quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Diga ao mundo que eu cheguei

Mariene de Castro completa 10 anos de carreira com o desejo de mostrar ao mundo e, principalmente, à Bahia a beleza e os encantos do samba de roda, genuína expressão do recôncavo baiano



Por Filipe Costa, do JE em Salvador





Mais uma edição do projeto Sua nota é um show na Concha Acústica do Teatro Castro Alves, em Salvador. Naquele dia o cantor cearense Fagner, consagrado como um dos principais nomes da música brasileira, era a grande atração. Nos quase 6000 lugares do espaço, estavam pessoas ávidos para ver a apresentação do famoso músico. Antes, porém, veriam uma jovem cantora baiana, encarregada de abrir aquele show. O coração dela estava acelerado, a respiração alterada, as mãos frias e trêmulas. Os sintomas eram de ansiedade. Grandes públicos não fazem parte da rotina de cantoras em início de carreira. Enfrentá-los é sempre um desafio. Era chegada a hora, o momento de deixar a atmosfera tensa e estéril da cochia e encarar a arquibancada envolvente e acalorada da Concha. Cada passo dissipava a inquietação, o medo, o nervosismo e a conduzia ao palco, onde se sentia à vontade, em casa, segura, livre para cantar, dançar, mostrar sua música, suas crenças, sua arte. Nos primeiros segundos em cima do palco, ouviu, em um emocionado e eloqüente silêncio, os educados e protocolares aplausos da multidão que, provavelmente, não a conhecia. Isto pouco importava. Ainda era jovem, 23 anos, e teria um mundo a perscrutar, muitos caminhos a abrir. Respirou fundo, comprimiu nos pulmões o máximo de ar que poderia suportar, preparou o diafragma, com um traquejo próprio de quem durante anos freqüentou aulas de canto, e emitiu, veementemente, as primeiras palavras da música que iniciaria sua apresentação: Voz Guia, de Roberto Mendes e Jorge Portugal. A letra parecia expressar com extrema precisão os sentimentos do coração da artista naquele momento.

A minha casa é a Bahia
Mas o mundo é meu lugar
Eu posso até mudar o mundo
Mas não posso me mudar
Lá no fundo de mim mesmo
Essa verdade me queima
E é o que faz cantar
Canto por todos os cantos


Parou no oitavo verso. O som não estava bom, “teve uma ziquizira” - diria mais tarde a cantora- , fazia um barulho estranho, interferia rispidamente na harmonia da melodia, impedia o ecôo perfeito da voz grave e firme da jovem e desconhecida artista. Ela, contrariada, tomou uma atitude surpreendente. Gritou:

--- Pára! Nem eu e nem vocês merecemos isso.
Em seguida saiu, dando as costas para a platéia. Falou com altivez e determinação, características atípicas em músicos iniciantes, geralmente, inseguros e despreparados para lidar com situações como esta. Sucederam os segundos de silêncio, aplausos, desta vez, mais respeitosos, espontâneos e entusiasmados. O público começara, aos poucos, a conhecer a forte personalidade da moça novata. A inesperada postura da cantora pegou de surpresa também os organizadores do evento, cuja atenção estava voltada para a apresentação principal. Durante alguns minutos, o palco foi ocupado por técnicos ágeis e preocupados em reparar rapidamente o problema. Enquanto isso, de volta à mesma cochia estéril, sobreveio o medo, a incerteza e a frustração. Sentimentos deixados de lado assim que a cantora recebeu a informação, três minutos depois, de que poderia retornar ao palco, agora com um sistema de som perfeitamente ajustado. “Quando voltei a concha veio a baixo e me aplaudiu”. A ovação confirmou o acerto de sua atitude.


Quem conta este episódio, ocorrido em 1999, é Mariene Bezerra de Castro. Atualmente, ela é a cantora de samba de roda mais famosa da Bahia. Comparada a Maria Bethânia e a Clara Nunes, uma das maiores sambistas populares dos anos 60 e 70 no Brasil.


