Construção do metrô de Salvador, um dos menores do Brasil, se arrasta há 10 carnavais
Por Filipe Costa
do JE em Salvador
Um dia para guardar na memória. Assim foi encarado o 20 de agosto de 2010 em Salvador. Esta foi a data em que o primeiro dos 24 vagões do aguardado metrô da cidade foi colocado nos trilhos. O fato tinha tudo para ser encarado como apenas mais um acontecimento corriqueiro na rotina de um canteiro de obras, mas dadas as circunstâncias é compreensível o caráter histórico que o episódio ganhou.
Tudo começou em abril de 2000, quando o projeto do metrô da terceira maior cidade do Brasil, com 3 milhões de moradores, passou a ser executado. A obra se arrasta há 10 anos, são sete de atraso. Testa a paciência dos soteropolitanos e cria desconfianças até nos contribuintes menos vigilantes.
A colocação do vagão nos trilhos teve direito, é claro, a muito alarde da prefeitura e do governo estadual, que, na ausência de notícias mais, literalmente, concretas sobre a construção, se apegam a detalhes para mostrar serviço.
A administração municipal, que durante as obras já passou pelas mãos de Antônio Imbassahy (hoje PSDB, na época PFL) e João Henrique (PMDB), já anunciou e adiou datas para o início das operações tantas vezes que agora afirma apenas que isto está previsto para o primeiro semestre de 2011, e, ainda assim, sem muita veemência.
Antes, é preciso testar os equipamentos, que ficaram parados em um galpão por quase dois anos. A fornecedora dos trens, a japonesa Mitsui & Co, não se responsabiliza pelos vagões caso não sejam realizadas inspeções para avaliar o estado de conservação deles.
Os baianos pagaram cerca de R$ 2 milhões para que os trens fossem guardados enquanto não havia possibilidade de uso.
As desculpas para tanta demora na conclusão vão desde as oito greves feitas pelos funcionários envolvidos na construção e até a paralisação determinada pela justiça, que encontrou indícios de irregularidades nos contratos firmados entre o poder público e empresas privadas.
Pague dois e leve um
O projeto desta primeira fase previa a construção de uma linha de 12 quilômetros, ligando o bairro de Pirajá, na periferia de Salvador, à Lapa, centro da capital. Isto custaria R$ 500 milhões aos cofres municipal, estadual e federal. No entanto, seguindo o exemplo de tantas outras obras custeadas com o dinheiro público, o valor gasto dobrou, passou a barreira de R$ 1 bilhão.
Já o tamanho da linha foi reduzido à metade, 6 quilômetros (só para facilitar o entendimento do leitor: São Paulo possui quase 70 quilômetros). O fim do trajeto permanece o mesmo, mas o circuito a ser percorrido começa na região conhecida como Acesso Norte, área onde a movimentação de passageiros é considerada pequena.
Seu Antônio de Souza, comerciante, repete uma das frases mais usadas na cidade quando o assunto é o tal metrô calça-curta. “Vai ligar nada a lugar nenhum. Ninguém mora ou trabalha no Acesso Norte, que é uma área de passagem de carros. Quem vai vir pra cá pegar isso?”, questiona. Diante deste quadro, quase ninguém acredita que a Linha 2 (Calçada-Iguatemi e Imbuí-Mussurunga) saia do papel tão cedo.
A despeito da enxurrada de críticas, o Governo do estado e a prefeitura seguem afirmando que o metrô vai ajudar a resolver o problema do trânsito da cidade, que sofre com congestionamentos a qualquer hora e em qualquer lugar, e do sistema de transporte de ônibus, que conta com 2.500 veículos e atende 1,5 milhão de passageiros por dia.
Denúncias
A construção do metrô é alvo de uma CPI criada em abril de 2010 na Assembléia Legislativa da Bahia. Até o momento, apenas membros do Ministério Público Federal que encontraram indícios de fraudes em contratos da obra foram ouvidos. O período eleitoral praticamente paralisou as atividades da comissão.
Existe a possibilidade de ter havido superfaturamento. Uma ação de improbidade administrativa foi proposta pelo MPF contra as construtoras envolvidas na execução e no processo de licitação da obra e também contra funcionários da prefeitura de Salvador (entenda a ação) As irregularidades podem ter gerado um prejuízo de até R$100 milhões e teriam sido cometidas pelas empresas Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Norberto Odebrecht, OAS, Queiroz Galvão e Constran e mais onze pessoas.
Enquanto o metrô e a ação não saem do papel, a população debocha de si mesma e do descaso com o qual tratam nosso dinheiro
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