segunda-feira, 16 de abril de 2007

Bate Papo - Nesta Edição Com Wellington Nogueira

Ele seria um ótimo ator nos palcos da Broadway, mas prefiriu fazer um espetáculo bem maior, com uma platéia bem mais animada e num palco da vida real. Wellington Nogueira, depois de alguns anos em Nova Iorque, trouxe para o Brasil, em 1981, os Doutores da Alegria, um projeto que revolucionou o tratamento com pacientes clínicos no país, mais do que isso, revolucionou a vida deles. Batemos um papo com o Wellington, ou Dr. Zinho se você preferir...


















Bate papo concedido ao editor Fernando Galacine

Arte André Marangoni


JE - Essa idéia, a Clowns Care Unit, foi criada pelo ator Michael Christensen. Conta para gente como o sr.º o conheceu, como começou a trabalhar em sua equipe, e o que sr.º aprendeu no período que esteve por lá...

Conheci o Michael no dia do meu teste para a Clown Care Unit, em 1988; eu estava nervoso e ele era o criador do programa, extremamente exigente. Quando me explicou como seria o teste, achei que eu não ia passar mesmo, então , relaxei. Foi aí que abri espaço para atuar com aquele artista tão generoso e competente. A cada quarto que visitávamos, começamos a criar interações juntos e formar uma dupla de trabalho
mesmo e isso foi tão forte que, no último quarto, em que meu teste ia valer 100% na avaliação, parecia que trabalhávamos juntos há muitos anos. Quando estávamos saindo, a criança me chamou de volta e disse: " Doutor, estou me sentindo muito melhor!" Foi nesse momento que entendi que queria fazer isso para o resto da minha vida!



JE - O sr.º é artista por formação, é apto a exercer peças, shows, filmes... O que lhe motivou a dar uma guinada nada comum na sua carreira e ir trabalhar dentro de hospitais, e trazer este projeto ao Brasil?

Eu era o único brasileiro do grup americano; quando cheguei ao Brasil para visitar meu pai, que tinha tido um derrame muito forte, entrei na UTI de um grande hospital público e pensei: “Meu Deus, tem muita coisa que pode ser feita aqui..." Em seguida, tudo o que havia aprendido como palhaço com as crianças nos hospitais americanos, foi o que me ajudou a viver com meu pai seus últimos dias com paz e qualidade. Senti que tinha ganhado um presente da vida e precisava retribuir. Replicar a experiência do palhaço nos hospitais brasileiros foi a melhor maneira que encontrei de agradecer à vida pelo presente e passar adiante o legado para o Brasil, para que mais pessoas pudessem vivenciar essa graça.



JE - O projeto começou com a intenção de se tornar o que é hoje?

Nãããããããããão, jamais! Eu mesmo achava que ia só lançar as sementes e voltar para Nova Iorque, mas, à medida quero trabalho foi se desenvolvendo, percebi que adorava o desafio de empreender e que, como artista, esta seria a obra que eu poderia , efetivamente, deixar para o Brasil. E fui ficando...até hoje!



JE - Mesmo assim houve, e principalmente, há alguma dificuldade em mantê-lo?

Manter uma ONG trabalhando ativamente e suprir as constantes demandas é um espetáculo que acontece diariamente, com malabares, caminhadas no arame, acrobacias e contorções. Não dá para pensar "Já fiz o que tinha que fazer, agora é só manutenção." O desafio constante também nos leva a pensar mais ousada e criativamente a questão da sustentabilidade. Não é só a entrada de dinheiro, mas a mobilização de recursos e o envolvimento de toda a sociedade.



JE - Mas existem projetos para ampliá-lo mais ainda?

Com certeza! Hoje trabalhamos para elevar nosso trabalho à condição de profissão de futuro, desse modo, todos que vierem a se tornar palhaços em hospitais serão também responsáveis pelo desenvolvimento dessa nova modalidade artística. É um crescimento que vai além de querer estar no maior número possível de hospitais; isso é monopólio e não é por aí; queremos construir o futuro dessa atividade com todos aqueles que acreditam em exercê-la com ética e qualidade.



