem carro, o abastecimento de energia elétrica é quase nulo – quando eu estava em Cabul, só havia luz durante 4 horas a cada dois dias – e não há muito com o que se divertir em um país em guerra.

Cabul tem alguns poucos restaurantes, inacessíveis para a maioria, e lanchonetes mais simples onde os afegãos podem comprar comida para levar para casa. As pessoas não estão nem mesmo com espírito para diversão. Quando há ataques terroristas (houve dois em Cabul, quando eu estava lá), a cidade se recolhe ainda mais cedo, e as pessoas parecem assustadas e tristes. Sobre como chegar lá, as companhias internacionais cancelaram seus vôos para Cabul por causa da guerra. A única que continua tendo vôos regulares é a indiana AirIndia, que sai de Nova Déli. A outra alternativa é utilizar as companhias afegãs, saindo de Dubai.


JE - Do ponto de vista jornalístico, a imagem de um povo sofrido e ignorante em relação às reais motivações de tantos conflitos reflete mesmo a realidade?

Claro que reflete. A realidade é aquela. Quem está sofrendo com os conflitos são o povo afegão. O que não reflete a realidade é dizer que este conflito foi motivado pelo sofrimento deles. Isso, é claro, não é verdade. Mas, não acho que a mídia tenha dado essa impressão. O Estado, por exemplo, dá em suas matérias foco para a política internacional e mesmo a imprensa americana já não compra mais a ideia de uma guerra por democracia ou qualquer coisa assim nem no Iraque. Bem, no Afeganistão nunca se disse que essa era a motivação.

A guerra lá foi iniciada após o 11 de setembro para caçar Osama Bin Laden. O que a imprensa ainda não conseguiu esclarecer, e nem os afegãos entendem, é como as mais de 40 nações desenvolvidas, ricas e com armamento de primeira não conseguiram até agora vencer essa guerra contra os taleban. As forças de coalizão caíram em descrédito e seu aliado governo é acusado de corrupção endêmica. Outro fator é que, por muitos anos, e até agora, a ofensiva só teve foco na luta armada e não na aproximação com o povo afegão e muito menos nos esforços de reconstrução do país como prometido. O Afeganistão continua miserável, como mais de 70% da população analfabeta.

As forças estrangeiras estão lá há oito longos anos. É o tempo da formação básica de uma criança. Por que não fizeram isso? Por que as ruas de Cabul, a capital, continuam esburacadas, porque a população segue sem acesso a água (água!), saneamento básico, energia elétrica? Por que a produção de papoula (matéria-prima para a heroína) explodiu desde a invasão americana? Quanto dinheiro foi gasto e para que? Para nada, por enquanto! Hoje, a situação dos afegãos é muito pior do que nos tempos do taleban, porque alem de toda a miséria que já estava lá, a violência é maior, sem dúvida. É uma guerra. E ainda há muitas questões para serem respondidas sobre ela.


JE - Como é o trabalho da mídia, pelo que pôde perceber? O povo afegão tem toda a informação no que se refere aos fatos, bem como reflexões variadas e imparciais a respeito?

Os jornalistas afegãos têm, sim, acesso a todas as informações, porque hoje em dia há muitos trabalhando para as agências e veículos internacionais, como Reuters, BBC, CNN etc. Com a escalada da violência, as empresas de comunicação procuram manter o menor numero possível de jornalistas estrangeiros no país, o que é bom para os afegãos porque lhes garante emprego. Pelo menos, isso. Agora, o povo afegão, em geral, não tem acesso a nada. Existe muita retórica sobre a defesa disso e daquilo, a violência contra a mulher...

Você quer maior violência contra a mulher do que ter 82% da população feminina analfabeta? Por que isso ocorre? Porque não tem escola – eu visitei uma das maiores escolas só para meninas em Cabul (aliás, como já foram nossas escolas católicas) e vi as alunas estudando em tendas, num pátio aberto. Outro motivo: os maridos são ignorantes, não tiveram também eles acesso a estudo, não têm nem luz em casa, como podemos apontar o dedo para eles? São homens tribais, que não conhecem nada do mundo lá fora e são analfabetos também.

