sexta-feira, 12 de janeiro de 2007
Poluição
Ele ganhou um prêmio na Alamanha por tratar da vida dos ciclistas em meio aos carros da maior cidade do país. Thiago Benicchio, criador do blog Apocalipse motorizado, eleito o melhor blog em língua portuguesa de 2006, pelo The Bob's concedeu uma entrevista ao JE Informa. Na terceira reportagem da série sobre Poluição e meio ambiente, você vai ver o que esse paulistano, que decidiu vender o carro e passar a andar com sua bicicleta pela metrópole, tem a nos contar.
JE - O seu blog trata muito da vida que o ciclista, e também o pedestre, enfrentam numa cidade que os motoristas ditam o trânsito. São Paulo precisa melhorar onde nesse sentido?
Todos em São Paulo, inclusive os motoristas, sofrem com a predominância, a supervalorização e o uso excessivo de automóveis. Se os ciclistas e pedestres são constantemente ameaçados e desrespeitados pelos motoristas (ainda que estes não sejam movidos por mau-caratismo), quem utiliza apenas o automóvel para se locomover também é vítima, pois passa horas dentro do carro, gasta fortunas para manter o veículo, perde qualidade de vida, tempo e saúde com a dependência.São Paulo é uma das cidades brasileiras em estado mais avançado de degradação por causa da cultura do automóvel, tanto em qualidade quanto em quantidade. A cidade precisa, em primeiro lugar, perceber, assumir e propagar a quatro ventos que o uso excessivo do automóvel é um grave problema urbano. Assumir o automóvel como problema é o primeiro passo e isso deve acontecer em todas as instâncias: sociedade civil, no poder público, comércio, indústria, partidos políticos, no cidadão comum. A partir daí é natural que surjam medidas de estímulo ao respeito, à convivência e à valorização das outras formas de transporte. Calçada decente é algo raro, basta comparar a qualidade das pistas para carros e dos espaços
para pedestres. Investimento massivo, sério e constante no transporte público coletivo parece óbvio, mas não é o que acontece ainda. Outro fator importante é propor publicamente o resgate de espaços e recursos "perdidos" para os automóveis. Uma das grandes dificuldades para a construção de ciclovias, por exemplo, é ter que retirar o espaço público ocupado pelos carros (propriedades privadas) para o estacionamento. Em São Paulo, para pegar um caso bem particular, poderíamos ter uma bela ciclovia na Rua Estada Unidos e um belo calçadão na Rua Pamplona (que tem um espaço insuficiente para a quantidade de pessoas que circula por ali e estacionamento liberado nos dois lados da via). Mas imagina proibir o estacionamento (mesmo que seja em zona azul) nestas duas (apenas duas!) ruas? É preciso comprar a briga com jornais e revistas, com "formadores de opinião", com interesses econômicos poderosos e até com interesses "legítimos" de algumas pessoas que dependem do carro, até porque a cidade oferece poucas condições para que esta pessoa deixe o carro em casa. São Paulo precisa criar e resgatar estruturas para que toda a população
possa se locomover com qualidade, e não apenas aqueles que possuem carro. Precisa começar a punir e educar os motoristas que cometem infrações ligadas ao respeito (estacionamento em calçadas, não dar seta nas conversões, ameaçar ciclistas e não dar preferência aos pedestres em faixas). No caso dos ciclistas, é preciso incluir a bicicleta no rol de veículos legítimos: educar agentes de trânsito, motoristas e até ciclistas, que simplesmente desconhecem os direitos e deveres de circulação da bicicleta. Esta ação deve ser adotada com firmeza: não basta colocar faixas em duas ou três ruas dizendo "respeite a faixa de pedestres", é preciso ir além e disseminar a noção de que a rua é de todos, que os espaços públicos da cidade não foram feitos apenas para a circulação de automóveis.
JE - Alguma solução pode ser tomada em curto prazo?
