sexta-feira, 10 de agosto de 2007














O segredo para viver em paz com todos consiste na arte de compreender cada um segundo a sua individualidade.
(Federico Luis Jahn)



Por Egnaldo Lopes, do JE em Goiânia.


Conhecimento superficial: é isso o que a maioria de nós tem a respeito do que não faz parte do nosso cotidiano, do que muitas vezes reflete a verdadeira realidade dos problemas do planeta muito mais do que as aulas e os telejornais a que assistimos: a facilidade que a mídia proporciona nos faz preferir o mais rápido e sucinto ao detalhado e muitas vezes mais coerente. E é justamente o desconhecimento que nos remete à ignorância: instrumento para a obscenidade reinar absoluta. Mas a mesma mídia fornece conhecimento que bem aproveitado pode servir de impulso para o aprofundamento e para a transformação da sociedade.

Ano de 2007, as pessoas se amontoam com equipamentos tecnológicos e modismos nada úteis, mas e daí? Ninguém se importa com o que tem ao lado, até que um ataque terrorista faz símbolos nacionais serem destruídos, marginais queimam uma família inteira dentro de um automóvel, arrastam uma criança pelo asfalto, bombas provocam explosões mortais...

Muitos não conhecem os motivos e a realidade dos que estão envolvidos na situação delicada que toma conta do Oriente Médio. Israel, protegido pelos EUA, impõe as regras na região e é considerado por muitos de seus países vizinhos como uma verdadeira ‘vergonha’ para a região. A paz parece não fazer parte dos planos dos governantes dos países que querem garantir o que é (ou acham que é) seu a todo custo. A criação do Estado de Israel foi o pontapé para essa rixa que se estende aos dias atuais, mas que encontra respaldo desde muito antes do fim da 2ª Guerra Mundial quando em 1948 a ONU entregou aos judeus uma área que os palestinos têm como sagrada, mas que também já os pertenceu: No século XIX, ancestrais dos judeus sionistas já acampavam no local para virem a construir um Estado soberano. O impasse se dá basicamente porque todos querem que os demais reconheçam a soberania que possuem em relação à posse do território. O fato é que os árabes não aceitaram a divisão da ONU e os judeus se apossaram de todo o território, enquanto os palestinos lutam pelo reconhecimento de que pelo menos Cisjordânia e Faixa de Gaza devem pertencer ao Estado Palestino que tanto sonham em criar.



Símbolos dessa luta já não estão mais no comando: em 2005 o então líder da OLP (Organização pela Libertação da Palestina), Yasser Arafat morreu após anos defendendo seu povo; Logo após ordenar a retirada dos colonos israelenses da Faixa de Gaza, onde houve resistência, o então premiê de Israel, Ariel Sharon, foi internado e ainda permanece em coma há mais de um ano.


Arquivo

A ex-correspondente do JE Informa em Jerusalém, Letícia Germano, relatou há exato 1 ano o drama que a região em conflito na guerra entre o Governo de Israel e o Hezbollah

"As pessoas em Israel, com exceção dos cidadãos do norte, continuam a viver normalmente, na medida do possível. Eu, morando em Jerusalém, onde é quase impossível haver algum ataque, pois não somente fica no centro de Israel, mas também existem vários lugares sagrados para os muçulmanos que os terroristas não querem destruir, vejo a cada dia que passa que todos estão, não diria com medo, porque a polícia está fazendo um trabalho excepcional, mas receosos, porque homens bombas são parados a cada dia em lugares públicos e diferentes na cidade. Também, o fato de que 100% dos vôos vindos para Israel foram cancelados e que a economia está MASSACRANDO muito mais do que o terror. Parece ridículo dizer, mas as pessoas no norte estão sem casa e aqueles que ainda têm, não podem sair delas, tudo está parado. Após esta guerra, tudo deverá ser reconstruído, mas com que dinheiro se o turismo, que é a maior fonte de renda de Israel, está completamente perdido? Vejo esta realidade de perto. A situação é critica.

Ao mesmo tempo, o governo diz que isso tudo deverá acabar dentro de duas a três semanas. Eu não duvido, porque o exercito está chamando TODA a reserva: mais de 10 000 soldados. Não só tenho meu namorado que está indo para o front, mas também amigos e todos eles estão felizes de defender o país. A fé aqui é muito grande... Eu, recém chegada no país, tenho lá meus medos, mas fico muito mais segura ao ver que todos estão tranqüilos e também de ver que com tantos mísseis lançados em Israel (quase 400), tivemos menos de 30 mortos e a maioria deles são soldados defendendo o país. Os civis aqui são muito bem protegidos. Meu medo agora?Será que o meu namorado, assim como meus amigos, irão voltar?
"

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Mas o que acontece hoje é algo que complica ainda mais a realidade do local: com a retirada dos colonos judeus, os grupos políticos da Autoridade Nacional Palestina, Fatah e Hamas, entraram num conflito tão intenso que ameaça aumentar ainda mais o caos da região que, segundo especialistas, será palco de uma guerra civil de grandes proporções. Um destes grupos, o Hamas, é considerado pelos Estados Unidos e também por Israel como um grupo terrorista, mas a verdade é que o Fatah, denunciado por corrupção e o extremista Hamas vêm ganhando apoio de novos grupos que surgem constantemente.






O correspondente do SBT no Oriente Médio, Michel Gawendo, explica o caos que percebe no local: ‘O que mais me chama a atenção nesta situação entre os palestinos é a falta de responsabilidade de líderes de facções, que parecem não se importar com a situação da população, preferindo defender seus privilégios, suas ideologias e lealdades. A quantidade de esforços e verbas investidos em um conflito interno em uma região de pobreza extrema, como é a Faixa de Gaza, também é um fato que chama a atenção. O caos entre os palestinos é resultado, principalmente, da pressão econômica e política na Faixa de Gaza, por causa do boicote internacional, e do extremismo político e religioso. ’.