Enquanto os estrangeiros estão lá fazendo uma guerra contra um inimigo que ninguém mais sabe quem ou o que é, os afegãos ainda travam uma batalha diária simplesmente para ter o que comer. A expectativa de vida no país é de 40 anos.


JE - Vê soluções para os conflitos e, consequentemente, toda a precariedade que sofre população?

A reconstrução do país teria sido um caminho, eu acho. Levar ao povo infra-estrutura, escolas, assistência à saúde, qualidade de vida, a possibilidade de troca entre culturas, emprego. Até os taleban se renderiam aos benefícios. Porque, veja, quem são os taleban? São filhos de refugiados do regime soviético retirados de suas famílias e criados isoladamente em escolas religiosas. Essas pobres crianças são, hoje, os temidos líderes dos taleban!

E os outros, abaixo deles, são apenas homens miseráveis, que não conhecem nada do mundo e se juntam aos taleban ou por vingança (há muitos casos de militantes que se uniram às forças de resistência, como os americanos chamam o grupo, porque perderam parentes queridos em bombardeios promovidos pelas forças internacionais), ou por ideologia (quanto menos educação um povo tem, mais espaço terão para ideologias), ou por trabalho (os taleban pagam salário aos combatentes e, por que não se unir a eles se, do outro lado, as forças internacionais não trouxeram benefício algum, melhora alguma para a vida deles?) ou por falta de alternativa.

Os taleban recrutam pessoas nas províncias. Se eles dizem não, são considerados inimigos dos radicais islâmicos; se dizem sim, tornam-se alvo das forças internacionais. Os afegãos estão no meio do fogo cruzado sem ter para onde fugir.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Bate-papo com Marcos Losekann

Correspondente internacional da TV Globo há quase 10 anos e hoje coordenador do escritório da emissora em Londres, Marcos Losekann é um dos poucos repórteres brasileiros que se deslocam com frequência aos mais distantes pontos do planeta. Em 2006, como correspondente no Oriente Médio, o jornlista realizou a cobertura dos conflitos entre o exército israelense e o grupo libanês Hizbollah, muitas vezes pertíssimo do front de batalha.

Na entrevista, Marcos descreve seu sequestro no Líbano, suas crenças de paz na região e ainda relembra sua experiência jornalística, anos antes, na Amazônia.


Marcos Losekann, em Jerusalém/Arquivo Pessoal
editor do JE em São Paulo

JE - Você conta no seu livro, O Ronco da Pororoca, diversas situações nas quais foi perseguido enquanto era o correspondente da Globo na Amazônia, como o caso do ex-governador Ottomar Pinto, ou até antes, quando foi perseguido pela força aérea venezuelana ao cobrir um abate de um avião de garimpeiros. Essas situações representaram um risco maior do que as situações que você viveu como correspondente no Oriente Médio?

Marcos Losekann - Eu costumo dizer que mesmo em áreas de conflito, cobrindo uma guerra, por exemplo, eu jamais vivi perigo maior do que vivem os colegas que cobrem um tiroteio num morro do Rio ou na periferia de São Paulo, de Brasília, de Belo Horizonte, etc.

É evidente que a cobertura de uma guerra, bem como da intifada (a revolta do Palestinos pela ocupação Israelense) gera uma exposição muito grande do profissional (jornalista) ao perigo, mas pelo menos numa região de conflito a gente sabe onde está esse ‘’perigo’’, sabe quem está atirando em quem... No morro ou na periferia, e até mesmo nas ruas centrais das grandes cidades brasileiras, infelizmente há balas perdidas – tão ou mais perigosas, tão ou mais fatais do que os mísseis e os homens-bomba.

