Sempre tivemos fama de hospitaleiros. Nossos sorrisos sempre encantaram o mundo. Talvez por estas razões é que o Brasil vibrou ao ser escolhido sede de um Pan-americano em meados de 2002. Um evento de médias proporções, mas mesmo assim o maior já realizado no país. Cinco anos depois e a menos de uma semana para a abertura dos jogos, você saberia responder se o Brasil, como um todo, conseguiu mostrar serviço neste Pan?
Por Fernando Galacine ,em São Paulo e Luciano Raduy em Qingdao, China.
Pistas de atletismo, piscinas, quadras. Não foi em nenhum destes lugares que o Brasil já começou batendo recordes após recordes na história dos Pans. Com um gasto total batendo na casa dos R$ 4 bi, a 15º edição dos jogos mais importantes das Américas gastou, no mínimo, 10 vezes a mais do que qualquer outra edição de um Pan-americano já realizada. Tudo isso para evitar o vexame que fez de Santo Domingo uma cidade riscada do mapa pela Odepa, a Organização Desportiva Pan-americana. Sem infra-estrutura, a capital dominicana teve inúmeras provas canceladas e por falta de um bom cronograma planejado, várias obras foram entregues em cima do laço. Isso talvez pudesse servir de consolo à Organização do Pan 2007, mas um detalhe, um tanto quanto óbvio, merece ser citado: o problema do Pan de Santo Domingo foi a verba, o que definitivamente não foi o problema daqui. Quatro anos depois, o que se vê na cidade maravilhosa são obras, senão cheirando a tinta, totalmente diferentes do seu projeto inicial. Como, por exemplo, o Engenhão.
Exorbitantes R$ 360 milhões conseguiram erguer um estádio moderno e único no país dentro das normas internacionais. A idéia do Complexo esportivo João Havelange é, além de suprir o Pan, criar um sinalizador que coloque o Brasil como o ‘país da Copa 2014’. Mas a menina-dos-olhos do COB, e porque não da CBF, acabou virando uma pedra no sapato de muita gente. Com gasto mensal de 200 mil reais por mês para manutenção, nenhum grande time carioca está muito disposto a se responsabilizar pelo estádio. Para o presidente do Fluminense, Roberto Hocardes, que faz coro aos outros cartolas, o Engenhão “fica muito longe e com acesso complicado, inviável para o time”.
E razão ele tem: encravado num lugar desconhecido até mesmo para os cariocas, além de ficar longe da maioria dos locais de prova e também da Vila Olímpica, as ruas entorno do Engenhão têm acesso dificultado e ruas muito estreitas, o que piora para quem vai de carro. Afinal, o único transporte de massa que existe na região é uma linha de trem que liga o Complexo, na zona Norte, ao Centro do Rio. O imenso elefante branco, com status europeu, agora aguarda até novembro para saber se terá ainda alguma utilidade daqui a nove anos, se o Brasil for mesmo a sede da Copa 2014...
A COPA do Mundo é nossa?
Desde que sediou sua primeira e última Copa do Mundo, em 1950, a pátria de chuteiras, diferentemente da França e Alemanha, por exemplo, sequer viu mais uma chance de sediar outra Copa passar por perto. Mas depois de saltar para a Ásia e cair daqui a três anos na África, é quase certo que a Copa de 2014 venha parar em nossos braços. Mérito do Pan? Nem tanto, o troca-troca entre as Américas e a Europa já não dava chance a parte sul do novo continente desde 1978, quando a Copa foi realizada na Argentina. Em meados de 2003, um ano depois da escolha do Rio para sediar o Pan, o Brasil lançou a candidatura juntamente coma Argentina e a Colômbia para sediar a Copa 2014, que pelos critérios da FIFA seria no continente Sul-americano. Em 2005 o Brasil se tornou candidato único na disputa, sendo apoiado pelos concorrentes desistentes. É claro que o Pan deu certa força nessa altura do campeonato, afinal tanto a AFA, Federação de Futebol Argentina, quanto a FCF, a Federação Colombiana de Futebol, sabiam que sediando o Pan, o Brasil ganharia um impulso a mais aos olhos da FIFA, o que de fato aconteceu.
E lá vamos nós...