Em curto prazo, é preciso romper com os privilégios dedicados ao automóvel e quebrar os valores vendidos pela propaganda como supremos e inquestionáveis. Isso é um processo lento, mas é preciso vontade de perceber e entender os problemas sem as amarras da cultura do automóvel, pensando antes na locomoção das pessoas e no direito que elas têm de usar o espaço urbano e só depois no deslocamento e estacionamento de automóveis. Essa é uma postura significativa que deve ser assumida aos poucos pelo conjunto da sociedade e da classe política.
Infelizmente vemos que as soluções em curto prazo se baseiam apenas no paradigma de "precisamos melhorar o trânsito" e acabam por estimular o uso do automóvel particular, e não melhorar a locomoção das pessoas. Vide os fechamento dos calçadões do centro ("abertos" para os carros), a abertura de corredores de ônibus para automóveis particulares aos finais de semana e feriados, o aumento acima da inflação nas tarifas do transporte coletivo... Perto disso, as poucas ações pró-bicicleta e pró-pedestre soam insignificantes.
Medidas como ampliação do rodízio e pedágio urbano são paliativos se não vierem acompanhadas de um reforço massivo no "outro lado" (o dos "sem-carro"), portanto acredito que a solução para o problema não é apenas técnica, mas sim uma decisão política de para quem se deve governar (se para a minoria que tem carro ou para a maioria que utiliza outros meios de locomoção).
JE - A bicicleta faz bem a saúde, além disso, e mais importante, ajuda reduzir drasticamente a poluição. Em sua opinião por que não há uma aderência da população? Falta de incentivo ou preguiça de abandonar o carro?
Falta de incentivo e de condições, em primeira instância. A acomodação das pessoas no "conforto" do automóvel poderia ser
significativamente reduzida se houvesse uma política pública de frear o uso excessivo do automóvel. Desta responsabilidade os sucessivos governos automobilistas paulistanos não podem fugir (com raras e espasmódicas exceções), ainda que tenham sido respaldados pela sociedade.
Aos finais de semana, milhares de pessoas passeiam de bicicleta pela cidade. Se este cidadão tivesse o mínimo de condições, estímulo e respeito para fazer algum percurso durante a semana, certamente ele iria optar por usar a bicicleta no lugar do carro e a razão para isso é simples: em boa parte dos casos, é muito mais gostoso e agradável andar de bicicleta do que dentro de um carro. E não é preciso muito para isso, com certeza o custo de estimular o uso da bicicleta seria muito menor do que a quantidade de recursos destinados à manutenção do modelo automobilista.
JE - Que cidade, fora ou dentro do Brasil, seria um bom exemplo para São Paulo?
Ouço falar de Bogotá e me parece que lá essa postura de assumir o carro como problema e decidir para quem se governa foi assumida a favor das pessoas (e não dos carros).
JE - Você acha que os governos, de uma forma geral, se interessam em resolver este assunto?
À medida que vão ficando mais claros e explícitos os danos causados pelo uso excessivo do automóvel, os governos começam a perceber que algo deve ser feito. Hoje temos um Ministério das Cidades e em diversas cidades do país órgãos recentes responsáveis por ampliar a noção de que as ruas servem para a locomoção das pessoas, e não apenas dos carros.
Infelizmente as ações ainda são pífias e as medidas não superam muito o caráter paliativo de "melhorar o trânsito", até porque tanto os governos quanto a imprensa dependem e muito do dinheiro vindo da indústria automobilística (publicidade e outros acordos aí incluídos). A indústria automobilística gera recursos, movimenta a economia, mas a questão é o custo econômico, humano e ambiental disso tudo e qual o papel do Brasil na geopolítica corporativa das multinacionais do carro (vide a compra da cearense Troller pela Ford). Não precisamos trilhar todo o caminho que
os ditos "países desenvolvidos" trilharam há mais de um século: não precisamos queimar nossas florestas (como fizeram os desenvolvidos após a revolução industrial) para perceber que não é bom queimar florestas; não precisamos entupir nossas ruas de carros para perceber o transtorno que eles causam. Infelizmente essa visão de um desenvolvimento "linear", baseado no avanço da técnica capitalista e na tentativa de alcançar os desenvolvidos submetendo-se a eles, acaba por impedir que soluções alternativas e eficientes sejam colocadas em prática.