Na Amazônia era muito diferente, lá eu sofria ameaças, recebia ‘’recados’’, era ‘’avisado’’ para não me meter nisso ou naquilo... Lá ainda reinam os jagunços, os matadores de aluguel... Esses eram os ‘’perigos’’. Mas, sinceramente, jornalista que não sabe lidar com esse tipo de empecilho, digamos assim, está na profissão errada. Ou seja, faz parte...

JE - Ainda nessa questão, é possível afirmar que na Amazônia os interesses que motivam repressão da imprensa são quase todos de origem pessoal enquanto no Oriente Médio são, em sua maioria, ideológico-religiosos? Tem como comparar ou hierarquizar qualquer tipo de coação ao trabalho jornalístico?

- Como eu digo no fim da resposta anterior, o ‘’perigo’’ numa região como a Amazônia, muitas vezes ‘’terra de ninguém’’, é a falta de lei, a falta do poder público, a ausência da ordem constituída. Isso gera uma situação de absoluto descontrole e vira um faroeste. O jornalista, cumprindo seu papel, denuncia um determinado crime e sofre a ameaça de ser espancado ou mesmo morto por ter feito a denúncia. Geralmente a ameaça vem antes do ato, em si. Querem, com as ameaças, intimidar... tentar evitar a série de denúncias e assim por diante.

E a ação contra o jornalista, de fato, geralmente só ocorre SE e QUANDO as denúncias se repetem... mas isso é raro, geralmente fica mais no plano da ameaça, principalmente se por trás do jornalista está uma companhia, uma empresa jornalística grande, forte (poderosa), pois todos sabem que não adianta eliminar um jornalista porque logo haverá outro (s) pra darem continuidade àquele assunto que originou a agressão.

No Oriente Médio a perseguição é totalmente ligada a ideologia. Regimes fechados, como o do Iran com seus Aiatolás, não toleram críticas, não toleram a imprensa estrangeira, não aceitam um olhar de fora... E, ao primeiro impasse, eles decidem banir a presença de correspondentes. Já os terroristas, esses partem pra agressão, mesmo. Geralmente sequestram jornalistas para exigir alguma vantagem em troca ou os executam (como aconteceu recentemente no Iraque) para exibir força. Não é fácil, mas é um jornalismo necessário, mesmo nessas áreas perigosas.

JE - O que aconteceu durante as horas que você passou sob a mira do Hizbollah? O que eles queriam saber sobre você, que perguntas chamaram sua atenção?

- Ficamos 5 horas e 10 minutos, eu, um cinegrafista e um produtor (libanes) sendo interrogados em salas fechadas, isolados uns dos outros, e sendo removidos – de tempos em tempos – para outro local, sempre em carros com cortinas negras nas janelas para que não pudéssemos saber para onde estávamos indo. Eles amedrontavam a gente com suas armas e caras de poucos amigos. E faziam perguntas que tentavam buscar alguma conspiração por trás da nossa real intenção que era fazer uma reportagem sobre uma lanchonete temática, cujo tema é justamente o terrorismo e a violência (tema, diga-se, de caráter duvidoso e de extremo mau gosto, não?).

De tempos em tempos vinha outro militante para interrogar, fazia as mesmas perguntas, depois saia – provavelmente para conferir com as respostas dos meus colegas, que estavam em outras salas. Eles perguntavam, sobretudo, sobre nosso posicionamento ideológico, certamente tentando traçar uma relação entre nós, nosso trabalho e eventual política do ‘’inimigo’’, no caso ISRAEL. Eu temia que se escrevessem meu nome no google, eles poderiam descobrir que fui correspondente em Israel e a situação, pro meu lado, poderia se complicar. Sou cristão, não sou nem muçulmano e nem judeu.

Por isso, também, fui escolhido para abrir a base da Globo no Oriente Médio, ou seja, alguém de convicção religiosa neutra. Mas, os caras desconfiam de tudo e de todos... daí o nosso temor durante aquelas 5 horas e 10 minutos de ‘’sufoco’’. Felizmente, tudo acabou bem.

JE - Você disse, em entrevistas, que já se considerava morto pelo grupo. Pra você, o que pode ter feito, então, o Hizbollah mudar de ideia?

