segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Bate Papo - Nesta edição com Marisa Fortes

O que é Síndrome de Estocolmo?

Para entendermos melhor a Síndrome que virou notícia com o caso Natascha Kampusch, o JE conversou com a Dr.ª Marisa Fortes, psicóloga do Hospital das Clínicas, em São Paulo.



Bate-papo concedido ao editor Fernando Galacine


JE - A causa dessa síndrome é a tentativa de agradar a pessoa que a causa medo, para evitar possíveis repressões por parte da mesma. Então essa síndrome não ataca somente vítimas de seqüestro? Podem ocorrer casos desses dentro da própria família?

Essa síndrome pode ocorrer em qualquer situação de opressão em que havia um algoz e uma pessoa subjugada a ele, dependendo dele para manter-se viva. Pode sim ocorrer em ambientes familiares e é, inclusive, fenômeno comumente observado em mulheres que sofrem maus-tratos dos maridos e crianças vítimas de abusos sexuais por membros da família. Foi observado também nos campos de concentração. Note que envolve situações de extrema violência e que envolve a certeza por parte da vítima de que pode ser morta ou seriamente ferida por seu agressor (não se refere apenas de evitar uma "repressão" do agressor, mas sim de evitar algo muito grave, neutralizar uma possibilidade de morte).


JE - Essa síndrome é muito comum? Quais são os tipos de pessoas mais suscetíveis de desenvolvê-la?

É comum sim em situações específicas, como as descritas acima, porém não há uma certeza de que este ou aquele vá desenvolver a Síndrome, trata-se de uma reação muito particular que, de fato, depende também de sua estrutura ou "jeito de ser". Mas é preciso que se desenvolvam muito mais estudos na área para ter certeza.


JE - Quais são os sintomas dessa síndrome? Existe cura total?

Como estamos falando do que pensamos ser um desdobramento do TEPT (Transtorno de Estresse Pós-Traumático), há que se lidar também com os sintomas desta problemática. Porém o que temos percebido é que, após algum tempo distante da influência do opressor e afastada a crença de que este poderá fazer-lhe mal, há uma tendência de que a vítima experimente a remissão dos sintomas que são os seguintes: Sentimentos de amor e ódio pelo agressor; Gratidão exagerada por qualquer bondade mostrada pelo agressor; Negação ou racionalização da violência do agressor; Visão de mundo a partir da ótica do agressor; Percepção das pessoas que querem ajudá-la como más e dos agressores como bons; Medo de que o agressor volte para pegá-la, ainda que preso ou morto;


JE - Outro fundamento da síndrome é que a pessoa portadora passa a ter admiração pelo seqüestrador ou pelo seu algoz. Em alguns filmes Hollywoodianos os bandidos ou seqüestradores mostram, apesar de fazerem o que estão fazendo, ser gentis e não quererem mal ao assaltado, com isso o público se comove quando há uma eventual morte ou prisão desses criminosos. Isso pode ser um exemplo da síndrome? Como diferenciá-la de uma admiração normal?

No cinema há a figura do que chamamos de anti-herói, ou seja, aquele sujeito malvado, mas simpático do qual todos parecem gostar... Trata-se de uma forma de identificação que não significa necessariamente desvio de caráter ou coisa parecida, é apenas uma forma de encarar a personagem e reagir ao seu carisma. No caso de uma situação violenta, a admiração ou apego da vítima é fruto direto de sua necessidade de preservação da integridade física. Essa é a diferença básica entre as duas situações propostas por vocês. Uma identificação ou simpatia normal sentidos ao ver um filme não passam por uma ameaça concreta e iminente à pessoa do expectador.


JE - Gostar de quem lhe faz mal. Isso demonstra uma pessoa sem amor-próprio?

Absolutamente não! Trata-se de um fenômeno que pode atingir em maior ou menor grau qualquer pessoa que se veja frente a frente com o perigo. Inclusive muitos pacientes, depois de recuperados, envergonham-se do que sentiram e é nosso trabalho esclarecer que não há culpa e nem problema nenhum nisso, que é uma conseqüência do trauma. Não há possibilidade de escolha por parte da vítima, ninguém opta por se apaixonar pelo agressor. O trabalho deve ser estendido à família também, uma vez que é difícil para eles aceitarem e entenderem estes sentimentos de afeto da vítima por alguém que foi tão cruel com ela. No GORIP, nosso grupo que atua no setor de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, oferece à população um tratamento especializado para vítimas de Transtorno de Estresse Pós-Traumático decorrente de situações de seqüestro e temos tido, infelizmente, muita procura graças à situação caótica em que se encontra a segurança pública.


A Drª. Marisa Fortes também é jornalista e faz parte do GORIP (Grupo Operativo de Resgate à Integridade Psíquica) do Hospital das Clinicas em São Paulo, e é especializada em casos como estes.