quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Variações sobre o nada

Por Malu Fontes


É praticamente consenso entre o público dito de bom gosto o quanto é baixa a qualidade da programação das emissoras de televisão abertas de modo geral. Mais consensual ainda é a idéia dos chamados formadores de opinião segundo a qual as atrações ruins nascem e permanecem nas grades de programação porque o grosso do seu público é formado pelas chamadas classes populares, ou seja, pela base da pirâmide sócio-econômica brasileira, a quem faltaria o esclarecimento necessário para rejeitar as formas caricaturais de representação que a televisão faz dela. Um terceiro consenso entre os críticos do conteúdo televisivo aponta para o quanto são abjetos os programas mais populares, sejam os de entretenimento ou aqueles que reivindicam uma vaga na garagem do que se pretende chamar de telejornalismo popular.

Na primeira categoria, a do entretenimento, encaixam-se perfeitamente coisas como o Zorra Total, toda a linha de programas para donas de casa que partem do pressuposto de que estas têm déficit cognitivo ou qualquer coisa feita por gente como Gilberto Barros . Na segunda categoria estão todos aqueles programas, locais ou nacionais, do tipo representação do mundo cão, na linha quanto mais desgraça melhor. Enquanto se dizem jornalísticos, situam-se, na prática, em um lugar fronteiriço difícil de ser definido, pois ao mesmo tempo em que flertam com o jornalismo popular, buscam mesmo é o popularesco, enfiam o pé no assistencialismo grotesco da pior espécie e são capazes de desrespeitar literalmente a mãe para cavar uns pontos na audiência. Como marca registrada, as câmeras desse gênero têm uma atração fatal por ladrões pobres e por gente doente ou machucada.

NADA PARA VER - No entanto, se a explicação para a audiência dos programas ruins estivesse mesmo na questão sócio-econômica, como explicar, então, os altos índices no ibope e, mais importante, o perfil sócio-econômico dos telespectadores e o elenco de patrocinadores que viabilizam, edição após edição, de reality shows como o Big Brother Brasil? É facílimo explicar a queda que o público clássico dos programas populares tem por personagens como Gilberto Barros, Sônia Abraão e congêneres. Outra coisa, muito mais subliminar, é explicar o sucesso dos sucessivos BBBs entre os chamados públicos A e B, ou seja, entre as pessoas de melhor poder aquisitivo e, conseqüentemente, com maior escolaridade. Todas as pesquisas de opinião indicam que o forte da audiência do reality show global não está ancorado na escolaridade e renda pequenininhas dos públicos C, D e E, mas no topo da pirâmide social brasileira.

Mesmo enfrentando quedas de audiência em relação às edições anteriores, o BBB atualmente no ar parece desafiar a capacidade de explicação para que algo tão ruim consiga ser visto por tanta gente. Desta vez, os responsáveis pela seleção dos participantes devem ter se esforçado muito para conseguir, entre milhões de candidatos, escolher 14 pessoas completamente desprovidas de qualquer tipo de atração, carisma, graça ou talento para o que quer que seja. Já se disse até que o elenco é tão ruim, mas tão ruim, que nem para a produção de baixaria se presta. Diante da falta de repertório, espelhada na queda do número de telespectadores, a direção do programa não apenas tem alterado uma regra aqui e outra ali do jogo, como tem empurrado a valer doses homéricas de álcool nos participantes durantes as tais festas realizadas na 'casa'.

BOIS E SISAL - As festas do BBB, aliás, mesmo com todo o elenco bêbado, têm se mostrado tão atrativas de se ver quanto devem ser aqueles desfiles de bois grandões exibidos nos canais de leilão de gado aos olhos do público que mal sabe a diferença entre um touro e uma novilha. Se sóbrios os integrantes do BBB 8 são um desastre como atração, bêbados conseguem se superar e se revelam ainda mais monocórdicos e monotemáticos. Literalmente nada há para ver ou ouvir. Por outro lado, a julgar pelos números, ainda há muita gente interessada em ver o nada dia após dia.

Talvez haja uma motivação que explique a permanência do público: em um tempo em que 11 em cada 10 mulheres insatisfeitas com a textura do cabelo dão um jeito de fazer uma escova definitiva, progressiva ou qualquer tratamento do gênero, seja à base de formol (sim, é proibido mas gato cachorro usam) ou das sofisticadas marcas francesas, o que explica aquela fibra a la sisal do cabelo da candidata à gata borralheira da casa, Gyselle? Não vale o argumento da autenticidade natural da moça quanto às madeixas ou seu provincianismo intocado de menina brejeira de Teresina, pois 'Gy' odeia a forma do seu cabelão e já deixou isso claro. E não há brejeirice que perdure inata após 4 anos trabalhando como dançarina em casas de show na França. Deve ser mesmo para fazer o tipo 'sou a mais pobrinha e mereço um milhão'.

Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA.