terça-feira, 11 de setembro de 2007

Zóio, Zurêia, Zuvido e Cansaço

Há uma piadinha de caipira dessas xexelentas que faz troça dos modos de fala errados do homem do campo. Zezinho, um aluno rural, é convocado pela professora: diga três palavras iniciadas pela letra "Z". Zezinho não pestaneja e dispara: "oxente, tem zóio, zurêia e zuvido. E ainda tem zunha se eu quisesse". A graça é pouquíssima ou nenhuma, sobretudo entre os estudantes modernosos da língua para quem, já que estamos em plena vigência do relativismo absoluto imposto pela pós-modernidade, não existe modo errado de falar, tudo é certo, desde que o que se quis dizer seja compreendido. Assim, já circulam por aí uns tipos todos garbosos para quem o tal do gerundismo usado e abusado pelo contingente do mercado de telemarketing é um primor de correção, adequação e eficiência comunicativa.

Pinico

Desenterrar a piadinha sem graça do Zezinho — personagem é útil como muleta para lembrar-se de uma das mais recentes falas do presidente Lula, um gênio da improvisação, e de eficácia comunicativa, para muitos. Na pele de um eterno Falcom de Palanque, com seu pendor incorrigível para permanecer em campanha durante todos os dias do mandato, o presidente deu uma de Zezinho ao falar da perfeição aplicada por Deus na feitura do ser humano. Depois de ficar meio sem jeito na hora do ocorrido e de levar um bom par de dias para digerir as vaias que recebeu durante a abertura dos Jogos Pan-Americanos, no Rio de Janeiro, algum tempo depois o presidente veio a público, incorporou a versão comício pela enésima vez e cravou mais uma pérola: "Deus fez o homem perfeito, com duas 'orêia' ( sic): uma para escutar vaia e outra para escutar aplauso (sic)". Nem Zezinho seria tão criativo.
Para o povo brasileiro, quando se trata de ouvir a fala de autoridades, celebridades e congêneres, nesses tempos em que tudo parece ser uma crise só e interminável, o fato é que, independentemente de se chamar essa dupla de orifícios que compõe a coleção dos sete buracos da cabeça humana de "zurêia", "orêia" ou "zuvido", nada mais apropriado do que chamá-la de "pinico", com "i" mesmo, para potencializar a tal eficácia comunicativa.

Exterminar o Piauí

Numa mesma semana, o presidente fala da perfeição das "orêia" e sua funcionalidade para revezar vaia e aplauso, compara bolsas-família a bolsas de doutorado e dá lição de moral a estudantes que protestam usando narizes de palhaço, chamando-os de equivocados, pois o palhaço seria um símbolo da alegria infantil e não de protesto político. Em São Paulo, um empresário ariano do Sudeste compara o Estado do Piauí a nada e afirma que ninguém sentiria falta se esse pedaço do Nordeste desaparecesse completamente do mapa, deixando de existir. Para quem não sabe, essa é a opinião do presidente da Philips do Brasil, Paulo Zotollo, uma das lideranças do movimento "Cansei", que, agora se sabe, trata-se de um movimento criado pelo irmão-satélite da cantora Ivete Sangalo, Jesus Sangalo. O novo ministro da Defesa, Nélson Jobim, por sua vez, assume a pasta prometendo solucionar o caos aéreo e logo após começa a delirar falando o tempo todo no tamanho terrivelmente pequeno das poltronas dos aviões para quem, como ele, tem um metro e noventa. Assim, para os pobres e cansados ouvidos dos brasileiros, ensurdecer é uma tentação e tanto. Ou seja, uma ação e tanto para solucionar o caos que há 11 meses ronda a aviação brasileira.

Musa

E, voltando ao "Cansei", nada mais compatível com o nível de mobilização política do brasileiro do que esse movimento, oficialmente chamado de Movimento Cívico Pelo Direito dos Brasileiros. É um movimento que não tem projeto, não sabe exatamente quais são suas ações e têm à frente um par de gente que mal sabe o que fazer com as mãos em um protesto, de tão acostumada que está com as poses para a "Caras", as caras e bocas nos estúdios de TV, os leilões de gado, as viagens internacionais, a busca de maridos cada vez mais noviços e a escolha das jóias para os jantares beneficentes. O posto de musa do movimento parece ainda estar vago, embora as candidatas sejam muitas: Ana Maria Braga, Hebe Camargo, Ivete Sangalo, Regina Duarte e Christiane Torloni, uma espécie atualizada tucana de Regina Duarte com bíceps.

Sentei

Mas, para quem está cansado só de ouvir falar nessa gente e ainda não conseguiu entender o projeto do tal movimento, já que seus arautos estão meio cansados para explicá-lo — por enquanto, o que deu para perceber é que é uma espécie de "Reage, rico!" —, o diretor teatral Fernando Guerreiro propôs uma versão baiana para aglutinar os cansados daqui, ainda órfãos, já que Jesus Sangalo pretende militar e protestar em São Paulo, sem deixar de lembrar, claro, sua condição de portador de pedigree de protestador, já que teria vivido parte de sua vida no bairro do Beiru, em Salvador (atual Tancredo Neves). Acaba de nascer na Bahia o movimento "Sentei", destinado, segundo Guerreiro, a todos aqueles interessados em uma boa sentada. Não faltarão militantes.

Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA.

Esta é uma republicação autorizada. Texto original no site www.nacoco.com.br