JE - Há algum detalhe, algo de especial, que possa diferir o trabalho aqui no Brasil, dos vários no exterior? A essência a gente sabe que é muito carinho e gargalhadas, mas aqui no Brasil, a gente acaba dando um toque diferente?

O retorno que temos de todos os nossos colegas do exterior é que Doutores da Alegria é o trabalho de palhaços em hospitais mais bem estruturado que existe no mundo, isso inclusive dito pelo próprio Michael, que falou para o grupo: “Vocês estão levando esse trabalho para o próximo passo". Um diferencial bem grande é o investimento em pesquisa e o comprometimento em organizar todo esse conhecimento e disseminar, visando a construção de uma sociedade mais saudável. Hoje é muito claro que não sabemos onde termina e onde começa o hospital, porque doenças são cultivadas numa série de aspectos de nossa relação com a vida, portanto, o que aprendemos com as crianças - o triunfo da alegria na adversidade - e muda nossas vidas é o que procuramos compartilhar com o povo fora do hospital. aí, quem sabe, poderemos ver mudanças a partir de experiências afirmativas.



JE - Eu conversei há um mês, e até por isso surgiu a vontade de entrevistá-lo, com um pai, hoje com 23 anos, que após perder um filho devido a um erro médico, deixou o desanimo de lado e, abandonando até o emprego, decidiu criar uma fundação, que hoje opera em 20 países e que tem como foco estreitar as relações dos bons médicos com os pacientes. Mesmo com todo o respaldo que vocês têm, sendo artistas, há alguma percepção que vocês estão mudando alguma coisa na medicina?

Sim, recebemos esse retorno constantemente de nossos amigos e colegas na área da saúde. Hoje, inclusive, já temos duas aulas por ano na Faculdade de Medicina da USP, na Pinheiros. Isso é muito bom !O que vimos acontecer foi exatamente o que respondi na pergunta anterior. Inspirada pela reação das crianças e pela leveza que a alergia trazia para o hospital, sem perda da qualidade ou seriedade de propósitos, vimos os profissionais de saúde se unirem para criar o movimento de humanização hospitalar. Isso é o máximo! Toda uma classe se mobilizando para criar um ambiente de trabalho melhor e mais saudável. Não fizemos isso, foram eles, que reagiram tal qual uma criança a uma boa interação com um besteirologista. Espero que seja só o começo das mudanças!


JE - Por quais processos você passam para lidarem com as emoções que, diferentemente dos palcos, são muito reais e às vezes tristes, afinal vocês trabalham num hospital...

Temos um processo chamado higiene emocional; num primeiro momento, os artistas têm um espaço onde podem falar abertamente sobre suas experiências, suas emoções, sentimentos, porque o importante é não varrer as emoções para debaixo do tapete, mas elaborá-las, olhar para elas. À medida que vão amadurecendo, a intensidade aumenta e falar não é mais suficiente; é nessa hora que a auxiliamos a transformar a emoção, o incômodo, a tristeza num movimento artístico.

JE - É muito difícil se acostumar, se é que se pode acostumar...

é isso aí, a gente não pode se acostumar ,

...com situações em que a criança ainda está muito fragilizada? Isso em algum momento não acaba fragilizando vocês também?

Sim, com certeza, mas também nos torna mais vivos, mais sensíveis.


JE - Bom, para encerrar, uma pergunta que pode parecer meio instantânea, mas vou tirar a principal resposta possível: sem contar o sorriso e as gargalhadas da criançada, o que é mais motivador em todo esse trabalho?

Levar alegria incondicionalmente! Poder alegrar, poder irromper numa reunião, num lugar inesperado, quebrar um fluxo, interferir na vida real com o aspecto da alegria e ter nossas vidas perenemente tocadas pelo que aprendemos e pelas pessoas que conhecemos...E sonhar o futuro disso tudo, esses são os elementos mais motivadores desse trabalho!





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