E fala sobre a dificuldade de fazer do local seu ambiente de trabalho: ‘O trabalho jornalístico no Oriente Médio envolve alguns riscos, que parecem muito maiores quando vistos de fora. Pensem em como um estrangeiro vê o Rio de Janeiro na televisão. É claro que são necessárias medidas preventivas e há áreas com risco de tiroteios e atentados. O melhor a fazer é seguir a orientação de autoridades e dos moradores. De maneira geral, a mídia tem liberdade e cooperação das lideranças por aqui. A guerra que conhecemos hoje em dia envolve um combate psicológico extremo e a mídia é parte essencial. Os dois lados sabem muito bem disso. Nos últimos meses há uma tendência de seqüestros de repórteres na Faixa de Gaza por parte de grupos fundamentalistas. Felizmente, isso ainda não é regra. ’, completa.

A interferência dos EUA nas questões do Oriente Médio é algo que incomoda a maioria desses países. Mas há grupos originados do local que lutam pela paz entre os povos: é o caso do Peace Now, grupo que nasceu na década de 70 em Israel e que pressiona o governo a tomar medidas pacificadoras em relação aos árabes visando ‘a paz, o compromisso e a reconciliação com o povo palestino e os países árabes como a única garantia para o futuro, a segurança e a personalidade do Estado de Israel’, declarando-se assim o movimento pacifista.



Amos Oz é um dos escritores mais respeitados em Israel onde recebeu o importante Prêmio Israel de Literatura. Nascido em Jerusalém, Oz foi um dos fundadores do movimento Peace Now e tem influencia junto a poderosos da região; representa o que muitos querem para o futuro da nação: os povos convivendo lado a lado, cada qual com seu país reconhecidamente aceito. É legítima a intenção dos palestinos de terem um Estado independente, mas o que falta agora é resolver o problema interno dos árabes que não sinalizam nenhuma inclinação para um acordo. O Fatah, por meio do presidente Mahmud Abbas destituiu o Hamas do poder através de estratégias criticadas pelos que redigiram a Lei Básica da Autoridade Nacional Palestina, a tensão aumentou devido ao Hamas ter expulsado o Fatah da Faixa de Gaza, passando a ter o controle da região, e bombardeado Israel em Junho: foi o fim do governo de coalizão entre os dois grupos rivais de palestinos, o que trouxe à tona o conhecimento da realidade do local.

Tony Blair, que acaba de deixar o cargo de primeiro-ministro britânico visando posições de destaque no cenário internacional, acaba de se tornar o representante do chamado ‘Quarteto para o Oriente Médio’ (EUA, Rússia, ONU e União Européia) e visitou Israel com a missão de dar um passo a frente no processo de paz entre israelenses e palestinos, mas Israel já sinalizou que pretende invadir a Faixa de Gaza e matar os líderes do Hamas que, por sua vez, já veio a público dizer que a guerra estará proclamada se algo acontecer com seus líderes. No último dia 31 de Julho, Mahmud Abbas disse em Moscou que ‘A normalização passará, antes de tudo, pelo regresso à situação que existia antes do golpe de Estado... O Hamas deve reconhecer sua culpa e pedir desculpas pelos crimes que cometeu. ’. No dia 1º de deste mês, a secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice, também foi a Jerusalém para propor uma conferência de paz na região, mas sem a participação do Hamas. Enquanto isso o Fatah vem ganhando apoio de Israel e negociam um Estado Palestino governado sem nenhuma interferência do Hamas: movimentos premeditados entre o Fatah e o grupo de Israel, incluindo os EUA, que o Hamas não vai deixar barato.



Intolerância, algo que acontece também aqui no Brasil e pode explicar a violência não só entre os palestinos, mas também a existente entre diversos grupos em conflito pelo planeta, como a interna do nosso país: ‘Tudo depende do que entendemos por 'intolerância'. Se entendermos como intransigência com relação a opiniões, atitudes, crenças e modos de ser diferentes daqueles próprios ao grupo que pertencemos, sem dúvida a intolerância pode levar à violência contra o outro, contra aquele que não participa de nossa definição do que é o humano. ’, explica o professor Marcos César Alvarez, Doutor em Sociologia pela USP.

E acrescenta: ‘Penso que no Brasil, no entanto, a questão da intolerância se volta menos contra as minorias que têm credos e comportamentos específicos e mais contra aqueles que são considerados subcidadãos por serem negros, pobres, moradores da periferia, marginalizados em geral. Basta lembrar a recente agressão, realizada por jovens de classe média, que espancaram uma empregada doméstica e depois alegaram que a confundiram com uma prostituta. Ou seja, a intolerância se volta contra aqueles que não são considerados cidadãos plenos. ’.

Passos direcionados para a paz devem ser estudados, mas sobretudo colocados em prática. No Brasil, o professor Marcus Alvarez fala em como seria possível construir uma cultura de paz: ‘Acho que o essencial seria construir um espaço efetivo de cidadania, de participação, de respeito aos Direitos Humanos no país. Isso envolve mudanças nos padrões culturais, mas também no perfil das instituições e do Estado. Isso implica em absorver os muitos conflitos sociais que perpassam o país nos marcos da Democracia, assumir que temos uma sociedade muito complexa e injusta e que todos têm direito ao reconhecimento de suas identidades e demandas, mesmo que só a partir de um longo processo histórico possamos reorganizar a coletividade de modo a que todos possam participar, de modo satisfatório, em nossa sociedade. ’.


Veja o slide show da BBC sobre o assunto.