Mas também é fato que o Pan servirá de vitrine para todo mundo, incluindo aí o assunto acima: a FIFA. A Federação Internacional de Futebol já disse que ficará com os olhos bem abertos em cima de tudo o que acontecerá durante os 17 dias de competições no Rio de Janeiro. E mais: caso o Brasil não dê conta do recado, ou seja, caso algo grave com a segurança ou o transporte aconteçam, por exemplo, é quase certo que o nosso sonho de ver seleções do mundo todo mais perto da gente irá pelo ralo. Acredite ou não, de certo modo já tem gente de olho caso fracassemos: O Governo do Canadá lançou, de maneira discreta, um apoio à FIFA caso o Brasil não tenha condições de sediar a Copa de 2014. O engraçado, é que um dos inúmeros motivos que também são alegados para os custos exagerados do nosso Pan, é a preocupação em fazer algo tão bem organizado como os Jogos da cidade de Winnipeg, no Canadá, que, aliás, sediou por duas vezes essa competição. O modelo perfeito dos canadenses para 2014 não é nada oficial, mas caso haja algo errado por aqui...
Nada de bisbilhotices...
Justamente por ser um evento exclusivamente continental, é certo que o maior interesse pelo Pan, seja mais da imprensa americana do que pela européia, por exemplo. Mesmo sabendo que alguns esportistas de elite não pisarão os pés por aqui, é necessário considerar que boa parte dos atletas de peso que embarcarão para Pequim no ano que vem estarão se aquecendo sob a atmosfera carioca, um atrativo e tanto para outras delegações do mundo inteiro. É exatamente por isso que grandes agências internacionais enviaram seus repórteres para o Rio de Janeiro a fim de contar de perto como nós brasileiros estamos organizando um evento desse porte. É o caso do jornalista Leonel Plügel, correspondente da agência de notícias italiana, ANSA, que conversou, por telefone, com o JE. Para Plügel a imprensa internacional, ao contrário do que muita gente pensa, não se interessa em peso só por assuntos ligados à violência, por exemplo. “Nosso interesse está voltado para a infra-estrutura, o que está funcionando e o que não está. Notícias policiais não têm tanta importância, mas ganhou destaque, por exemplo, a venda de ingressos ontem e do tumulto que isso se transformou.”
Plügel estava se referindo à confusão que o Co-Rio, o Comitê organizador do Pan, fez na semana do dia 02. Depois de vender todos os ingressos de jogos de vôlei, handebol e alguns outros pela internet, as bilheterias, uma delas no Maracanã, mesmo assim foram abertas. O que formou uma fila enorme de pessoas querendo trocar o voucher, uma espécie de reserva, pelo ingresso e outras querendo saber o porquê da venda também não estar acontecendo pela bilheteria. No final das contas, quem não sabia das vendas pela internet, ficou sem ingresso nenhum já que todos eles estavam esgotados. A justificativa do Co-Rio foi de prejudicar ao máximo a vida dos cambistas... E talvez junto a do torcedor, quem sabe...
No outro lado do mundo...
A julgar pela Grande Muralha da China, uma das novas sete maravilhas do mundo, não é difícil entender que os chineses têm paciência de sobra. Mas nem por isso casos como os da venda de ingresso, como os daqui, vão ficar em cima da hora, e não mesmo: um ano antes da abertura dos jogos os ingressos para a Olimpíada de Pequim já estão à venda e com um atrativo: alguns ingressos estão sendo vendidos a US$ 4, ou R$ 8. Tudo isso para permitir que, em um país onde mais de 200 milhões de pessoas vivem com menos de R$2,20 ao dia, também possam ir aos Jogos e não somente os turistas que desembarcarão no país.
O novo correspondente do JE Informa na China, mostra como os chineses já estão se preparando para receber os turistas de todos os cantos do planeta e deixar com um pouco mais de pessoas o país mais populoso do mundo.
Por Luciano Raduy, do JE em Qingdao, China
“(...) o chinês é ainda um ratão amarelo, de olhos oblíquos, de comprido rabicho, com unhas de três polegadas, muito antiquado, muito pueril, cheio de manias caturras, exalando um aroma de sândalo e de ópio, que come vertiginosamente montanhas de arroz com dois pauzinhos e passa a vida por entre lanternas de papel, fazendo vénias” (Eça de Queirós, Chineses e Japoneses, Lisboa, 1997, p. 33).