Sua ligação com a música e, sobretudo, com a cultura popular começou bem cedo. Nascida em Salvador e moradora da Avenida Joana Angélica, centro da cidade,
Mariene de Castro completa 10 anos de carreira com o desejo de mostrar ao mundo e, principalmente, à Bahia a beleza e os encantos do samba de roda, genuína expressão do recôncavo baiano


Mariene, durante sua infância e adolescência, sempre acompanhou seus pais nas visitas à cidade de Andaraí, onde morava sua avó, localizada no coração da Chapada Diamantina e distante cerca de 130 km da capital. A cidadezinha de 17 mil habitantes é conhecida pela sua exuberância natural. Por causa disso, transformou-se em destino certo para os amantes do ecoturismo que lá encontram tesouros como o Vale do Pati, o Pantanal dos Marimbus, praias belíssimas e calmas, a Gruta da Paixão e o canyon do rio Paraguaçu, além de muitas, muitas cachoeiras. E era nestas cachoeiras que Mariene, desde muito novinha, banhava-se. Sempre foi apaixonada pelo rio Paraguaçu. Passava grande parte do tempo em que estava na cidade envolta pelas águas do rio. Quando não estava lá, brincava descalça pelas ruas, andava livremente de bicicleta, sem se preocupar com fluxo de veículos, e ficava até tarde sentada nos bancos da praça da cidade. Era comum Ninha, como Mariene era conhecida quando criança, participar das festividades religiosas de Andaraí. Vivas em suas memórias estão as imagens das festas de São Cosme e São Damião, do Terno dos Reis e da Festa do Divino.


Temas recorrentes em suas canções. Cultivou muitas amizades no lugar, um dos motivos que a faz retornar com certa freqüência à cidade. Em Andaraí também estão muitos parentes. Suas raízes, sua essência ficaram neste pedaço da Chapada Diamantina. “A gente é muito unido. Me sinto bem quando estou lá, quando estou com eles. Minha alma se aquieta, é onde eu melhor me encontro, onde me sinto mais feliz”. O sotaque arrastado, o jeito calmo de falar, assinalado por pausas, a maneira tranqüila de se expressar, o olhar suave, doce e atencioso e o semblante sereno advêm da atmosfera “paz e amor”, da pacata e quieta Andaraí. Aliás, Mariene de Castro é, inegavelmente, mais andaraiense do que soteropolitana. “É uma coisa que vem diretamente na minha essência, que está ali naquela cidade e que hoje eu sei que é a essência das águas”.


Esta essência, à qual Mariene se refere, é a sua ligação com Oxum. Filha da divindade das águas doces, ela procura sempre energia e força junto às águas. Ainda criança, ouviu da mãe de uma amiga:

---Essa menina é de Oxum, disse, despretensiosamente, a senhora.
Na época não deu muita atenção, não compreendia o que aquilo significava, mas hoje enxerga o episódio como uma mensagem do orixá. Em casa, sua família preparava todos os anos o tradicional caruru, cujo cheiro e sabor são lembrados até hoje por ela, dedicado aos santos irmãos gêmeos, Cosme e Damião. O avô cultuava o caboclo. O candomblé sempre esteve presente na sua vida. Certa vez, foi com J. Velloso, seu então namorado, para o Terreiro do Gantois, na Federação.


Ali Mariene se sentiu à vontade. Há 10 anos é filha da casa. “Houve uma relação muito forte, eu me sinto em casa”. Atualmente, ela é uma das poucas pessoas da família que não se converteu ao protestantismo. O candomblé parece estar intrínseco à sua personalidade. A sambista não sabe ao certo quando optou pela religião, mas reconhece a influência de pessoas próximas e fala de uma espécie de chamamento espiritual. “Eu fui escolhida. Acredito muito na filosofia, a gente cuida da natureza, respeita o tempo, a sabedoria”. Como boa filha de Oxum, Mariene é vaidosa, elegante e sensual. Adora estar cheirosa e bem arrumada. Quando a entrevistei me chamou a atenção o figurino e a maquiagem impecáveis para àquela hora da manhã (eram ainda 9h). Vestia uma blusa, estilo “tomara que caia” (realçando seu lado sensual), vermelha, estampada com bolas verdes, que combinava com uma saia, também repleta de detalhes verdes, larga, rodada, em cuja superfície existiam algumas flores bordadas.


