quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Entrevista - Marcelo Torres

Viajante do mundo, o jornalista Marcelo Torres já percorreu diversos países em busca das mais diferentes reportagens, seja para mostrar os efeitos do aquecimento global no Kiribati ou as tradições árabes nas ruas estreitas de Teerã. Desde 2005 na equipe de jornalismo do SBT, o atual correspondente da emissora na Ingleterra já passou por grandes empresas jornalísticas como a britânica BBC e pela TV Globo, em Minas. Aventureiro assumido, o jornalista concedeu uma entrevista, em plenas férias no nordeste brasileiro, para o JE Informa sobre a sua viajem à Rússia, no começo do ano.



Por Egnaldo Lopes,
egnaldo@jeinforma.com
editor do JE em Goiânia

JE Informa - Qual a motivação para a série de reportagens na Rússia? É fácil ir ao país falar sobre o mesmo, já que tudo aparenta ser tão restrito e controlado pelo governo? Conte-nos como foi o trabalho de pré-produção para o desenvolvimento daquele trabalho.

Marcelo Torres - A Rússia não é necessariamente um país que persegue os jornalistas. No que depender de autorizações oficiais, tudo é sim muito difícil, mas faço a ressalva de que lá ninguém faz uma patrulha ideológica para saber do que o jornalista está falando, como acontece, por exemplo, no Irã ou na China. Quando eu tentei cobrir o aniversário do massacre de Beslan, há 3 anos, o governo só me deu visto para viajar depois que a data tinha passado. Dessa maneira, eu não iria ver nenhum protesto das mães contra o governo. Esse tipo de manobra acontece. Obviamente, é um país com muitas máfias também. Muitas a serviços de políticos. Esse é um cuidado a ser sempre levado em consideração. Na pré-produção, me empenhei em encontrar uma boa tradutora e em ler muito sobre o país. Foi minha quarta visita, então eu já tinha uma ideia do que ia encontrar pela frente.

JE - Você relatou em seu blog, sobre a série especial de reportagens para o SBT, uma situação em que, junto ao cinegrafista Azul Serra, encontrou, em decorrência da ação da polícia russa, certas dificuldades e aborrecimentos ao mostrar o lado pobre do país. Como se deu isso? Teve outros momentos de dificuldade para reportar as notícias na Rússia?

Isso foi uma vertente autoritária da polícia que presenciamos na rua. Disseram que não tínhamos autorização para filmar num mercado de rua. O mercado era todo aberto, mas, de acordo com eles, faltou autorização. Esse tipo de situação pode ocorrer em qualquer país, inclusive no Brasil. A diferença foi a forma truculenta com que fomos tratados, inclusive com policiais empurrando o cinegrafista. Policiais pagos pelo estado, mas que ali, claramente, estavam prestando serviços para um grupo privado. Moradores informaram que faz parte do esquema de corrupção ter esses "aparelhos" em alguns bairros e cidades menores.

JE - O maior desafio do jornalista naquele país é passar a verdade dos fatos, independente das limitações impostas pelo governo? Essas limitações são explícitas ou se restringem ao fato de ser a Rússia um país em que morrem jornalistas oposicionistas ao governo? É possível exercer a profissão em compromisso apenas com a verdade dos fatos?

Como disse antes, na Rússia é tudo muito sutil. Há jornais críticos ao governo e eles são "permitidos", mas, só no Novaya Gazeta, cinco foram assassinados nos últimos anos sem que o governo tenha se empenhado muito em esclarecer os casos. O governo também se esmerou em aumentar a influência em todos os canais de televisão e controla, além disso, os governos estaduais, que não são eleitos pelo voto do povo. Assim, as tevês regionais também acabam por seguir a linha do governo central. Existe jornalismo crítico, mas ele ficou acuado num canto.

JE - E quanto à falta de liberdade de expressão por parte da população em si? Você esteve em contato com várias pessoas e jornalistas russos, aqueles agradecidos por maior modernidade e estes queixosos da perseguição do governo Putin; o povo russo sabe e é conivente com esta limitação à informação? Não pôde perceber inquietude por parte da população que tem que ter autorização para se manifestar?

Acho que a maioria do povo não está muito incomodada. “O Putin põe comida na mesa”, foi o que eu ouvi de muitos. O povo russo passou por tantas décadas de repressão que parece ter desaprendido a criticar o governo. Muitos estão desencantados, desanimados, acham que não adianta protestar. É um povo que aprendeu a ser pragmático.

JE - Você pôde conhecer, em Ecateremburgo, o local em que foi morta a família do último czar russo, Nicolau II, que em São Petersburgo não permitiu manifestações populares, culminando no “domingo sangrento” em que várias pessoas foram mortas ao reivindicar melhores condições de vida e trabalho. Num país em que a população é quase na totalidade alfabetizada, foram tiradas lições em decorrência de acontecimentos históricos como este?

Acredito que hoje, a maioria da população lamente pelo assassinato da família. Mas se olharmos de perto, a história russa é cheia de episódios muito violentos, a começar pelos crimes perpretados pela própria família Romanov. Nicolau II era tipo como um pai afetuoso, mas um governante implacável com a oposição. Não saberia dizer se a Rússia aprendeu a lição. Acredito que o mundo moderno evoluiu e passou a entender cada vez mais que pena de morte não resolve nada. Isso não quer dizer que práticas cruéis não continuem a fazer parte da rotina do poder. E na Rússia, assim como no Brasil (vide nossas cadeias), acho que tudo isso persiste.

JE - Seja no império, no comunismo ou no capitalismo, a desigualdade social vem assolando o país durante séculos. Vê soluções para tal problema social?

Acho que instituições fortes e governo focado no crescimento podem resolver. Mas não será da noite para o dia num país que tem as instituições em frangalhos.

JE - Já esteve, mesmo pelo SBT, desenvolvendo várias outras reportagens especiais pelo mundo. Em comparação com os outros lugares em que esteve, a Rússia representou um desafio maior?

Não necessariamente. Minhas viagens ao Irã, Iraque e Afeganistão foram muito mais desafiadoras. Em Teerã, não conseguia dar dois passos na rua sem ser parado por policiais, que checavam o calhamaço de autorizações para poder filmar nas ruas. Mesmo na China, senti um ambiente muito mais hostil. A Rússia é um país de democracia intermediária. Não é tão democrático quanto o Brasil nem tão ditatorial quanto a China. Acho que se fôssemos fazer uma escala de democracia nos Brics, pela ordem, teríamos: Brasil, Índia, Rússia e China. Seriam os Birc...