Se Eça tivesse vivido para ver...
Arranha-céus, Ferraris, Zaras, dois Mc Donald’s por esquina, Mickey Mouse, roupas e penteados fashion, à japonesa, parques industriais monstruosos; esta é a China de hoje e, claro, não poderia faltar o escancarado exagero no neon, que deixa todas as noites parecidas com ano novo. Claro que a história de mais de 5000 anos rege, de forma decisiva, o comportamento do chinês. Este, todavia e hoje em dia, compara-se muito menos ao “ratão amarelo” da descrição marota logo acima. Não, a China já não se assemelha àquela cantada por Eça. Não senhor...
E é neste contexto cultural, mais do que contemporâneo, que serão realizados os Jogos Olímpicos de 2008. China, Pequim 2008. As disputas serão em Pequim, exceto algumas modalidades, entre elas o iatismo, que terá lugar em Qingdao. Qingdao – ou Tsingtao – é uma cidade muito aprazível, situada no litoral centro-leste da China e banhada pelo Mar Amarelo. Encara diretamente a Coréia do Sul, e, devido a curta distância e à boa relação entre os países, é residência de milhares de coreanos que aqui vêm fazer negócios (é, também, a casa deste brasileiro que vos escreve). Com a notícia das olimpíadas, o governo central destinou milhões de Yuan, a moeda local, para investimentos urbanísticos e estruturais. E capricharam! Qingdao é bonita, limpa e organizada (além de ter a melhor cerveja da china, a Tsingtao – e quem sabe esta última não é a razão porque trouxeram as disputas de iatismo justamente para cá).
Cada dia que passo em frente ao complexo que abrigará os atletas, vejo-o mais rechonchudo. No domingo passado mesmo, às dez da noite, os operários estavam lá trabalhando (bom... é até melhor do que ver Fantástico, Sílvio Santos ou ópera de Beijing). Mas, falando em Pequim, há uma campanha publicitária promovida pelo governo a fim de coibir os “pequineses” de evocar a secreção das vias respiratórias ruidosamente e cuspir em público, um velho hábito da cidade e que na maioria das vezes choca os turistas. Calçadas inteiras, às vezes, ficavam repletas de catarro. A polícia de Pequim multa pesado quem é apanhado com a boca na botija. Tudo preparação para os jogos dentro de um ano.
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Falando em Olimpíada...
Não é de hoje que o Brasil sonha em estar também neste corre-corre por um evento desses. Nas últimas cinco decisões à sede realizadas pelo COI, o nosso país esteve em todas e nas quatro últimas, incluindo a de 2016, teve uma só representante: a cidade do Rio de Janeiro. É certo escolher sempre uma só cidade para nos representar? Para o COB é. Principalmente agora, com as obras do Pan, o grande trunfo a ser mostrado pelo nosso Comitê Olímpico é o orçamento para sediar os Jogos: R$ 5 bi, um contraste um tanto quanto duvidoso.
Ou seja, mesmo que já consideremos o dinheiro gasto com o Pan, o que poderia ser uma mão na roda para as construções necessárias para uma Olimpíada, o Brasil gastaria o total de R$ 9 bi, quase três vezes menos do que custou os Jogos de Atenas, que sem o fechamento do custo total de Pequim, é o mais caro já realizado na história. Mesmo sendo muito difícil de acreditar, é nessa tecla que repetitivamente o COB e a Prefeitura do Rio batem: a de que o Rio já está pronto e se duvidar embrulhado para presente. "O Rio será a única cidade no Brasil e na América Latina que já contará com instalações de nível olímpico prontas durante a postulação da candidatura." Disse o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, Carlos Arthur Nuzman. Foi com essa mesma música que eles viram e justificaram a conta bilionária do Pan, a de que tudo isso foi um investimento para a cidade conquistar uma Olimpíada. Talvez tanto Nuzman quanto as três esferas do poder, incluindo a União, tenham esquecido que já dando como certo a Copa no Brasil em 2014, dificilmente outro grande evento também seria realizado no país dois anos depois. Justificações à parte, o Pan do Brasil, pago com o dinheiro de todos nós, segue quebrando recordes sem ter começado. Fica a torcida para que eles não atrapalhem os verdadeiros recordes daqueles que todos sentem orgulho em ver.