O verde também era a cor dos seus sapatos de pano. Os adereços não foram preteridos. Um colar, um brinco discreto, e algumas pulseiras. Eram dourados, uma possível alusão a uma das cores de Oxum. A maquiagem era simples e suave, apropriada para o período da manhã. Os cabelos, embora muito cacheados, não têm uma aparência rebelde, cada fio parece ter sido meticulosamente colocado no seu devido lugar. São pretos e bonitos, combinam com o tom moreno de sua pele e seus traços, eminentemente, negros. Sua evidente e peculiar beleza chama a atenção. Mariene é danada para arranjar quem a inveje e se envolve, constantemente, em intrigas, mas jura não lembrar de nenhuma específica. “Somos [as filhas de Oxum] muito invejadas. A gente usa uma bijouteria e as pessoas ficam assim olhando, ó”. As mulheres de Oxum adoram ainda atiçar o desejo dos homens, pergunto a cantora se esta também é uma característica sua e ela responde sem rodeios: “Todas essas características são bem próprias da minha personalidade”. Então tá, né Mariene?!


Assim como o candomblé, a música entrou na sua vida ainda na infância. Aos 5 anos ganhou um vinil de Luiz Gonzaga, o rei do baião, do seu avô, um apaixonado pelo cantor e compositor nordestino. Este foi o seu primeiro disco. Como toda criança quando ganha um presente, Ninha não desgrudava do LP, ouvia noite e dia. Só o deixaria de lado um ano depois, quando, aos 6 anos, foi presenteada com um disco da sambista carioca Beth Carvalho, cuja principal música na época era “Coisinha do pai”, título que acabou sendo atribuído à menina por seu padrasto. Enquanto tocava o vinil, ela sambava desengonçada por toda a casa, vestida de baiana, uma verdadeira artista mirim. A mãe se divertia, também sempre gostou de cantar. A avó de Mariene era musicista, professora de acordeon, e incentivava o gosto pela música na família. Um tio é contrabaixista e compositor, foi o único que transformou a paixão pela música em profissão. A maioria dos familiares toca, pelo menos, um instrumento. “Venho de uma família de músicos”.


A música está no sangue. Quando tinha 3 anos foi entrevistada para o jornal da empresa na qual a tia trabalhava. Perguntaram-na sobre o que ela queria ser quando crescesse. A resposta, inusitada, denunciava a veia artística da garotinha de cabelos cacheados. “Eu quero cantar, dançar e batom”. Aos poucos, a frase, aparentemente absurda, foi se concretizando. O tempo passou e a menina continuava soltando a voz em casa, sempre preocupada com o figurino e a maquiagem, carregada, é claro, no tal batom. Na adolescência decidiu fazer balé. Passou no preparatório do Balé Jovem do Teatro Castro Alves. O curso, gratuito, era um sonho que começava a ganhar forma de realidade para a garota que, desde os 4 anos, alimentava o desejo de ser bailarina. “Era pura vontade de dançar. Era o desejo pelo desejo. Pobre e negro também gosta de balé”. Simultaneamente à oportunidade do balé, as portas da música se abriram para Mariene. Com 12 anos ela queria ajudar a compor o orçamento doméstico, só não sabia como. Até que se deu conta da sua paixão pela música e decidiu: faria um curso na área. Dias depois de tomada a decisão, foi com sua mãe a uma escola de música na Mouraria, pertinho de onde elas moravam.


A adolescente foi disposta a se matricular em um curso de violão, seu instrumento preferido. Acabou assistindo a uma aula de canto. “A necessidade me chamou para a carreira de cantora”. Depois da aula, foi, praticamente, obrigada pelo professor a realizar um teste vocal. O resultado? “Ele virou para minha mãe e disse: ‘A senhora tem um tesouro em casa e não sabe, né?’”. Após um longo período de conversa, as duas foram convencidas de que, contrariando as expectativas, o melhor era investir mesmo no canto. Logo começaram a surgir propostas de apresentações em corais e de participações em gravações. A aluna recém-matriculada começou, bem antes do imaginado, e ajudar a mãe nas despesas. O dinheiro rápido empolgou a garota. Foi então que ela ficou sabendo de um teste para o balé folclórico - mesmo fazendo o curso de canto, ela não havia abandonado as aulas no TCA e, portanto, não havia se desvencilhado do meio da dança. Querendo abraçar o mundo, participou do processo seletivo, sendo, mais uma vez, aprovada. No projeto, em que o balé folclórico estava envolvido, estava programada uma turnê pelos Estados Unidos.