- Eu me considerava morto porque achava que eles descobririam que fui correspondente em solo israelense. Todo jornalista sabe que para cobrir o oriente médio é preciso ter DOIS passaportes, um somente para Israel e um para o resto do mundo, pois no mundo árabe as autoridades não permitem o ingresso no país deles se houver qualquer visto israelense no passaporte. Tanto que eu tinha dois passaportes brasileiros (além do Inglês, nacionalidade que adquiri pelo tempo que já vivi na Inglaterra), sendo que um era para exercer minhas atividades em Israel. O outro, pra circular pelo mundo árabe.

Portanto, acho que o Hizbollah mudou de idéia, e nos soltou depois de 5 horas e pouco de interrogatório, porque não descobriram essa minha passagem por Israel, e porque, afinal de contas, perceberam que éramos inofensivos à causa deles.

JE - Também em entrevistas você disse que sua credencial de imprensa emitida pelo governo libanês de nada valia para o Hizbollah, porque o grupo é uma ‘força dentro de outra força’. Pra você isso é comparável ao que acontece com traficantes, milícias, em grandes cidades do Brasil?

- Sim, a comparação faz sentido, sim. A diferença é que lá no Oriente Médio, especialmente no Líbano, as milícias – tipo Hizbolah, Hamaz, Brigadas de Mártires de Al-Aqsa, etc – são partidos políticos também... E geralmente os militantes não são anônimos, não se escondem, não são bandidos propriamente ditos. Eles acreditam lutar por uma ‘’causa’’, seja essa causa discutível ou não... Já no Brasil, tratam-se de traficantes, de ladrões de banco, de assassinos ligados ao crime organizado. São desordens semelhantes, mas com diferenças vitais.

JE - Jornalistas com trabalho no exterior costumam dizer que ser brasileiro facilita algumas reportagens ao redor do mundo, no próprio sentido da maior liberdade. No Brasil, há algum facilitador para o trabalho da nossa imprensa? Em sua opinião, a liberdade de expressão, ou a segurança para a prática do jornalismo em nosso país encontra comparativos ao redor do mundo?

- Evidentemente que ser jornalista oriundo de um país historicamente de paz ajuda, e ajuda muito. Somos vistos pelo nosso futebol, pela nossa simpatia, pelo nosso espírito de paz... desse modo, somos logo tidos como amigos. É diferente, por exemplo, de um jornalista americano ou inglês, cujos países de origem vivem metidos em guerras e polêmicas políticas. Esses geralmente sofrem mais para trabalhar em áreas de conflito, justamente porque seus países certamente estão dando pitacos nesses conflitos...

O jornalista brasileiro, não. Para nós, o caminho é sempre mais livre. Mas isso não significa que a liberdade de expressão que conquistamos no Brasil vai junto na mala quando viajamos para uma área de conflito, pois a lei do país em que estamos é a lei que vale. Ou seja, se estamos num país fechado, no Iran por exemplo, estaremos sujeitos às leis iranianas. Veja que recentemente, para cobrir as eleições iranianas e suas consequências (protestos nas ruas, mortes, etc) nós, da Globo, não conseguimos visto. Simplesmente nos foi negado pelo governo iraniano.

JE - Houve alguma situação, ao longo da sua carreira, em que medindo os riscos, você já mudou as pautas de suas matérias, deixou de fazê-las?

- Não, certamente não. O que aconteceu muitas vezes foi que, na impossibilidade de entrar num determinado país, fizemos a cobertura do país vizinho com apoio de informações e imagens de agências, mas não foi necessário mudar a pauta ou desistir dela. No máximo, adaptar a pauta para ‘’caber’’ nas novas circunstâncias, jamais desistir. Comigo nunca aconteceu.

JE - Você voltou a Londres. Qual foi o motivo?