A idéia seduziu Mariene, tão quanto a facilidade de se ganhar dinheiro cantando. Porém, uma escolha teria de ser feita. Ficar em Salvador, cantando com o promissor grupo Levada do Pelô, do qual ela já era integrante fixa, ou viajar com o balé para o exterior? A trilogia “cantar, dançar e batom” estava ameaçada. Um sutiã resolveria o dilema. No sétimo dia de ensaios puxadíssimos no balé, Mariene ficou sabendo como seria seu figurino em uma das performances. Os seios, ainda em formação, teriam de ficar expostos. Nem a sensualidade, inerente às filhas de Oxum, foi suficiente para convencer a garota de gênio demasiadamente forte a tirar o sutiã. Esta recusa significaria sua exclusão do grupo que faria a turnê e seu passaporte - literalmente, como veremos mais adiante- para a carreira de cantora.


Já longe da dança e imersa completamente no fascinante mundo da música, Mariene continuou participando de eventos juntamente com bandas locais. Não demorou muito, conheceu gente influente no meio. O compositor J. Velloso, seu ex-marido, foi uma destas pessoas. O casamento matrimonial com um dos integrantes da família Velloso, não deu certo, mas a união profissional, esta sim parece durar até a morte. Ainda hoje, J. continua presente nos trabalhos da ex-esposa. A contribuição dada por ele à sua carreira foi e é imensa. Além de compor grande parte das músicas dela, J. Velloso a apresentou gente importante como os compositores Roque Ferreira – a primeira pessoa de renome dentro do samba a chamá-la de sambista -, Roberto Mendes e Jorge Portugal, Dona Edite do Prato, Dona Canô e a cidade de Santo Amaro, onde ela conheceu as Vozes da Purificação e teve um contato ainda maior com a cultura popular. Sobre o casamento com J., Mariene fala pouco, mas bem. Com ele teve João Francisco, seu único filho. Foi uma relação baseada na troca, no compartilhamento. “Foi muito feliz a nossa história. Trouxe benefícios para nós dois”.


Antes de conhecer J., Mariene enfrentava sozinha as barreiras construídas em torno da cena musical, que dificultam o aparecimento de novos talentos. Ainda assim, arranjou importantes trabalhos. Foi backing vocal de Carlinhos Brown, da Timbalada e Márcia Freire. Realizou, inclusive, uma turnê com o primeiro. Porém, seu maior desejo era fazer sua primeira apresentação solo. Após conversar com um amigo de sua mãe, responsável pela organização do projeto Pelourinho Dia e Noite, conseguiu agendar um show só seu. Em dezembro de 1996, a cantora Mariene de Castro seria a principal atração de uma edição do projeto. Ela, àquela altura, nem desconfiava do que estava por vim. O show, onde interpretou grandes clássicos da MPB, transcorreu normalmente. Como sempre fizera como backing, deixara sua verdade e suas emoções aflorarem livremente. Na platéia estavam dois produtores franceses interessados em descobrir uma cantora com um perfil inovador, uma artista com diferencial. Naquela noite, eles encontraram. O primeiro show de Mariene, a credenciou para uma turnê na França.

Encantados com o timbre de voz e o estilo peculiar da cantora estreante, os franceses não pensaram duas vezes em convidá-la para fazer uma série de shows no país europeu. Mesmo desencorajada por amigos e parentes, Mariene aceitou a proposta e embarcou, no início de 1997, rumo à França. Lá foi tratada como uma verdadeira estrela internacional. Foi um salto, inimaginável, do pequeno palco do pelô para grandes estruturas em casas de espetáculos e teatros consagrados na França. Medo? A cantora disse não sentir. “A única coisa que eu fazia questão é da minha passagem de volta para garantir”, admite aos risos. Observou que em cada local onde se apresentava sempre existia um rio, um lago, água por perto e isso a tranqüilizava. Foram 21 dias marcantes na carreira de Mariene de Castro. Chegou a ser comparada pelos próprios franceses com um ícone da música do país, Édith Piaf. “Fiquei em hotel porreta, tinha equipes técnicas, jornalistas me procuravam, fui tratada como rainha. Um conto de fadas”.

No entanto, “a carruagem virou abóbora” quando a cantora voltou ao seu país e se confrontou com a indiferença da mídia local e, conseqüentemente, do público. Alcançar o reconhecimento, ter sua música, a mais genuína expressão do recôncavo baiano, valorizada lá fora e ser ignorada por aqui foi um dos maiores dramas já vividos por ela. “Cheguei com uma pasta cheia de matérias e nada aconteceu”. Só um ano depois, Mariene de Castro se tornaria, finalmente, manchete- Baiana começa carreira na França- de um caderno de cultura de um jornal de grande circulação da sua cidade natal. Hoje, oito anos depois, ela analisa a situação mais conformada. “Foi um trabalho de conquista. Cheguei lá e conquistei de primeira, aqui foi diferente, deu mais trabalho, mas não podemos é deixar de fazer”.


Mesmo não sendo reconhecida, durante muito tempo, pelo grande público, o talento de Mariene não ficou escondido e nem deixou de ser apreciado e premiado. Em 2004, ela recebeu o prêmio Braskem, que possibilitou a gravação de seu disco Abre Caminho. A faixa número um deste CD, também intitulada de Abre Caminho, é uma apresentação de Mariene de Castro ao público. A letra, escrita por Roque Ferreira, Jota Velloso e Mariene de Castro, explicita as dificuldades enfrentadas pela artista, sua ligação com o samba de roda e com o candomblé e sua determinação.(http://letras.terra.com.br/mariene-de-castro/633158/).A partir deste álbum, Mariene de Castro passou a ser um nome mais conhecido no cenário musical baiano. O CD, composto por 17 faixas e fora dos padrões mercadológicos, foi vencedor do prêmio Tim de música na categoria regional em 2005, o que deu maior visibilidade ao trabalho. Hoje, com aproximadamente 10 anos de carreira, a artista baiana ainda luta para se firmar entre os grandes artistas da música popular brasileira. Tenta encontrar espaço, com sua música de raiz, em um mercado cada vez mais voltado para a cultura de fora, a modelos prontos, comercializáveis e lucrativos.


Ainda com todo este desafio, não pestaneja ao dizer que só vai sossegar quando ganhar o mundo, “quando o mundo conhecer a nossa música”. Promete nunca perder sua personalidade ou jogar fora seus ideais. Ela critica Clara Nunes, justamente, por considerá-la um “produto montado” pelas gravadoras, que teria cedido às pressões do mercado. “Não tinha autenticidade nela. Alguém disse que ela ocuparia a lacuna que Carmem Miranda deixou. Foi uma estratégia de marketing. Aliás, Carmem Miranda foi outra que era portuguesa e virou a grande baiana para o Brasil e o mundo”. Diferenciando-se das duas, a cantora, que em cima dos palcos demonstra um incrível domínio dos passos do samba e não dispensa um prato de louça como um dos seus instrumentos, fala orgulhosa: “Eu sou muito baiana mesmo e isso vai para o meu trabalho de forma natural. O samba que eu faço e sempre farei está na essência do negro, na dor, no sentimento mais profundo dele. Não o samba de hoje que tem o sentimento do branco, da mídia, do que dá dinheiro”. Aos 31 anos e amadurecida, Mariene nem cogita a possibilidade de um dia estar vinculada a uma gravadora que determine o que ela pode fazer, falar, vestir ou, principalmente, cantar. A música dela vem da alma, da essência, da raiz, é a sua verdade. “A gente só é mudado quando a gente permite”. Que Oxum a proteja e não a deixe cair em tentação.