- Simples! Eu fui à Jerusalém, ser o correspondente no Oriente Médio, para um período incialmente previsto de dois anos. Eu já estava lá havia 3 anos. E ficaria mais 3 ou 5 se assim exigissem as circunstâncias (interesse da empresa, adaptação da minha família, etc...). Só que na nossa profissão, e ainda mais trabalhando para uma grande empresa como a Globo, as coisas não são estáticas. Além disso, eu não sou israelense, não sou judeu ou muçulmano. Portanto, embora me sentisse em casa naquela região, embora fosse cercado de bons amigos nas duas trincheiras do conflito, embora eu estivesse adaptado e minha família também, eu estava lá de passagem, por um período... e disso jamais me esqueci.

Ao mesmo tempo, as coisas continuaram acontecendo na empresa, entre elas a decisão do meu colega Marcos Uchoa, que chefiava o escritório da Globo em Londres, de retornar ao Brasil depois de 10 anos aqui. Essa decisão levou a direção da Globo, naturalmente, a procurar uma forma de cobrir a vacância do cargo. Eu tinha a experiência já sedimentada como correspondente no exterior e, principalmente, na Europa (pois havia trabalhado 4 anos em Londres antes de ir à Jerusalém), além de possuir nacionalidade britânica...

Por tudo isso e muito mais, a direção me convidou para assumir a coordenação do escritório da TV Globo na Europa, baseado em Londres. Tratava-se de uma nítida promoção, pois nem se compara ser o repórter de uma sucursal com a coordenação de um escritório como o de Londres. Aceitei, pois achei que era hora. Foi simplesmente isso.

JE -A reeleição do Mahmoud Ahmadinejad, no Irã, pode desencadear novos conflitos envolvendo Israel? O diálogo, pra você, continua sendo o investimento mais seguro em longo prazo nessa região do planeta, ou beira o inalcançável, no caso do Irã e Israel, por exemplo?

- Fui ao Oriente Médio diferente de muitos de meus colegas que querem ser ‘’correspondentes de guerra’’. Eu queria ser correspondente da Paz, achava que poderia ser testemunha ocular de um acordo duradouro de paz. Infelizmente descobri que uma minoria radical é contra a paz, prefere o conflito, opta pela resolução dos problemas à bala... Infelizmente, há perdedores em TODAS as trincheiras, em TODOS os lados. E a grande maioria, que quer a paz, paga a conta. Não acho que o Ahmadinejad é o único culpado. Há ‘’culpados’’ por toda parte. Há ‘’vítimas’’ por toda parte também. Mas, sim, só vejo solução no dia em que todos os lados depuserem as armas e decidirem sentar-se à mesa de negociação.

JE - Para encerrar. Uma melhor distribuição de terras da Cisjordânia, da faixa de Gaza, ou as mais próximas ao Líbano garantiria, por si só, estabilidade ao Oriente Médio?

- Garantir... não sei se eu usaria esse verbo. Prefiro, nesse caso, o verbo ‘’ajudar’’. Pois acho que a devolução/distribuição de terras ajudaria, seria um incentivo. Mas nada garante, nem terras e nem bombas, a paz enquanto a ideologia estiver acima dos interesses sociais. Repito: a grande maioria, de ambos os lados, quer paz. Quem conhece aquela região sabe disso. Infelizmente uma minoria, minoria forte, dá as cartas. E infelizmente o jogo é de azar...

Por outro lado, acho que Israel devolverá as terras se tiver certeza, absoluta, que isso trará paz. Veja o que aconteceu no Egito, na península do Sinai. Israel havia conquistado aquela região, havia colonizado a àrea nos anos seguintes, e mesmo assim retirou todos os colonos quando sentiu que um acordo de paz com o Egito seria efetivo e perene. Também fechou um acordo com a Jordânia quando sentiu a mesma chance de paz duradoura. Com o Líbano e com a Síria, pelo menos por enquanto, creio que o governo isralense não sente tanta confiança de paz duradoura. E a recíproca é verdadeira...

 Mas eu sou otimista, não poderia jamais deixar de ser. Ainda sonho com o dia em que irei àquela região, como enviado especial, a fim de cobrir esse momento histórico. Amém!